sexta-feira, fevereiro 27, 2009

O Freeport, a corrupção e os jornalistas


Um jornal, penso que o Expresso, resolveu ter um procedimento básico de investigação de um assunto: procurar falar com toda a gente que comprovadamente tinha tido alguma ligação com o processo de aprovação do Freeport.
Na sequência encontrou dois funcionários do ICN que tinham estado no processo e depois deixado de estar, um dos quais eu, e publicou qualquer coisa fazendo notar que estes funcionários tinham deixado de ter alguma ligação com o processo depois de terem emitido um parecer negativo.
Desde aí que volta não volta tenho jornalistas a ligar-me (sendo certo que muitos deles não faço a menor ideia de como têm o meu telefone mas eu não tenho grande problema com isso).
Eu já escrevi tudo o que sei sobre o assunto aqui no blog, digo-lhes sempre isso, mas insistem em conversar.
Das primeiras vezes pensei e repensei mas depois achei que tenho a obrigação cívica de não contribuir para um discurso subterrâneo que é frequente no país, no diz que disse, do sei alguém que disse, do conheço alguém que tem um primo que disse.
E passei a, de forma sistemática, aceitar conversar mantendo-me dentro do que são os factos e evitando interpretações e juizos de valor para que remetem perguntas frequentes do género mas acha que, mas o que pensa de fulano, mas é possível, do que conhece pessoalmente, que... e por aí fora.
Ao fim de não sei quanto tempo nisto, à volta do mesmo processo, dei por mim a perguntar-me se faz sentido o que está a passar.
Eu sou um fundamentalista radical do escrutínio público das decisões de política pública. Nesse sentido acho muito bem que os jornalistas perguntem, investiguem, estudem os papéis que digam respeito a um processo sobre o qual há dúvidas.
Talvez o que mais tenha notado nestas conversas é como as pequenas deficiências generalizadas da administração, como as reuniões sem actas, os pareceres que não existem, as decisões sem fundamentação e registo, os arquivos caóticos, ou seja, tudo o que permite e suporta a informalidade no processo de formação de decisão na administração pública parecem estranhos, inconcebíveis, distantes e mesmo irrelevantes, fora daquele processo em concreto, para a maioria dos jornalistas.
O que me surpreende é a sua falta de interesse em muitos outros processos sobre os quais se poderiam levantar o mesmo tipo de dúvidas, quer haja ou não indícios de luvas em dinheiro, desde que não digam respeito a alguém com magnetismo mediático.
A corrupção não se define apenas por haver dinheiro envolvido, nem mesmo vantagens materiais directas. A corrupção pode envolver apenas vantagens imateriais ou indirectas, um pequeno favor de amigo, um pedido resolvido, uma colocação mais vantajosa, uma nomeação, a facilitação de um contacto, o crescimento da rede de contactos, um telemóvel difícil de obter, um convite para um almoço, uma caçada, um passeio ou, simplesmente, uma imagem mais favorecida para o que der e vier.
Imaginemos por hipótese, e que seja claro que não acredito nesta hipótese, isto é, acho-a possível em abstracto, mas acho-a implausível em concreto, que de facto um primeiro ministro teria recebido luvas para tomar uma decisão.
Haveria uma perturbação institucional, uma substituição provável do primeiro ministro e depois tudo seguiria dentro do business as usual (mesmo que mudasse o partido no poder porque os partidos de poder em Portugal nem sequer são assim tão diferentes).
E depois a Democracia seguiria porque tem solução para estas situações, não sendo claro que diferença faria isto para o país (com excessão das clientelas partidárias, bem entendido).
Pelo contrário, o efeito larvar de uma corrupção demasiado presente na sociedade tem um efeito negativo, mesmo que seja a pequena corrupção da portaria do hotel que promove a empresa x em vez da y na prestação de serviços que podem interessar ao cliente, ou o funcionário que apressa a decisão e por aí fora.
O efeito corrosivo da corrupção não provém tanto de haver um grande corrupto mas de haver muitos pequenos corruptos.
E assusta-me ir percebendo que é possível mobilizar meios infindos para esmiuçar um caso que envolva alguém, mesmo que injustamente mas com presença mediática mas não há capacidade para escrutinar, de forma constante e mesmo sem suspeita, a decisão administrativa, o que limitaria muito o efeito real da corrupção mais ou menos generalizada e, não menos importante, limitaria muito a dúvida legítima que pode resultar de uma suspeita fundada na ausência de meios de verificação tão simples como, por exemplo, actas de reuniões.
Escrutinar até à exaustão o Freeport é bom, legítimo e razoável mas esquecer o contexto de informalidade que permite manter tanta dúvida em cima da mesa ao fim deste tempo todo torna o exercício muito pouco interessante para o futuro do país, qualquer que seja o seu desfecho, porque não contribuirá para uma administração mais responsável e cumpridora das regras de decisão estabelecidas.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

Anónimo disse...

Quem ler o processo (eu já o fiz) percebe que o senhor é um troca-tintas! Acabo de ver uma peça onde o senhor bota faladura e tudo é ridiculo. Como pode o senhor ter dito que o Freeport violava o PDM se este nunca foi ratificado pelo Conselho de Ministros?! Há muita lama a ser atirada para as pás ...

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Anónimo,
Posso ser corrupto, desonesto, mal formado, atirar de lama para as pás, mas desde que fiz a análise do processo digo o mesmo, não percebo pois a acusação de troca tintas.
Quanto ao PDM está a confundir duas zonas distintas: há uma zona onde estão os edifícios, onde estava e edifício da Firestone, que não foi ratificada no PDM (contra o meu parecer, aliás, que defendi a ratificação do PDM também nessa zona); há uma outra zona, onde estava um pequena parte do edifício e que não sei se se manteve na versão final do projecto que já não acompanhei, e os estacionamento (ou pelo menos grande parte do estacionamento) que está fora dessa zona não ratificada do PDM e cuja regulamentação, na minha interpretação, que ainda não vi contrariada, é uma zona não aedificandii, ou seja, ou não são possiveis obras de construção.
Mas eu posso dizer asneiras e será fácil demonstrar o contrário se o forem, é preciso que seja com um argumento diferente porque esse que aqui trouxe não corresponde aos factos.
henrique pereira dos santos

Gonçalo Rosa disse...

Caro Henrique,

Concordo completamente com o exposto e lamento que este processo tenha apenas o mediatismo que tem dado atingir politicamente um Primeiro-ministro. É o sangue, pelo sangue. Lamentavelmente, não tenho dúvidas que nada de registo aprenderemos, por forma a evitar estes modos de proceder da administração que tanta margem dão à pequena e grande corrupção. E continuará tudo na mesma...

Tat Wam Asi disse...

Caro Henrique,

então se para a viabilização do porohecto muito terá contribuído o antigo presidente do Instituto de Conservação da Natureza (ICN), Sr. Carlos Guerra..como é possivel que depois de ter deixado a presidência do ICN, em 2002, já depois da autorização do Freeport, prestar serviços como consultor à Sociedade Ambiente e Manutenção (SAM), uma das empresas de Manuel Pedro, um dos dois sócios da consultora Smith&Pedro suspeitos de pagamentos no âmbito da autorização do outlet. O outro é Charles Smith. Ambos constituídos arguidos neste caso.

Só falta de Ética ou corrupção?
Pode elucidar-me?

Obrigado

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Tam Wam Asi,
Se há coisa neste processo que tenho evitado é fazer juízos pessoais.
A razão é bastante simples: a informação que tenho como fiável é a que eu conheci directamente no processo e tem sido sobre isso que tenho falado.
Portanto não respondo à sua pergunta porque não faço a mínima ideia e porque a discussão que verdadeiramente me interessa (a forma como as decisões públicas facilitam ou dificultam a corrupção, a grande ou a pequena) é razoavelmente irrelevante saber o que se cocnretizou.
Basta discutirmos o que em tese pode facilmente concretizar-se, sem necessidade de nos substituirmos a quem faz a investigação no que diz respeito a conclusões.
henrique pereira dos santos

david sumares disse...

caro Henrique,
sou um aluno da Prof. Teresa Fidélis da UA e queria colocar-lhe umas questões relacionadas com um estudo sobre os processos decisórios associados à rede natura ao nível local. Não consigo encontrar o seu email em parte nenhuma... será que me poderia enviar para david.sumares@gmail.com uma mensagem com o seu email de modo a eu o poder contactar directamente?

Muito obrigado pela sua atenção e cortesia,

David Sumares