segunda-feira, novembro 30, 2009

apêndices e apendicites



Num comentário a um post aqui publicado, José Luís Monteiro fez duas afirmações que me parecem interessantes de comentar: “Eu não discordo que os sócios são importantes para as associações, não concordo é que, em Portugal, possam ser importantes para o financiamento das associações”, questionando-me ainda se acharia “que o trabalho que as ONGAs têm feito (e mesmo que sejas crítico de boa parte desse trabalho) se podem financiar só com as quotas dos sócios”.

A discussão centrava-se na LPN, mas pode e deve ser feita num âmbito mais global, não só porque existem exemplos mais evidentes do que me parece interessante discutir como o que me interessa é desconstruir esta lógica de “prestadoras de serviços” que algumas ONGAs vão assumindo.

Começando pela segunda afirmação, é óbvio que, na realidade das principais ONGAs, não sendo expectável uma subida vertiginosa do número de sócios, nem sendo possível um aumento desmesurado dos valores das quotas, projectos de centenas de milhares de euros nunca poderiam nem poderão, pelo menos no curto/médio prazo serem financiados, em boa parte, pelas quotas/contribuições dos seus associados. É um facto, difícil de questionar. Mas também é óbvio que José Luís Monteiro discute partindo do pressuposto que o fim de uma ONGA, ou, pelo menos, boa parte dele, reside na execução de projectos. E é aqui que divergimos claramente. Tenho fortes dúvidas que a preservação ambiental ganha mais com as ONGAS centradas na execução destes projectos, geralmente de âmbito local e/ou tendo como objectivo a conservação de um pequeno grupo de espécies, que a abordarem de forma consistente e continuada, na opinião pública e com pressão política, questões essenciais para a preservação ambiental no país: o abandono agrícola, o ordenamento florestal e cinegético, as grandes opções estratégicas do Estado quanto a infra-estruturas, as opções energéticas, o desinvestimento estatal na conservação da natureza e da biodiversidade, entre outras.

Se aparentemente é possível seguir ambas as linhas de acção – a da execução de projectos e a de trabalho político em questões ambientais – parece-me claro que as ONGAs que têm assumido uma postura de prestadoras de serviços, vão abdicando ou nunca tiveram uma linha de acção política consistente e continuada. Não conseguindo o que, na minha opinião, é equilíbrio razoável entre aquelas duas linhas. Na ausência de direcções activas e de comunidades de sócios activos que trabalhem a vertente política das associações, é mais do que espectável e aceitável que contratados se preocupem com a execução dos projectos que os pagam.

Entra-se então numa dinâmica em que os sócios se limitam basicamente a valer, para direcções e técnicos de ONGAs, o valor das suas quotas e o potencial que o seu número tem para ajudar a angariar novos projectos. São vistos como meros apêndices, úteis especialmente quando pagam as suas quotas, mas claramente nefastos quando procuram um maior envolvimento associativo e questionam esta lógica empresarial que se vai instalando em várias ONGAs. As Assembleias Gerais tornam-se meros pró-formas; a apresentação de contas, programas e relatórios de actividades, necessária burocracia a seguir. E com uma boa dose de hipocrisia, muitos dirigentes lamentam que Assembleias Gerais e actos eleitorais sejam um deserto participativo, mas preferem este cenário a outros que ponham em causa as opções que vão tomando.

Assim, seria para mim, ao menos expectável assistir a uma lógica semelhante à do Automóvel Clube de Portugal, que oferece uma gama de produtos aos seus associados suficientemente atraente, para que estes o sejam, em grande número, sem sequer saberem muito bem os objectivos daquela instituição. Aqui, seria até bem mais fácil dado o que são, para muitos dos cidadãos, os nobres objectivos de uma ONGA. Mas a dinâmica é tão obsessiva que nem nesta visão estritamente contabilística/financeira do valor dos associados se faz uma aposta séria em angariar novos sócios e em cativá-los, para que não se desliguem da associação ao fim de 2 ou 3 anos, deixando de pagar as suas quotas, como tantas vezes acontece. Porque, contrariamente ao que José Luís Monteiro afirma, até do ponto de vista financeiro, no cenário actual e na lógica de “prestadoras de serviços” os sócios são importantes para as ONGAs, porque apesar das suas quotas e donativos representarem, quase sempre, uma pequena parcela dos seus orçamentos - o “naco de leão” vem do financiamento dos projectos -, por um lado é, no caso da angariação de novos projectos falhar, o garante da sobrevivência financeira das associações (inevitavelmente noutra lógica, é certo), e por outro, a principal fonte de financiamento de todas as outras actividades/acções que dificilmente se podem auto-financiar, como por exemplo, uma verdadeira política de angariação e fixação de sócios…!

Não é pois para mim estranho que os sócios se desinteressem da vida associativa, em boa parte por se sentirem frustrados com o desinteresse que as suas direcções demonstram por questões ambientais que consideram relevantes. Deixam de pagar quotas, não participam em assembleias-gerais, não querem saber de programas nem de actos eleitorais, não apresentam alternativas políticas em parte porque sabem que compram uma guerra. É assim fácil compreender como em Portugal as “grandes ONGAs” são, na verdade, relativamente pequenas, como se torna difícil captar associados em número relevante, como mais difícil se torna fixar sócios que não sentem a Associação como algo que verdadeiramente lhes pertence.

Inverter este ciclo implica que grupos de associados, tendo noção de quão errada e perigosa é esta lógica empresarial, apresentem novas propostas políticas que invertam o actual estado das coisas. Esperar que as actuais direcções que criaram e/ou defendem estas tendências mudem de orientação é desmesurado optimismo.

Gonçalo Rosa

4 comentários:

Paulo Eduardo Cardoso disse...

Eu acho que às pessoas, a identificação com a missão de uma qualquer organização é motivo suficiente para contribuir com uma causa, ainda que apenas com as suas cotas. Junta à esta iniciativa anónima a confiança numa direcção competente e na evidência de profissionalismo dos colaboradores e funcionários.

Qualquer entidade que não possua uma orientação clara de gestão empresarial, mesmo em cenários de uma organização mais horizontal, como é o caso das ONGA, está condenada ao fracasso.

E por falar em fracasso.

Lembro-me de no passado um grupo de pessoas ter apresentado uma alternativa de renovação dos órgãos sociais de uma ONGA que se revelou um grande fracasso. Terá sido o descrédito dos intervenientes?

Gonçalo Rosa disse...

Paulo Cardoso: "Eu acho que às pessoas, a identificação com a missão de uma qualquer organização é motivo suficiente para contribuir com uma causa, ainda que apenas com as suas cotas."

Pois poderás acha o que muito bem entenderes, mas a realidade desmento. O baixo número de associados das ONGAs nacionais, quando comparado com outros países ou causas, a elevada percentagem de sócios que ao fim de poucos anos deixa de pagar as suas quotas e a participação activa de associados na vida associação (nomeadamente, assembleias gerais e actos eleitorais) demonstra inequivocamente o lirismo que há no que dizes. Muito bonito mas bastante ficcionado.

Paulo Cardoso: "Junta à esta iniciativa anónima a confiança numa direcção competente e na evidência de profissionalismo dos colaboradores e funcionários."

Não entendo bem o que quer dizer... queres detalhar.

Paulo Cardoso: "Lembro-me de no passado um grupo de pessoas ter apresentado uma alternativa de renovação dos órgãos sociais de uma ONGA que se revelou um grande fracasso. Terá sido o descrédito dos intervenientes?"

Confesso ter pouca paciência para indirectas e discursos inundados de fel. Mas se te referes à lista que tive a honra de encabeçar em 2006, concorrendo para os orgãos sociais da SPEA, devo-te dizer que tens uma noção de fracasso que certamente não é a minha. Se é certo que o objectivo primeiro que a lista que apresentei era vencer as eleições com um programa coerente com o que ainda hoje penso como deve funcionar uma ONGA, o que não veio a acontecer, foi importante discutir ideia e levantar questões. A existência de várias listas concorrentes aos orgãos sociais é um factor sempre de saudar e lamento muito a tua visão redutora. Hoje (mais uma vez) a SPEA encontra-se à beira do vazio directivo, daquele em que, em desespero se procura uma grupo de gente para encher uma lista, porque vazio directivo já existe há muitos anos. E esse é um cenário lamentável em que as últimas direcções tem enormes
responsabilidades.

Gonçalo Rosa

Paulo Eduardo Cardoso disse...

... Confesso ter pouca paciência para indirectas e discursos inundados de fel ...

Sim? Mas e então:

... não só porque existem exemplos mais evidentes do que me parece interessante discutir como o que me interessa é desconstruir esta lógica de “prestadoras de serviços” que algumas ONGAs vão assumindo ...

Não percebo.

... Para mim contínua a ser muito pouco aceitável que dirigentes associativos ou sócios com outros cargos associativos misturem vidas profissionais com os cargos que exercem nas associações ...

?

E haveria muitos mais exemplos.

... lista que tive a honra de encabeçar em 2006, concorrendo para os orgãos sociais da SPEA,...uma noção de fracasso que certamente não é a minha ...

Agora já percebo.

Relativamente ao tema, já no passado defendias mais ou menos isto

... origem do dinheiro, o problema que se cria é o da dependência de projectos. O de terem que existir projectos sistematicamente que alimentem uma equipa de colaboradores ad eternum. Em contraponto, fica para trás a necessidade de angariar e fixar sócios, já que se criou a ideia, em certa medida falsa, de que a angariação/fixação de sócios não é tão interessante assim como forma de angariar fundos ...

e mais recentemente

... Tenho fortes dúvidas que a preservação ambiental ganha mais com as ONGAS centradas na execução destes projectos ...

Acho que isolas-te numa argumentação desprovida de sentido e fundamento.

E ainda sobre palavras tuas do passado

... Não tenho dúvidas que em Portugal há mais do que espaço para uma nova grande associação ambientalista.... Talvez daqui a uns tempos, se a vida me permitir, me lance num novo desafio ...

Temo que, defendendo o que por cá expões, o projecto estará irremediavelmente condenado ao fracasso.

Gonçalo Rosa disse...

Caro Paulo,

Quem não percebe mesmo nada do que pretendes queres contestar sou eu... mas o problema de compreensão é certamente meu.

Peço-te que sejas mais explicito no que pretendes dizer. Caso contrário, não será fácil estabelecer uma discussão minimamente racional.

Obrigado!

Gonçalo Rosa