Tendo eu lido todo os relatórios sobre os fogos na Estrela e sobre a recuperação após fogo confesso que fiquei intrigado pelo facto do nome da mata do Casal do Rei me ser totalmente estranho, tanto mais que os meus colegas da Estrela têm dos efeitos do fogo uma visão bem menos benigna que a minha e certamente reportariam esta perda enfaticamente.
Intrigado foi procurar informação quer sobre a mata, quer sobre a sua eventual perda.
E o que vou sabendo faz-me achar que temos aqui um bom exemplo para uma discussão frutuosa sobre os efeitos do fogo.
Esta mata seria um pequeno vestígio reliquial de vegetação autóctone de poucas dezenas de hectares.
Quando falo em pequeno vestígio reliquial não é para diminuir a sua importância, bem pelo contrário, é para afirmar com toda a clareza que este tipo de pequenas áreas que escaparam ao cilindro compressor do pastoreio tradicional e do arroteamento de terras estão claramente no que considero a primeira prioridade na definição de áreas onde se deve procurar evitar a todo o custo o fogo, sobretudo pela gestão de combustíveis da sua zona envolvente.
Mas recuso-me a alinhar no coro fúnebre que vaticina a destruição do valor natural destas áreas quando falha a prevenção e ardem, como terá acontecido em 2005 a esta mata do Casal do Rei.
Estas áreas têm uma razoável resiliência e recuperam relativamente bem, desde que o fogo não seja frequente. Mas há vantagem em que essa perturbação seja diminuída para que possam evoluir por si e por isso defendo que se deve procurar a supressão do fogo nestas pequenas taliscas do território que ainda mantêm estas pérolas, como lhes chamaram.
Para este tipo de situações o risco do actual regime de fogos é provavelmente uma ameaça maior que o regime de fogos anterior.
Se estas áreas resistiram ao pastoreio combinado com o fogo frequente de baixa intensidade que o caracteriza é porque as suas condições, sobretudo a sua condição fisiográfica, era compatível com esse regime: áreas sem grande interesse para o gado, difíceis de arder e por isso foram-se aguentando (as matas do ramiscal e do cabril, no PNPG, ilustram bem esta situação).
Mas no actual regime de fogos é possível o que aconteceu em 2005: num incêndio que durou vários dias e afectou por volta de 15 000 hectares não é crível, sem uma prévia gestão de combustíveis da envolvente, que se possa evitar que ardam os 20 hectares que interessam para esta discussão.
Ora o que é relevante para mim é fazer ressaltar que enquanto o que norteia a defesa das florestas contra incêndios for uma ficção como “Portugal sem fogos depende de todos” que está ao nível do “Com Savora tudo melhora” ou “Omo lava mais branco” como boas frases para objectivos únicos, não conseguimos diferenciar os objectivos em função do território.
É exactamente porque perseguimos um fantasma mal definido (a defesa de toda a floresta contra incêndios) que não conseguimos isolar a pérola da mata de Casal do Rei da matriz territorial e tratá-la diferenciadamente para a poupar ao fogo.
Entretanto continuo à procura de mais informação sobre os efeitos do fogo na área. Alguém tem fotografias recentes (passaram três Primaveras, já será possível fazer uma avaliação do estado de conservação da mata após fogo)?.
Até lá pergunto se alguém tem objecções ao que sobre o assunto dizem os documentos do Plano de Ordenamento da Estrela, agora em discussão pública.
“A comunidade endémica de Azereiro (Frangulo alni-Prunetum lusitanicae) ocupa de forma residual algumas encostas das linhas de água, na orla arbustiva sombria e algo edafohigrófila dos carvalhais termófilos de carvalho-roble da zona sudoeste do Parque, nomeadamente as margens da ribeira de Alvoco e Loriga principalmente.”
…
“Vales da Loriga e do Alvoco
Nas encostas destes vales existem comunidades de azereiro (Prunus lusitanica) com medronheiro e folhado. A comunidade de azereiro do Vale da Loriga a nível de Casal do Rei foi estudada por Duarte e Alves (1989) estando esse estudo publicado pelo ICN. Casal do Rei passou a constituir um local de referência da comunidade de azereiro na Serra da Estrela e local de visita obrigatória para todos os que se interessam pela botânica. A zona de Casal do Rei mereceu a designação de Reserva Botânica pelo primeiro Plano de Ordenamento do PNSE. A envolvente da ribeira do Alvoco apresenta uma mancha de azereiro maior do que o vale de Casal do Rei, estando estas duas comunidades separadas por uma florestação de pinhal.”
henrique pereira dos santos
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