Sob este título Manuel Rocha critica em dois posts no seu blog o projecto escola na natureza.
Se bem percebo as reservas de Manuel Rocha prendem-se com a alegada natureza da natureza, isto é, a natureza não seria um bem de consumo mas o resultado da nossa inter-acção com o meio e o outro.
Manuel Rocha considera o projecto como uma nova burocracia para promover o consumo de natureza.
Até aqui, nada de especial a assinalar, de facto o projecto é uma burocracia (nova ou não poderíamos discutir) para promover o consumo de natureza.
O que importa discutir é se isso é bom ou mau. Se o consumo de natureza é bom ou mau e se sendo bom, é mau que exista uma burocracia que o promove.
Declaração de interesses: eu sou um burocrata de profissão que acredito nas virtudes de uma burocracia inteligente.
Continuando.
A primeira objecção é a de que o projecto não está articulado com os projectos de educação ambiental das escolas porque estes projectos não existem. Notável objecção. Dando de barato que as escolas não têm projectos estruturados de educação ambiental (o que quer que isto queira dizer) é errado promover iniciativas que aumentem a oportunidade de existirem! Eu uso muito poucos pontos de admiração (como também se chamavam, não sei se ainda se chamam, aos pontos de exclamação). Mas desta vez estou mesmo admirado.
A segunda objecção é a de que não há professores qualificados para tirar partido da oportunidade criada! Outro ponto de admiração.
A terceira objecção é a ideia de que tudo o que compete à sociedade tem de passar pela escola! Extraordinário! Então faz-se uma iniciativa não escolar dirigida às escolas, procura-se levar a escola a fazer o que lhe compete, ensinar, com toda a liberdade e mantendo as opções que a escola entender mas num contexto diferente, criando oportunidades de inter-acção entre a escola e a não escola e é errado porque traduz a ideia de que tudo o que compete à sociedade passa pela escola?
O grande final: "Em conclusão, as minhas reservas ao projecto "Escola na Natureza" nada têm a ver com “não querer que as pessoas não tenham oportunidades”, mas de querer que essas oportunidades não descambem no cultivo de mera irrelevância quantitativa por falta de enquadramento qualitativo e de melhores ideias para a prática da EA em contexto escolar. Caso contrário, o relatório dirá que 130.000 estiveram três dias em AP’s. Pois sim , com certeza! Mas com que resultados ?"
Caro Manuel Rocha, hoje temos uma situação em que os mesmos 130 000 não estiveram três dias em áreas protegidas. E com que resultados? Brilhantes? Nós achamos que não.
E por isso em vez de discutir o sexo dos anjos preferimos tentar actuar sobre um problema central da política de conservação da natureza em Portugal: a ausência de integração social do conceito de área protegida no quotidiano das pessoas.
Com certeza que as visitas a áreas protegidas integradas em projectos estruturados de educação ambiental, com professores excepcionais e essas coisas todas serão as que mais aproveitarão do projecto.
As outras aproveitarão menos, dou de barato. Mas o saldo é previsivelmente mais negativo que a situação actual?
Se achar que sim agradeço que me explique porquê. E nessa altura, se me convencer, eu passarei a dizer que este projecto não deve ser executado.
henrique pereira dos santos
Caro Henrique,
ResponderEliminarNotas necessariamente breves à primeira leitura.
Há uma altura no seu texto em que converte as minhas “reservas” em “objecções”. Devo esclarecer que não as tenho por sinónimos. As reservas que coloco ao projecto que o Henrique lidera são isso mesmo, uma opinião condicionada à obtenção de melhor informação sobre o mesmo, nomeadamente em relação aos pressupostos em que se apoia. Quando eventualmente os tiver por melhor esclarecidos, as reservas podem derivar em objecções ou vir a ser retiradas porque não tinham fundamento. Portanto, não nos precipitemos…e passemos à sua pergunta final: “ mas o saldo é previsivelmente mais negativo que a situação actual?”. Resposta: como é óbvio não faço a menor ideia e daí as minhas reservas. Como sabe não fui eu que fiz ( se é que foi feita ) a avaliação da “fase piloto” e estou naturalmente na expectativa de a conhecer. Não faço ideia quais os objectivos de partida, de quais os indicadores de acompanhamento, de qual o desenho do projecto de avaliação. Percebo que considera que certos “resultados” não são “brilhantes”, mas não faço ideia quais eram as expectativas e a que se referem .EA nas escolas ?! Frequência das AP’s?!
Quando o Henrique pergunta se “consumir natureza é bom ou mau”, está a colocar uma questão retórica de elevado potencial demagógico, e isto por duas razões. Desde logo porque toda a gente responde a este tipo de questão de uma forma emocional, dizendo de imediato “que é bom”, mesmo que a seguir se embrulhe nas explicações do “porquê”, de onde só sai com recurso aos estafados lugares comuns do género. Depois, porque parte do pressuposto de que é “bom”, e eu até dou isso de barato, mas não sei se “é bom” no contexto concreto deste projecto em particular nem se “é bom” em relação a outras opções alternativas ( foram consideradas ?) para atingir os seus objectivos.
Uma última nota relativamente às suas “admirações”. Como estou neste debate de boa-fé e em desvantagem por não ter acesso à informação de que o Henrique certamente dispõe, agradecia que trocasse as ironias por contra-argumentos fundamentados. Se preferir ironizar tamb´me não tenho nada contra, e até me poderia ocorrer perguntar-lhe se já está previsto quem é que vai fornecer e onde vão ser plantadas as arvorezinhas da praxe que serão necessárias para capturar as emissões de CO2 associadas aos milhares de quilómetros dos percursos de autocarro que a implementação do projecto irá implicar…)
Caro Manuel Rocha,
ResponderEliminarComecemos pela parte final: a iniciativa não tem a menor influência de alguém plantar árvores ou não para compensar o co2exactamente porque a iniciativa não se dirige aos conteúdos mas à abertura de uma oportunidade para que as escolas, os professores possam usar um recurso que o país tem e está mal usado pedagogicamente.
Os objectivos da iniciativa para o ICNB são de uma clareza cristalina: permitir que todos os portugueses, a prazo, tenham tido a oportunidade de ter uma experiência positiva de visita a uma área protegida. Posso garantir que a iniciativa poderá ter sistemas de avaliação do que vai correndo bem e mal mas seguramente não irá montar um complexo sistema de indicadores para verificar se este objectivo é cumprido ou não porque não faz sentido. Só muito favorável à burocracia inteligente mas detesto trabalho inútil (já o útil sabe Deus).
Nós considerámos alternativas para este objectivo, há trinta anos que não fazemos outra coisa, mas este pareceu-nos um contributo com potencial e sinceramente não percebo as suas reservas (para além da do co2 que faz sentido mas não nos parece minimamente preocupante). É que as questões que o Manuel levanta não têm nada com a iniciativa mas com a sua falta de fé na escola e na qualidade do ensino.
Mas isso...
henrique pereira dos santos
Exactamente, Henrique !
ResponderEliminarMas "isso" poderia ser parcilamemnte melhorado se se investisse algo na melhoria da capacidade dos profs e da escola lidarem com a EA. E quando me refiro a estes poderia tb referir-me a associações de pais e outras estruturas da sociedade civil.
Repare que não estou a pretender que o ICN tivesse de se responsabilizar por esse processo.
Não. Mas como vivo em àreas protegidas desde 1986, e sei que o ICN ainda não conseguiu "integrar o conceito de AP no quotidiano " das pessoas que as habitam, estranho o "salto" quantitativo quando essa questão "interna" a meu ver essencial está longe de ser resolvida.
Quanto ao mais receio que se esteja na sitaução tipificada por um antigo comercial:" não se matam leões com fisga, nem moscas de carabina..."
:)
Caro Manuel Rocha,
ResponderEliminarAfinal lá nos vamos aproximando. A iniciativa prevê duas coisas: um mecanismo de registo (ainda não formatado) do que se for fazendo de modo a aumentar a informação sobre o que resulta ou não com os alunos permitindo aprender com a experiência e prevê que o ICNB faça alguma formação dos professores (não sistemática, não em muitas acções) de modo ao aumentar a probabilidade de haver um bom uso do recursos disponíveis.
Para além disso a iniciativa prevê o seu desenvolvimento faseado, aumentando o número de participantes gradualmente.
Mas estamos de acordo quanto ao facto de que não cabe ao ICNB investir na melhoria do ensino.
Mas volto a insistir: é ou não positiva a criação desta oportunidade?
henrique pereira dos santos
Caro Henrique,
ResponderEliminarVamos lá a um caso concreto para vermos se ilustro melhor o meu ponto.
Algarve. As AP’s da região têm inclusive um protocolo de colaboração com aquele que julgo ser o único projecto de EA de âmbito regional com sede no ME. Existem escolas várias sedeadas dentro de AP’s. Que eu saiba nunca qualquer administração de uma AP se furtou a qualquer tipo de colaboração. Então porque é que as escolas de Olhão, Faro, Loulé, Tavira não têm mais iniciativas de EA apoiadas no Parque da sua região e porque é que o Parque não usa mais as escolas como meio privilegiado de “integrar melhor o conceito de AP no quotidiano das pessoas” que nele habitam ? Não me vai dizer que é porque não estavam organizadas estadias de duas noites, certo?!
É a este tipo de constrangimentos que me quero referir. As oportunidades até já existem. Se as pessoas não as usam é porque não têm ideia de como usá-las. Eventualmente com esta iniciativa haverá alunos de Olhão que poderão ir conhecer S Mamede. Nada de mal nisso. O que está mal é se esse for o “projecto” anual de EA da sua escola que entretanto não tem mínima ideia de como usar a Ria Formosa, enquanto na ECOTECA local apenas se fala do "aquecimento global".
Ou seja, eu não tenho resposta definitiva para a questão que me deixa. Além das reservas que expus apenas posso acrescentar que se dependesse de mim não teria escolhido esse caminho para alcançar o V objectivo. Acho que a EA a par das politicas de ambiente precisam de levar uma grande volta conceptual, mas essa já é outra questão…:)
Caro Manuel Rocha,
ResponderEliminarA ecoteca não é gerida pelo ICNB (ainda bem, digo eu, porque lhe faltariam os recursos) e portanto não vou discutir o seu programa.
Discutamos o resto.
Há trinta anos que o ICNB faz educação ambiental, isto é, acompanha escolas.
O que este projecto tem de mais interessante em primeiro lugar é que não se dirige às populações das áreas protegidas mas a toda a gente, o que me parece uma vantagem visto serem as populações urbanas a dominar a formatação das políticas públicas do país (como a política de conservação) por várias razões, duas das principais se relacionam com o facto de serem mais pessoas e mais dinâmicas.
Em segundo lugar esta iniciativa rompe com o modelo tradicional de considerar que o apoio a acções de EA nas áreas protegidas é uma responsabilidade das áreas protegidas e não da escola.
Em terceiro lugar cria uma dinâmica de envolvimento com terceiros, como sejam as empresas e outras instituções, no seu financiamento que obriga a um maior rigor de gestão.
Este conjunto de questões reforçam a responsabilidade das escolas na preparação dos conteúdos.
Por outro lado o projecto põe uma forte pressão sobre o ICNB para que torne as áreas protegidas mais amigáveis para este tipo de uso.
Volto a dizer, este não é um projecto de educação ambiental, é um projecto logístico que alarga em muito as oportunidades para muitos projectos de Educação Ambiental (dos quais alguns serão bons e muito inevitavelmente maus) associando-se um modelo que pretende ir ficando as boas experiências e eliminando as más.
Nada disso tem muito que ver com o exemplo concreto que dá que pode continuar a existir se as escolas entenderem.
henrique pereira dos santos
Caro Manuel Rocha,
ResponderEliminarEsqueci-me de perguntar o mais importante: se dependesse de si qual era o caminho que seguia?
henrique pereira dos santos
Hummm...o Henrique trouxe interessantes contributos novos para esta polémica. Lá iremos com tempor que agora escasseia :)
ResponderEliminarExcelente abordagem.
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