Ao contrário de muito boa gente que pretende saber tudo e ter explicação para tudo em matéria de conservação, eu limito-me a coleccionar os dados que existem e ter hipóteses que são, de maneira geral, muito, muito flexíveis.
Lembro-me de há anos, não muitos aliás, ter tido umas discussões sobre a recuperação do lobo, nomeadamente ao Sul do Douro (onde é menos sensível) e a propósito da zona da raia entre o Douro e Tejo ter dito que o abate da alcateia do Sabugal, nos anos 80, ser uma questão lateral em matéria de dinâmica da espécie.
Argumentaram-me que nunca mais tinha havido alcateias na região e que isso se devia à perseguição tenaz que seria movida a qualquer grupo de lobos que se estabelecesse na região.
Hoje há uma alcateia mais que confirmada em Almeida, mais umas tantas do lado espanhol (mais longe ou mais perto da fronteira) e há um consenso generalizado de que o lobo se expande entre Douro e Tejo.
Agora argumentam-me que a perseguição diminuiu, ao mesmo tempo que falam do furtivismo para explicar outras coisas.
No que diz respeito ao Lince, a coisa é mais ou menos assim:
1) A população de lince, desde cerca de 2000/ 2002 tem vindo a aumentar 10% ao ano. O que isto significa é que a velocidade de expansão não é a mesma, vai aumentando (começando a fazer as contas com 100 linces em 2002, os 10% de aumento desse ano seriam 10 linces, mas em 2013 já seriam 28, quase três vezes mais rápido);
2) A maior parte das pessoas de lidam com a conservação do bicho raciocinam como se a velocidade do expansão fosse sempre baixa;
3) Se nos primeiros tempos vão tendo algumas surpresas (bichos que aparecem não muito longe mas em sítios onde não se está à espera, muito maior facilidade de os encontrar nas zonas tradicionais, etc.), a partir de determinado momento há uma verdadeira explosão (como aconteceu com a imperial, em que parecia uma coisa do outro mundo haver um casal em Portugal, de que aliás um dos membros foi morto, no que foi considerado um drama, e de repente temos quinze casais nas calmas e já ninguém faz notícias de primeira página com a descoberta de um ninho de imperial);
4) Acresce que há um mito de que os linces de Espanha estão todos controlados, o que nunca foi verdade (a população de Toledo sempre existiu apesar de muita gente a negar na altura) e é muito menos verdade à medida que o bicho se expande à velocidade a que está a ocorrer, pelo que quem raciocina pensando que tem toda a informação sobre os bichos que existem passa a vida a encontrar factos que não confirmam o que as pessoas pensam e a arranjar explicações complicadas para coisas simples, como dizer que o bicho veio de Doñana por imaginário corredor ecológico, em vez de simplesmente admitir que a espécie se está a expandir rapidamente. É bem possível que existam outros animais em Portugal que ainda não foram detectados, embora estejamos longe de ter sequer indícios de reprodução. Ou seja, sendo quase certo haver animais em Portugal (agora é certo, com as notícias desta semana), é pouco provável, mas ainda assim possível, que estejam a criar em Portugal.
O mesmo se passa com o Urso, não que existam animais em Portugal, claro, mas que o processo de expansão está a aumentar a velocidade todos os anos (o ano passado bateram-se os recordes de produtividade nos ursos mais controlados, supor-se-á que o mesmo terá acontecido com os outros, que não sabemos onde andam).
É isto, admitir por um lado que o que sabemos é muito pouco, e por outro que "outra mudança faz de mor espanto/ que não se muda já como soía", é uma boa base para discutir conservação.
henrique pereira dos santos
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