quarta-feira, agosto 06, 2008

As grandes obras públicas

Manuela Ferreira Leite veio manifestar, há tempos, a sua oposição ao projecto TGV para Madrid, dando preferência às obras do novo aeroporto. Congratulo a nova líder do maior partido da oposição pois creio ter um perfil mais adequado para o posto que o seu antecessor. Por outro lado, é uma mulher numa posição de liderança o que, neste País, merece ser destacado.

Não obstante, creio ter tido uma posição equivocada.

1. TGV Madrid - Primeiro uma declaração de interesses: Actualmente resido em Madrid e, como tal, seria beneficiado por esta obra pois a primeira paragem em Portugal ficaria a uns escassos 9 km da minha casa. Mas além dos meus eventuais interesses pessoais, o TGV é uma obra do futuro porque: 1) assegura o transporte de passageiros, em alta velocidade, movido a electricidade e possibilitando conexão com uma vasta rede de transportes ferroviários Europeus; 2) facilita o transporte de mercadorias, permitindo a retirada de camiões das estradas e com isso contribuirá para uma redução de emissão de gases com efeito de estufa. Ou seja, com esta obra reduz-se o endémico isolamento Português, reduz-se a nossa dependência face ao petróleo, assegura-se uma via alternativa para escoamento terrestre de mercadorias (sempre útil quando as vias rodoviárias estão cortadas ou quando o preço do petróleo sobe a níveis que o tornam pouco competitivo) e contribui-se para reduzir a pressão antrópica sobre o clima.

2. Aeroporto Lisboa - Outra declaração de interesses: a localização do aeroporto em Alcochete favorecer-me-ia face a outras localizações previstas pois não só estaria perto de minha casa como me daria acesso directo por via ferroviária. Ou seja, a ser construído será certamente por mim usado. Porém, continuo sem perceber que contas estão por trás da previsão de um aumento substancial de afluência a Lisboa que estaria na base da justificação de um aeroporto de tais dimensões. Com a escalada do preço do petróleo (que obviamente não se ficará pelos preços actuais), os factos (ver tendências este verão) e as previsões apontam para uma redução (e não um aumento) do tráfego aéreo. Mesmo que os investimentos em infraestruturas turisticas justifiquem um aumento potencial de afluência a Lisboa não é linear que este se traduza em necessidades muito superiores às actuais (a taxa de ocupação do aeroporto actual é bastante reduzida face a outros grandes aeroportos Europeus, como seja Heathrow). Especialmente quando as companhias "low cost" podem usar os aeroportos de Faro, Porto e brevemente Beja. No caso do aeroporto de Beja, uma ligação ferroviária rápida a Lisboa e a Faro (somos um País pequeno!!) asseguraria uma alternativa interessante aos aeroportos actuais com a vantagem a ajudar a reforçar um eixo de comunicação terrestre passível de gerar sinergias positivas com o desenvolvimento regional. O único argumento de peso para a transferência do aeroporto da Portela para fora da cidade parece ser a segurança e qualidade de vida dos habitantes na região de Lisboa. Mas se esta fosse a razão de fundo, haveria que explicá-la. E ao fazê-lo, teríamos de discutir se seria uma prioridade essencial neste tempo de vacas magras e se o dimensionamento do aeroporto previsto para Alcochete é adequado. Finalmente, o argumento de que Lisboa tem de oferecer alternativa a Barajas em Madrid não faz sentido. As alternativas a Barajas são e serão os aeroportos de Barcelona e Maiorca (este último já é o segundo mais importante na Península Ibérica). Além do mais, está em construção um segundo aeroporto nas proximidades de Madrid que servirá certamente para receber companhias "low cost". A especificidade do nosso aeroporto é o mercado lusófono e tenho dúvidas que um grande aeroporto, num tempo de escalada de preços de petróleo, sem fim à vista, seja o investimento mais urgente.

Se Manuela Ferreira Leite quer acrescentar racionalidade ao debate dos grandes investimentos públicos, sugiro que siga a via de mais ferrovia e não menos ferrovia. E mais ferrovia não é TGV para todos os destinos (não faz qualquer sentido um TGV de Lisboa para o Porto ou do Porto para Vigo). É uma via moderna de comboios de velocidade intermédia (por exemplo, Alfa pendular), produzidos em Portugal, com uma única via de alta velocidade (TGV) que nos ligue à Europa. Quem defender uma posição destas nas próximas eleições terá mais possibilidades de receber o meu voto.

2 comentários:

  1. Vamos então a um conjunto de questões:

    - É ou não é verdade, que mesmo os estudos do governo apontam para que a linha Lisboa-Madrid dificilmente deixará algum dia de ser deficitária?

    - É ou não é verdade, que o TGV é uma fórmula de sucesso em países, com a França, onde existem núcleos de elevada densidade populacional afastados entre si (situação que não se verifica em Portugal)?
    E é ou não é verdade, que o TGV é eficiente porque funciona de forma complementar com a respectiva rede ferroviária convencional? (Em Portugal, por oposição, não temos uma "rede de comboios", temos a linha Lisboa-Porto e o resto está praticamente amarrado ao séc.XIX e condenado a prazo).

    O argumento que o TGV de Lisboa a Madrid iria quebrar o "endémico isolamento Português" é muito pouco para justificar um investimento deste tipo.
    O nosso "isolamento" é sobretudo cultural e civilizacional e reflecte-se precisamente neste tipo de pensamento: que são as grandes obras públicas que farão o progresso do país.

    (Se assim é porque é que após tantos milhares de auto-estradas, barragens ou estádios de futebol, continuamos a divergir do resto da Europa?)

    Será que a Suíça, por não ter TGV, terá um crónico isolamento do resto da Europa? Coitados dos irlandeses que estão "presos" numa ilha!

    E será que os ingleses deixaram de estar isolados depois de ter sido feito o comboio sob o túnel da mancha? Qual o real impacto dessa obra na economia britânica face ao que foi investido?


    No restante, concordo com o autor do texto...

    Não se pode negar que o investimento no transporte ferroviário em Portugal é uma necessidade urgente (já o era há pelo menos 10 anos atrás...). E é uma urgência por motivos económicos e ambientais.


    Por outro lado, mudando de "linha", parece uma verdade incontestada que o TGV Porto-Lisboa não se justifica de todo.

    É verdade que mesmo que algum dia as obras de melhoria da linha do Norte fossem concluídas, essa linha continuaria a ser insuficiente.
    Pois bem, deixe-se a actual linha do Norte para os regionais e as mercadorias e invista-se numa nova linha convencional, onde os pendulares possam andar à velocidade para a qual estão preparados.
    Gastar milhões e devastar um imenso corredor de segurança, para fazer um TGV de Lisboa ao Porto que ganhasse 15 ou 20 min. ao pendular, é um projecto faraónico que só pode ser ambicionado pelo lóbi do cimento.

    E era esta mesma renovação da linha convencional, nalguns casos mesmo a construção de novas linhas (lembram-se de Viseu?), que é necessário fazer no resto do país, pela coesão territorial e pelo ambiente, tal como defende o autor do texto.

    Agora um TGV para nos "ligar" à Europa? Ah se fosse assim tão fácil!...

    ResponderEliminar
  2. Caro Pedro,

    Obrigado pelas interessantes questões suscitadas. Rapidamente contesto:

    "- É ou não é verdade, que mesmo os estudos do governo apontam para que a linha Lisboa-Madrid dificilmente deixará algum dia de ser deficitária?"

    Não sei, não os li, nem sei que pressupostos têm como ponto de partida. O que sei é que sendo impossível prever o futuro socio-económico se trabalha com cenários e não com previsões. Portanto há tantos "ses" que temos de basear-nos em pressupostos estratégicos. Mas do que tenho visto na forma de trabalhar do governo, constato que se parte demasiadas vezes de cenários "business as usual" que - basta estarmos atentos aos tempos de convulsão económica e política que vivemos - são claramente irreais.

    "- É ou não é verdade, que o TGV é uma fórmula de sucesso em países, com a França, onde existem núcleos de elevada densidade populacional afastados entre si (situação que não se verifica em Portugal)?"

    O TV Lisboa-Madrid ligaria uma área metropolitana com 6 milhões de habitantes a outra com 3 milhões. Parece-lhe insuficiente? A mim não.

    "E é ou não é verdade, que o TGV é eficiente porque funciona de forma complementar com a respectiva rede ferroviária convencional? (Em Portugal, por oposição, não temos uma "rede de comboios", temos a linha Lisboa-Porto e o resto está praticamente amarrado ao séc.XIX e condenado a prazo)."

    Não é essencial que assim seja quando se ligam duas metrópoles mas é óbvio que seria desejável. Tanto quanto sei o TGV iria dar à Estação Oriente de onde saem comboios para todo o País. Também seria desejável (como acontece com o Eurostar nas estações de Ashford e Lille) que as estações de Évora (em Portugal) e Talavera (em Espanha) cruzamento de linhas por forma a disseminar o tráfego de mercadorias sem ter de passar por Lisboa e Madrid.

    "O argumento que o TGV de Lisboa a Madrid iria quebrar o "endémico isolamento Português" é muito pouco para justificar um investimento deste tipo.
    O nosso "isolamento" é sobretudo cultural e civilizacional e reflecte-se precisamente neste tipo de pensamento: que são as grandes obras públicas que farão o progresso do país."

    Certo. Não quebra mas diminui. Note que 3 horas em Madrid e 6 em Barcelona. De aí haverá ligação a Paris (ca. 3 horas) e Genebra (ca. 4 horas).

    "(Se assim é porque é que após tantos milhares de auto-estradas, barragens ou estádios de futebol, continuamos a divergir do resto da Europa?)"

    Porque estes investimentos não têm qualquer efeito estrutural na economia.

    "Será que a Suíça, por não ter TGV, terá um crónico isolamento do resto da Europa? Coitados dos irlandeses que estão "presos" numa ilha!"

    A Suiça está no centro da Europa. Portanto não carece de isolamento. A Irlanda está de facto isolada.

    "E será que os ingleses deixaram de estar isolados depois de ter sido feito o comboio sob o túnel da mancha? Qual o real impacto dessa obra na economia britânica face ao que foi investido?"

    Um efeito brutal. Vivi 9 anos em Inglaterra e 3 em França e posso garantir que o tráfego de passageiros e mercadorias nesta linha é relevante. Além do mais criou hábitos de visita entre Paris e Londres (várias promoções para "city breaks") que não existiam antes.

    ResponderEliminar

Comentários anónimos são permitidos sempre e quando os seus autores se abstiverem de usar este espaço para desenvolver argumentos de tipo "ad hominem". Comentários que não respeitem este princípio serão apagados ou, no caso do sistema de moderação de comentários estar em funcionamento, não publicados.

Os autores do blogue reservam-se ainda o direito de condicionar a publicação de comentários depropositados, insultuosos, ou provocadores mesmo quando assinados.