Manuela Ferreira Leite veio manifestar, há tempos, a sua oposição ao projecto TGV para Madrid, dando preferência às obras do novo aeroporto. Congratulo a nova líder do maior partido da oposição pois creio ter um perfil mais adequado para o posto que o seu antecessor. Por outro lado, é uma mulher numa posição de liderança o que, neste País, merece ser destacado.
Não obstante, creio ter tido uma posição equivocada.
1. TGV Madrid - Primeiro uma declaração de interesses: Actualmente resido em Madrid e, como tal, seria beneficiado por esta obra pois a primeira paragem em Portugal ficaria a uns escassos 9 km da minha casa. Mas além dos meus eventuais interesses pessoais, o TGV é uma obra do futuro porque: 1) assegura o transporte de passageiros, em alta velocidade, movido a electricidade e possibilitando conexão com uma vasta rede de transportes ferroviários Europeus; 2) facilita o transporte de mercadorias, permitindo a retirada de camiões das estradas e com isso contribuirá para uma redução de emissão de gases com efeito de estufa. Ou seja, com esta obra reduz-se o endémico isolamento Português, reduz-se a nossa dependência face ao petróleo, assegura-se uma via alternativa para escoamento terrestre de mercadorias (sempre útil quando as vias rodoviárias estão cortadas ou quando o preço do petróleo sobe a níveis que o tornam pouco competitivo) e contribui-se para reduzir a pressão antrópica sobre o clima.
2. Aeroporto Lisboa - Outra declaração de interesses: a localização do aeroporto em Alcochete favorecer-me-ia face a outras localizações previstas pois não só estaria perto de minha casa como me daria acesso directo por via ferroviária. Ou seja, a ser construído será certamente por mim usado. Porém, continuo sem perceber que contas estão por trás da previsão de um aumento substancial de afluência a Lisboa que estaria na base da justificação de um aeroporto de tais dimensões. Com a escalada do preço do petróleo (que obviamente não se ficará pelos preços actuais), os factos (ver tendências este verão) e as previsões apontam para uma redução (e não um aumento) do tráfego aéreo. Mesmo que os investimentos em infraestruturas turisticas justifiquem um aumento potencial de afluência a Lisboa não é linear que este se traduza em necessidades muito superiores às actuais (a taxa de ocupação do aeroporto actual é bastante reduzida face a outros grandes aeroportos Europeus, como seja Heathrow). Especialmente quando as companhias "low cost" podem usar os aeroportos de Faro, Porto e brevemente Beja. No caso do aeroporto de Beja, uma ligação ferroviária rápida a Lisboa e a Faro (somos um País pequeno!!) asseguraria uma alternativa interessante aos aeroportos actuais com a vantagem a ajudar a reforçar um eixo de comunicação terrestre passível de gerar sinergias positivas com o desenvolvimento regional. O único argumento de peso para a transferência do aeroporto da Portela para fora da cidade parece ser a segurança e qualidade de vida dos habitantes na região de Lisboa. Mas se esta fosse a razão de fundo, haveria que explicá-la. E ao fazê-lo, teríamos de discutir se seria uma prioridade essencial neste tempo de vacas magras e se o dimensionamento do aeroporto previsto para Alcochete é adequado. Finalmente, o argumento de que Lisboa tem de oferecer alternativa a Barajas em Madrid não faz sentido. As alternativas a Barajas são e serão os aeroportos de Barcelona e Maiorca (este último já é o segundo mais importante na Península Ibérica). Além do mais, está em construção um segundo aeroporto nas proximidades de Madrid que servirá certamente para receber companhias "low cost". A especificidade do nosso aeroporto é o mercado lusófono e tenho dúvidas que um grande aeroporto, num tempo de escalada de preços de petróleo, sem fim à vista, seja o investimento mais urgente.
Se Manuela Ferreira Leite quer acrescentar racionalidade ao debate dos grandes investimentos públicos, sugiro que siga a via de mais ferrovia e não menos ferrovia. E mais ferrovia não é TGV para todos os destinos (não faz qualquer sentido um TGV de Lisboa para o Porto ou do Porto para Vigo). É uma via moderna de comboios de velocidade intermédia (por exemplo, Alfa pendular), produzidos em Portugal, com uma única via de alta velocidade (TGV) que nos ligue à Europa. Quem defender uma posição destas nas próximas eleições terá mais possibilidades de receber o meu voto.
Vamos então a um conjunto de questões:
ResponderEliminar- É ou não é verdade, que mesmo os estudos do governo apontam para que a linha Lisboa-Madrid dificilmente deixará algum dia de ser deficitária?
- É ou não é verdade, que o TGV é uma fórmula de sucesso em países, com a França, onde existem núcleos de elevada densidade populacional afastados entre si (situação que não se verifica em Portugal)?
E é ou não é verdade, que o TGV é eficiente porque funciona de forma complementar com a respectiva rede ferroviária convencional? (Em Portugal, por oposição, não temos uma "rede de comboios", temos a linha Lisboa-Porto e o resto está praticamente amarrado ao séc.XIX e condenado a prazo).
O argumento que o TGV de Lisboa a Madrid iria quebrar o "endémico isolamento Português" é muito pouco para justificar um investimento deste tipo.
O nosso "isolamento" é sobretudo cultural e civilizacional e reflecte-se precisamente neste tipo de pensamento: que são as grandes obras públicas que farão o progresso do país.
(Se assim é porque é que após tantos milhares de auto-estradas, barragens ou estádios de futebol, continuamos a divergir do resto da Europa?)
Será que a Suíça, por não ter TGV, terá um crónico isolamento do resto da Europa? Coitados dos irlandeses que estão "presos" numa ilha!
E será que os ingleses deixaram de estar isolados depois de ter sido feito o comboio sob o túnel da mancha? Qual o real impacto dessa obra na economia britânica face ao que foi investido?
No restante, concordo com o autor do texto...
Não se pode negar que o investimento no transporte ferroviário em Portugal é uma necessidade urgente (já o era há pelo menos 10 anos atrás...). E é uma urgência por motivos económicos e ambientais.
Por outro lado, mudando de "linha", parece uma verdade incontestada que o TGV Porto-Lisboa não se justifica de todo.
É verdade que mesmo que algum dia as obras de melhoria da linha do Norte fossem concluídas, essa linha continuaria a ser insuficiente.
Pois bem, deixe-se a actual linha do Norte para os regionais e as mercadorias e invista-se numa nova linha convencional, onde os pendulares possam andar à velocidade para a qual estão preparados.
Gastar milhões e devastar um imenso corredor de segurança, para fazer um TGV de Lisboa ao Porto que ganhasse 15 ou 20 min. ao pendular, é um projecto faraónico que só pode ser ambicionado pelo lóbi do cimento.
E era esta mesma renovação da linha convencional, nalguns casos mesmo a construção de novas linhas (lembram-se de Viseu?), que é necessário fazer no resto do país, pela coesão territorial e pelo ambiente, tal como defende o autor do texto.
Agora um TGV para nos "ligar" à Europa? Ah se fosse assim tão fácil!...
Caro Pedro,
ResponderEliminarObrigado pelas interessantes questões suscitadas. Rapidamente contesto:
"- É ou não é verdade, que mesmo os estudos do governo apontam para que a linha Lisboa-Madrid dificilmente deixará algum dia de ser deficitária?"
Não sei, não os li, nem sei que pressupostos têm como ponto de partida. O que sei é que sendo impossível prever o futuro socio-económico se trabalha com cenários e não com previsões. Portanto há tantos "ses" que temos de basear-nos em pressupostos estratégicos. Mas do que tenho visto na forma de trabalhar do governo, constato que se parte demasiadas vezes de cenários "business as usual" que - basta estarmos atentos aos tempos de convulsão económica e política que vivemos - são claramente irreais.
"- É ou não é verdade, que o TGV é uma fórmula de sucesso em países, com a França, onde existem núcleos de elevada densidade populacional afastados entre si (situação que não se verifica em Portugal)?"
O TV Lisboa-Madrid ligaria uma área metropolitana com 6 milhões de habitantes a outra com 3 milhões. Parece-lhe insuficiente? A mim não.
"E é ou não é verdade, que o TGV é eficiente porque funciona de forma complementar com a respectiva rede ferroviária convencional? (Em Portugal, por oposição, não temos uma "rede de comboios", temos a linha Lisboa-Porto e o resto está praticamente amarrado ao séc.XIX e condenado a prazo)."
Não é essencial que assim seja quando se ligam duas metrópoles mas é óbvio que seria desejável. Tanto quanto sei o TGV iria dar à Estação Oriente de onde saem comboios para todo o País. Também seria desejável (como acontece com o Eurostar nas estações de Ashford e Lille) que as estações de Évora (em Portugal) e Talavera (em Espanha) cruzamento de linhas por forma a disseminar o tráfego de mercadorias sem ter de passar por Lisboa e Madrid.
"O argumento que o TGV de Lisboa a Madrid iria quebrar o "endémico isolamento Português" é muito pouco para justificar um investimento deste tipo.
O nosso "isolamento" é sobretudo cultural e civilizacional e reflecte-se precisamente neste tipo de pensamento: que são as grandes obras públicas que farão o progresso do país."
Certo. Não quebra mas diminui. Note que 3 horas em Madrid e 6 em Barcelona. De aí haverá ligação a Paris (ca. 3 horas) e Genebra (ca. 4 horas).
"(Se assim é porque é que após tantos milhares de auto-estradas, barragens ou estádios de futebol, continuamos a divergir do resto da Europa?)"
Porque estes investimentos não têm qualquer efeito estrutural na economia.
"Será que a Suíça, por não ter TGV, terá um crónico isolamento do resto da Europa? Coitados dos irlandeses que estão "presos" numa ilha!"
A Suiça está no centro da Europa. Portanto não carece de isolamento. A Irlanda está de facto isolada.
"E será que os ingleses deixaram de estar isolados depois de ter sido feito o comboio sob o túnel da mancha? Qual o real impacto dessa obra na economia britânica face ao que foi investido?"
Um efeito brutal. Vivi 9 anos em Inglaterra e 3 em França e posso garantir que o tráfego de passageiros e mercadorias nesta linha é relevante. Além do mais criou hábitos de visita entre Paris e Londres (várias promoções para "city breaks") que não existiam antes.