terça-feira, setembro 16, 2008

Contra a evidência

"Todos os grandes incêndios do célebre início de Agosto de 2003 foram com vento Sul; já se esqueceu das plumas que chegavam à Galiza? E em 2007 e 2008 (até agora) os maiores incêndios são de nortadas bem frias"

Retirado de um outro comentário, como tenho feito, chamo a atenção para a notável persistência na negação da evidência, sem qualquer verificação dos factos.
Concentremo-nos pois nos factos.
Os fogos de 2003 no centro de Portugal, ocorreram em quinze dias de vento forte de Leste, desde os últimos dias de Julho até 9 ou 10 de Agosto, se não me engano, tendo exclusivamente no dia 3 de Agosto o vento virado a Sul. São desse dia as plumas viradas a Norte que chegaram à Galiza (em rigor para chegar à Galiza é preciso que se dirijam para noroeste, ou seja, com vento de Sudeste) e esta viragem do vento e a posterior viragem de novo a Leste, amplamente documentada, teve dois efeitos que ampliaram muito a dimensão dos fogos: do ponto de vista do combate desestruturaram o dispositivo a quem faltou flexibilidade para perceber o que se estava a passar (e convenhamos que era difícil no momento) e ampliou as suas deficiências de organização; o outro efeito foi que as laterais Norte dos fogos, que são de baixa intensidade mas muito extensas, passaram a ser a cabeça dos fogos, com elevada intensidade e com a rotação de novo a leste os fogos retomaram as frentes de fogo para Oeste mas agora muito mais extensas que as que teriam se o vento se tivesse mantido constante de Leste.
Para mais explicações consultar o Professor José Miguel Cardoso Pereira, que estudou este caso e publicou sobre este fogo pelo menos dois artigos científicos se não estou em engano.
Os fogos de Monchique, Caldeirão e Andaluzia de 2004 foram com condições de vento Leste.
Os nove dias de inferno na Galiza de 2006 foram com vento Leste.
E, last but not least, os fogos de Outono do ano passado, bem como os fogos de Primavera deste ano no Nordeste do país, foram com vento Leste, gelado e seco como é apanágio deste tipo de condição meteorológica.
Se alguém confunde o vento Leste com Nortada só porque o Inverno é de gelar os ossos o melhor mesmo é verificar com as observações do Instituto de Meteorologia. Ou perguntar a qualquer surfista o que caracterizou este Inverno de sonho que motivou vários artigos nas revistas especializadas.
Eu fiz esse trabalho de casa.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

  1. Anónimo16/9/08

    Meu Caro Henrique,

    Não se abespinhe: nada tenho contra a evidência do mundo real que nos diz que numa boa parte dos casos de situações meteorológicas difíceis em termos de incêndios, lá está o vento de Leste - no Verão e no Inverno. É um facto incontornável.

    Só lhe dei alguns exemplos, e porque o Henrique pediu, de excepções à regra. E mais: dei-lhe uma pista para perceber o porquê dessas excepções - o FWI.

    É que a sua "descoberta" do vento leste sempre foi do conhecimento geral de quem vive ou trabalha no mundo rural - o problema é prever outras situações de perigo não tão evidentes (este inverno ardia bem em Montalegre com -2ºC e quase sem vento), o que o FWI permite.

    Desde há dezenas de anos que meteorologistas, silvicultores e físicos atmosféricos, entre outros, estudam o factor meteorológico nos incêndios florestais em Portugal e hoje temos um sistema de aviso meteorológico baseado no FWI altamente sofisticado. Que permite inclusivamente isolar o factor meteorológico nas análises interanuais (ver o relatório dos serviços florestais em http://www.dgrf.min-agricultura.pt/portal/prevencao-a-incendios-dfci/Resource/ficheiros/relatorios/DGRF-DFCI-2007-RELATORIO-FINAL-IF.pdf), que tanto o preocupam.

    B. Gomes

    ps: o Henrique faz bons trabalhos de casa, mas tem de me explicar como é que, com vento leste, o incêndio da serra do Caldeirão de 2004 começa em São Barnabé (Almodôvar) e vai acabar em São Brás de Alportel... Não acha que está a exagerar outra vez?

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  2. Anónimo16/9/08

    Caro B. Gomes,
    Eu nunca pretendi ser dono da descoberta da relação entre o vento Leste e o fogo.
    Agora o facto é que quando comecei a dar mais importância e isso e a prever, com dias de antecedência, o que iria acontecer com os fogos, disseram, com frequência, que eram tolices.
    Hoje é um consenso que inclusivamente leva a que nos briefings semanais do Comando Nacional de Operações de Socorro sempre que se prevêem determinadas condições se pergunte qual o rumo do vento. O meu papel foi apenas teimar numa coisa que tinha sido desvalorizada em benefício de modelos mais complexos mas menos afinados para as nossas condições.
    Quanto ao incêndio do Caldeirão não vale a pena discutirmos: por favor veja os dados do vento desse dia e partilhe connosco.
    Os exemplos que deu estão errados, começando pelo de 2003.
    E para não dizer que tenho um preconceito anti-florestal peço-lhe que leia o que escreve o José Migue Cardoso Pereira. Ou o Paulo Fernandes. Qualquer deles professores em departamentos forestais, um no ISA e outro na UTAD.
    henrique pereira dos santos

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  3. Anónimo18/9/08

    Meu Caro Henrique,

    O interesse nesta discussão que vamos tendo baseia-se na confrontação de interpretações, necessariamente pessoais, de factos verdadeiros e não inventados ou distorcidos.

    O Henrique, sistematicamente, vem dando como reais factos que não passam de fantasias suas, naturalmente convenientes:

    - Ao contrário do que refere, o FWI utilizado em Portugal não é um "modelo complexo pouco afinado para as nossas condições": o FWI aplicado em Portugal foi seleccionado de entre inúmeros índices testados e foi explicitamente modificado (a partir do índice original canadiano) para descrever melhor ainda a situação portuguesa. Por meteorologistas e silvicultores experientes na matéria. Se o Henrique não gosta do FWI e o desvaloriza ostensivamente, se calhar até porque nem sabe como é que funciona, é problema seu: não pode é modificar factos históricos.

    - O Henrique insiste em que um dos mais desastrosos incêndios desde sempre ocorridos em Portugal, o da serra do Caldeirão (e o simultâneo de Monchique), ocorreu em numa situação meteorológica de vento de leste, insinuando que eu não estava a falar a verdade.

    Ainda por cima teima em que eu lhe dei exemplos errados, quando foi precisamente o contrário. E até lhe disse que os considerava excepção - os seus ventos leste de estimação são realmente importantes!

    O Henrique está redondamente enganado e ignorou até as evidências básicas que lhe indiquei: o incêndio evoluiu claramente no sentido NW-SE, como até uma criança de 10 anos pode inferir olhando para a carta das áreas ardidas. A menos que seja um incêndio "de bolina", a teoria henriquina é uma impossibilidade física (pode dar-se ao trabalho, o que duvido, de comprovar os dados meteorológicos no site do INAG-SNIRH - Meteorologia em tempo real - estação de São Brás de Alportel, para as datas de 26 a 30 de Julho de 2004: http://snirh.pt/snirh.php?main_id=1&item=4.3.2).

    Insisto também na questão da primeira semana de Agosto: os ventos são clara e persistentemente do quadrante sul. Veja no mesmo site do INAG, com olhos de ver, as direcções e forças do vento das estações que enquadram as zonas mais afectadas - Chouto, Alvaiázere, etc. Apenas na zona da serra de S. Mamede, junto à fronteira e provavelmente por efeito da orografia e do tipo de tempo que nesses dias ocorreu houve oscilação entre os octantes S-SE-E (e este último não foi uma lestada típica, pois desenvolveu-se numa situação de grande instabilidade atmosférica, com muitas térmicas que redundaram em trovoadas secas e que modificaram localmente os campos de vento).

    E já agora explique-me, se puder: por que é que ao norte do paralelo de Pombal o impacte dos incêndios foi quase nulo?

    Esta é a realidade medida por instrumentação meteorológica de um serviço público notável do Ministério do Ambiente e está on-line para quem quiser ver e não acompanhou in loco a situação, como aparentemente foi o seu caso.

    Não é que os erros que citei sejam importantes em si: o problema é que revelam um padrão de argumentação que desvaloriza gratuitamente a opinião do outro e, pior que isso, pouca abertura para sair de dogmas que não escondem uma génese claramente corporativa.

    Há duas formas de formular teorias explicativas da realidade: uma é testar hipóteses e afiná-las até preverem o mais eficazmente possível os factos, outra é alterar factos reais para que estes se ajustem às nossas teorias pré-concebidas.

    Quando esta última forma ocorre, o interesse na troca de argumentos fica irremediavelmente afectado.

    B. Gomes

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  4. Caro B. Gomes
    Não percebo o que diz que eu digo em relação ao FWI porque raramente falo nele e nunca manifestei nenhuma opinião a não ser a de que é mais complexo que a observação do rumo do vento.
    E a minha opinião é exactamente a de que, podendo haver excepções, há uma enorme sobreposição entre o as condições de vento Leste e os incêndios mais devastadores pelo que haverá vantagem em valorizar este indicador que é fácil de prever, ver em qualquer sítio e perceber por qualquer pessoa.
    Para uma boa demonstração das dificuldades de uso de índices complexos e dificilmente escrutináveis talvez citar o Paulo Fernandes que deverá ser das pessoas que em Portugal mais saberá sobre o assunto (está nos comentários de um dos muitos post deste blog sobre fogos):
    "o índice de severidade meteorológica com que a DGRF confronta as áreas ardidas e o nº de fogos deriva directamente de um índice de perigo de incêndio (FWI) comprovadamente eficiente quanto à descrição das condições piro-meteorológicas em Portugal. Ao contrário do que alguns pensam esse índice reflecte não só a temperatura e humidade do ar, como também o vento e a chuva. O que é de contestar é a forma como o índice é usado, porque desvaloriza os dias meteorologicamente desfavoráveis à propagação do fogo, o que depois se presta a comparações favoráveis com outros anos em que ardeu muito mais com uma severidade meteorológica apenas aparentemente idêntica.

    O uso do índice de severidade meteo é incorrecto porque a comparação é na base do seu valor acmulado com o o valor acumulado de área ardida. Como o índice é proporcional ao quadrado do índice real (o FWI, sendo que a intensidade do fogo aumenta com o quadrado do FWI), os valores de maior perigo contribuem muitissimo para o valor acumulado, o que pode dar uma impressão de discrepância entre perigo e meteorológico e fogos. Os dias de menor perigo, que quebram a sequência de dias com fogos grandes intensos, são por sua vez pouco relectidos no valor acumulado. Seria melhor recorrer apenas ao FWI e confrontá-lo directamente com o que arde em cada dia, semana ou mês."
    Segunda questão:
    Fui ver os dados que indica e como são discrepantes em relação ao que verifiquei na altura (e, já agora,em relação às plumas este/ oeste que podem ser vistas nas fotografias aéreas do fogo de Monchique) precisarei de dados que agora não será imediato obter mas que irei procurar: a caracterização meteorológica desses dias para depois tentar perceber a discrepância. Tanto mais que vi agora uma imagem de satélite do dia 28 de Julho, nos dias finais do incêndio, em que de facto as plumas indicam ventos de sudoeste e outras a 26 que me paercem indicar vento Leste).
    Terceira questão:
    Os fogos de 2003 estão estudados e a situação atmosférica do país é tudo menos uniforme. Todo o litoral e o Norte não estão ns mesmas condições atmosféricas que a área que ardeu (por isso não se pode usar Alvaiázere nem se pode descartar o facto da estação mais próxima de Espanha apresentar o tal vento Leste). Mas já agora convém esclarecer, não é o vento Leste que traz o fogo, estou farto de dizer isto. O que traz o fogo são as condições meteorológicas associadas ao vento Leste, pelo que é a situação regional que é preciso avaliar e não cada estação meteorológica que tem muito mais variações, sendo mais difícil inferi as condições regionais a partir de observações únicas locais.
    Eu verifiquei o boletim meteorológico, um por um, de todos os dias do fim de Julho e da primeira quinzena de Agosto para afirmar o que afirmo.
    Da mesma forma o artigo sobre as condições excepcionais desses fogos afirma (e tem os mapas de vento do país todo nos dias 1, 2 e 3 de Agosto): “Concerning the wind field, the most relevant features are the change in direction from east to south, and the increase in intensity observed between the 1st and the 2nd of August (Figure 13(a) and (b)). The 90ºrotation of the wind field is likely to have converted the northern flank of the fires, already spreading on the 1st of August, into extended flame fronts, fanned by a simultaneous increase in wind speed to values higher than 5 m/s.”
    Devo dizer que olhando para os mapas apresentados no artigo me parece que a rotação não é entre 1 e 2 mas entre 2 e 3 (coerente com o boletim meteorológico) mas é um detalhe. Portanto não vejo evidência nenhuma de que não tenha razão nestes fogos em particular.
    Estas circunstâncias explicam por que razão não ardeu a Norte de Pombal, onde o tempo estava húmido e enevoado até, com ventos de outros rumos que não o Leste.
    Mas sobretudo nada evidencia que eu estava a deturpar factos estou simplesmente a lê-los de forma diferente.
    Já agora, esta discussão é recorrente aqui neste blog e a melhor forma de argumentação que encontrei tem sido a de prever, como mais precisão que o sistema nacionl de protecção civil e com antecipação de dois ou três dias, o comportamento dos incêndios apenas a partir da leitura do boletim meteorológico e do meu modelo interpretativo.
    Por exemplo, nos fogos da Galiza de 2006 tive uma discussão em tempo real sobre isso que pode ser consultada nos arquivos do blog, mas é bom que se tenha em atenção que não é a interpretação de factos conhecidos do dia anterior mas previsão do dia seguinte que está em causa.
    henrique pereira dos santos

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  5. Anónimo18/9/08

    Para quem se quiser aperceber de como as situações meteorológicas se reflectem no potencial de fogo, tal como descrito pelo sistema FWI:

    http://www.dgrf.min-agricultura.pt/dfci/automatix/2/

    Mais dos que os valores em si é importante dar atenção à interpretação desses valores (e esta calibração dos índices e interpretação foi feita para o pinhal bravo português, pelo que constituirá um worst case scenario)

    Paulo Fernandes

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  6. Paulo,
    Oportuno como sempre. Mas confesso que fui ver e não percebi lá grande coisa porque não sabendo grande coisa do que significa cada quadro e não tendo memória descritiva fico um bocado no mato sem cão.
    Essa é aliás a minha preocupação quando valorizo o vento Leste como indicador: a sua simplicidade e verificabilidade por qualquer leigo.
    henrique pereira dos santos

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