terça-feira, novembro 11, 2008
Cegonhas, apatias e oportunismos...
Durante várias décadas, a cegonha-branca sofreu um decréscimo acentuado em praticamente toda a sua área de distribuição mundial. Pelos meados da década de 1980, o número de casais existentes na Europa atingia valores mínimos, num trajecto que parecia irreversível rumo à extinção. Em Portugal, o cenário era idêntico, sem que se compreendessem claramente as causas de tão forte decréscimo.
A longa seca no Sahel Ocidental, na África sub-sahariana, sua tradicional área de invernada, e consequente menor disponibilidade alimentar era apontada como uma importante causa do decréscimo da Cegonha-branca. Também ali se sugeria que a degradação e destruição de zonas húmidas, em regiões de rápido aumento da população humana, bem como, o recurso a pesticidas de largo espectro nas suas áreas de alimentação, o abate a tiro e a armadilhagem tinham impacte considerável para esta ave.
Em Portugal, desde meados do século XX que já existia informação que permitia confirmar uma tendência semelhante à observada um pouco por toda a Europa. Apesar disso, muito pouco foi feito para identificar as causas de tão forte decréscimo e menos se fez para as contrariar. À apatia do Estado Português que se limitava a contabilizar perdas, tentavam responder algumas organizações não governamentais com voluntariosas acções de sensibilização e mediáticas colocações de “ninhos artificiais”.
De súbito, no final da década de 1980, novos casais de cegonhas-brancas começaram a aparecer, ocupando locais há muito abandonados por esta ave tão carismática dos ecossistemas ibéricos. Pareciam agora preferir estruturas distintas para construir os seus ninhos, recorrendo, em número muito considerável, a postes de electricidade e de telecomunicações. Adaptavam-se também a capturar lagostins-vermelhos da Louisiana, uma espécie exótica entretanto introduzida, passando a ser presa fundamental em algumas regiões do país ou em determinados períodos do ano. Começavam a utilizar, em números nunca vistos, primeiro lixeiras, mais tarde aterros sanitários, aproveitando a enorme quantidade de resíduos orgânicos desperdiçados por um país em crescimento económico. As cegonhas-brancas, permanecem cada vez menos tempo nas áreas de invernada africanas. Muitos milhares, deixaram simplesmente de migrar, tornando-se residentes. Em 2004, o número de casais que nidificava em Portugal era cinco vezes superior ao existente duas décadas antes.
A história recente da cegonha-branca em Portugal é a de uma ave outrora ameaçada que, graças a uma extraordinária capacidade adaptativa, contornou ameaças e soube aproveitar novas oportunidades, evitando o cenário de extinção dos nossos campos. Só a ignorância, o interesse mesquinho e a desonestidade de alguns, fazem desta uma história de sucesso do movimento conservacionista, entreabrindo a porta para que desleixos futuros venham a acontecer.
Foto: Luís Quinta
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