domingo, abril 30, 2006

Ideias trágicas para o mundo rural

Pode Portugal prescindir de 60% do seu território? Poderão os Portugueses viver num território que paulatinamente se vai abandonando? Serão os problemas do mundo rural matéria de preocupação exclusiva dos agricultores? Vejamos o que poderá acontecer a partir de três ideias trágicas que se instalam como se fossem evidências inevitáveis.

A confusão entre subsídio à produção e o pagamento de serviços

Os subsídios à produção agrícola e florestal estão sob fogo cerrado de críticas, seja por razões de racionalidade no uso dos recursos, seja porque o apoio à produção agrícola dos países ricos é um factor de empobrecimento e perda de competitividade da agricultura dos países pobres.

Questão diferente é a do pagamento de serviços ambientais dificilmente comercializáveis, que é de justiça que as comunidades urbanas e industriais paguem às comunidades rurais que os prestam.

A confusão entre estas duas componentes, que coexistem na Política Agrícola Comum (PAC), tem favorecido uma visão excessivamente centrada nos subsídios à produção e na promoção de uma agricultura orientada para o mercado. Em segundo plano fica a PAC que remunera os serviços sociais e ambientais prestados pelas actividades agrícolas.

Porém, num país em que apenas vinte por cento do território é competitivo do ponto de vista agrícola, a preocupação excessiva com a competitividade pode traduzir-se no abandono dos restantes 70 a 80% do território. Aqui reduz-se o controlo social, abandonam-se escolas, postos de saúde, caminhos de ferro, mecanismos de autoridade do Estado e de coesão social, largando ao fogo incontrolado uma grande parte do território nacional.

A floresta como alternativa de gestão para o território

Uma ideia em voga é a de que a floresta se poderá substituir à agricultura onde esta não é competitiva. Todavia os fogos que ciclicamente se têm observado em Portugal suscitam dúvidas legítimas sobre a viabilidade de tal ideia. Para alguns, a solução passa por melhorias nas organização e gestão das propriedades, uma melhor adequação da escala dos empreendimentos, e a utilização de novas técnicas e conhecimentos.

Será, em parte. Mas as empresas florestais mais organizadas da fileira do papel, com propriedades de dimensão adequada e trabalhando com as melhores técnicas e com as mais produtivas das espécies florestais, têm vindo a abandonar grande parte da sua área de produção, concentrando-se nas plantações mais produtivas.

Esta opção, que decorre da globalização dos mercados, da consequente estabilização dos preços e dos crescentes custos de gestão face ao risco de incêndio, deve ser interpretada como um aviso à navegação. É possível que a floresta não seja uma panaceia para os cerca de 80% de território Português que não possuem vocação agrícola.

É tentador pensar que diminuindo o risco de incêndio se alteram os dados do problema e se cria um ciclo virtuoso de crescente rentabilidade que induzirá novos investimentos na floresta.

Porém é pouco provável que tal aconteça apenas a partir de uma agricultura e silvicultura competitivas e remuneradas apenas pelos bens comercializáveis.

Vejamos. A ideia é a de que uma melhor organização na prevenção e combate aos incêndios – com base no fogo controlado e na redução de combustível por via de centrais de produção de energia a partir dos resíduos florestais – conduzirá a uma redução progressiva do risco de incêndio no território nacional.

No entanto, a capacidade de produção de matos do nosso País, bem como a capacidade de os fazer arder nos dias de vento Leste do nosso Verão, são factores que não controlamos e que são inerentes à nossa posição geográfica entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Se a competitividade dos povoamentos florestais passa pela diminuição de combustíveis por via da recolha para combustão em centrais eléctricas, também é verdade que falta evidência de que o aproveitamento dos matos seja compatível com a viabilidade económica destas centrais.

Por exemplo, a central de Mortágua trabalha com cerca de 2% de matos. O preço a pagar pelos matos, compatível com a manutenção da rentabilidade das centrais, é cerca de metade do custo da sua remoção; e o baixo poder calórico dos matos em relação ao seu volume impede a sua utilização extensiva como combustível destas centrais. Acresce que o apodrecimento dos matos é muito rápido, o que coloca problemas de armazenamento irresolúveis.

Inevitavelmente, as centrais terão uma percentagem largamente maioritária de outras fontes de biomassa como combustível.

Noutros países este tipo de centrais estão a ser usadas como complemento de uma exploração silvícola rentável.

Em resumo, as centrais podem minimizar os custos de remoção dos resíduos da exploração florestal, o que é bom, mas não parece ser adequado contar com elas como incentivo para remoções significativas dos matos que, inevitavelmente, se continuarão a acumular nas áreas onde a exploração florestal não é competitiva.

A questão será então: podem os 20% de competitividade agrícola e os 20% de competitividade florestal suportar um mundo rural viável, que ajude a fazer de Portugal um país equilibrado?

A especialização produtiva e espacial

Os especialistas de fileiras e “clusters” segmentam e partem as várias funções produtivas que durante centenas de anos se articularam para permitir ocupar esta terra madrasta.

Geralmente a partir dos casos de sucesso das unidades produtivas centradas na especialização, ocupando territórios como o Douro vinhateiro, os olivais de Moura ou de Vila Flor, a bacia leiteira de Vila do Conde, os laranjais do Algarve e um ou outro regadio horto-frutícola idealizam-se cenários de futuro para uma agricultura e silviculturas modernas e competitivas.

Nada disso está errado. Pelo contrário, os territórios onde estas opções são possíveis representam poderosas locomotivas para o mundo rural.

Mas a especialização das actividades produtivas conduz ao beco sem saída os 60% do território onde esta não é possível por falta de um produto dominante que seja simultaneamente competitivo no mercado global.

Há quem advogue a valorização de produtos marginais, como os cogumelos, as denominações de origem, as aromáticas e medicinais, etc. Ainda que permitindo uma desejável diversificação de mercados é pouco provável que um número alargado de explorações sejam viáveis só com esse suporte.

Opções que nos dizem respeito

É com a falta de remuneração de serviços ambientais prestados, com a falta de uma floresta viável onde se consomem milhões de euros em cada quadro comunitário de apoio e com a especialização produtiva do território que se consuma a tragédia de um mundo rural pobre, sem recursos, sem gente e sem futuro.

Essa é a tragédia dos nossos fogos, a tragédia das nossas matas, a tragédia da maioria do nosso território que não parece fazer parte do país.

E no entanto dominamos a técnica milenar de limpar matos, produzindo em vez de gastar, a partir de dois sistemas dominantes:

  • Uma agricultura rica de regadio, com forte incorporação de matéria orgânica roçada nas bouças;

  • Uma pastorícia extensiva que se integra numa agricultura marginal e de baixo rendimento.

Partindo destes dois sistemas, construímos milhares de variações incluindo os montados do Sul, os castinçais e soutos do Nordeste, o modelo campo/ bouça do Noroeste. De tudo isto dizemos que são modelos não competitivos.

E até são. Sobretudo se continuarmos sem remunerar convenientemente os serviços ambientais por eles prestados, designadamente a gestão dos ciclos da água e nutrientes; a gestão do fogo; a produção de biodiversidade e, recorde-se, a acumulação de um dos mais sólidos activos do turismo de qualidade: a paisagem e um mundo rural vivo e criativo.

Quanto aceitamos gastar a melhorar estes sistemas ou a pagar os serviços não comercializáveis que prestam?

Por que razão é anátema pagar o valor justo pela utilização dos matos como estrume, mas é razoável elevar tarifas para suportar centrais eléctricas?

Por que razão é anátema pagar a biodiversidade mantida por algumas técnicas de pastoreio mas é normal financiar florestações?

Por que razão é obrigatório cortar os matos em determinados circunstâncias mas é um absurdo admitir que esse trabalho seja apoiado pelas cabras directamente financiadas para a prestação desse serviço?

Por que razão prescindimos da pastorícia, máquina de remoção de matos, sabendo-se que produzem cabritos em vez de gastar petróleo como fazem outros sistemas de remoção de matos?

Por que razão desistimos de pensar o futuro a partir do passado e eliminamos a possibilidade de investir na modernização da pastorícia?

Que território queremos deixar a quem virá atrás de nós?

Haverá com certeza muitas respostas para estas e outras perguntas mas a realidade teima em nos confrontar a triste evolução do mundo rural nas últimas décadas.

Tememos que essa realidade teime em não desaparecer com políticas de apoio às fileiras competitivas que esquecem a produção de serviços dos ecossistemas, deixando 60% do território de Portugal entregue ao vento Leste.

Henrique Pereira dos Santos, arquitecto paisagista
Carlos Aguiar, engenheiro agrónomo
Miguel Araújo, geógrafo

Fotografia de Sergio Rodrigues

7 comentários:

Miguel B. Araujo disse...

Para que conste dos arquivos da ambio, aqui vai a versao publicada no "Expresso".
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Portugal pode prescindir de 60% do seu território?

Henrique Pereira dos Santos, Carlos Aguiar e Miguel Araújo

A redução dos matos (...) em centrais de produção de energia a partir dos resíduos florestais poderia levar a uma redução do risco de incêndio

A AGRICULTURA competitiva como base económica do mundo rural.

Os subsídios ao mundo rural estão sob fogo cerrado de críticas, porque são muitas vezes irracionais e porque penalizam os países mais pobres, mas quando todos beneficiam dos serviços ambientais produzidos e o mercado não os remunera, é justo que todos os paguemos a quem os produz.

Apesar disso em Portugal tem-se favorecido o apoio à produção agrícola em detrimento da componente da Política Agrícola Comum (PAC) que remunera os serviços sociais e ambientais.

Se apenas 20% do nosso território podem ser agricolamente competitivo, a opção pela concentração no apoio à competitividade traduz-se no abandono dos 80% que não são competitivos. Aqui reduz-se o controlo social, abandonam-se escolas, postos de saúde, caminhos-de-ferro, mecanismos de autoridade do Estado e de coesão social, largando ao fogo incontrolado uma grande parte do território nacional.

A floresta como alternativa. Desde o séc. XIX que se pensa que a floresta é a alternativa à agricultura não competitiva. Todavia os fogos cíclicos em Portugal suscitam dúvidas sobre a actualidade e viabilidade da ideia.

É que a capacidade de produção de matos do nosso país, bem como a capacidade de os fazer arder nos dias de vento Leste do nosso Verão, são factores inerentes à nossa posição geográfica entre o Mediterrâneo e o Atlântico.

Para alguns, a solução passa por melhorar a gestão da floresta, mas as empresas florestais da fileira do papel, apesar das boas condições estruturais das suas propriedades e da eficácia da sua gestão, estão a abandonar grande parte da sua área de produção.

Esta opção decorre da globalização dos mercados, da consequente estabilização dos preços e dos crescentes custos de gestão face ao risco de incêndio.

Uma melhor organização na prevenção e combate aos incêndios e uma redução dos matos com base no fogo controlado e em centrais de produção de energia a partir dos resíduos florestais poderiam levar a uma redução do risco de incêndio.

Mas o baixo poder calórico dos matos em relação ao seu volume, o custo da sua remoção e o seu apodrecimento rápido dificultam a sua utilização extensiva como combustível das centrais de biomassa e inevitavelmente, uma percentagem maioritária de outras fontes de biomassa serão usadas.

Nestas condições, também só uma pequena percentagem das nossas florestas (20%?) são competitivas.

Ou seja, a especialização das explorações e a concentração dos apoios nas componentes competitivas do nosso mundo rural conduzem a um beco sem saída 60% do território onde esta não é possível por falta de um produto dominante que seja competitivo no mercado global.

Há alternativas? Se a gestão do problema dos incêndios é uma condição de viabilidade de grande parte do nosso mundo rural, se essa gestão está intimamente ligada à capacidade de gerir os matos que proliferam, se o mercado não valoriza suficientemente a sua remoção pelas actividades agrícola e florestal, o que nos resta fazer?

Para nós, que acreditamos que raramente há soluções simples e únicas para problemas complexos, há pelo menos duas coisas em que não nos temos empenhado o suficiente:

A remuneração dos serviços ambientais, incluindo a gestão dos matos e do fogo, prestados pelas actividades do sector primário, por exemplo pagando convenientemente a utilização de estrumes na fertilização das terras, conferindo-lhe viabilidade económica face à utilização de adubos (de acordo com o mesmo princípio que nos leva a elevar as tarifas de electricidade produzida a partir de fonte renováveis).

A modernização e recuperação da pastorícia, incluindo o reconhecimento do seu papel insubstituível no controlo do crescimento dos matos, seja pela eficiência económica face a outras alternativas, seja pelo facto de ser a forma mais simples de remover os matos sem retirar matéria orgânica dos terrenos, o que lhe confere benefícios ambientais assinaláveis.

Tememos que a triste evolução recente do mundo rural, com um ciclo de fogo infernal, se acentue se mantivermos as políticas centradas nas fileiras competitivas, esquecendo a produção de serviços dos ecossistemas e a pastorícia, deixando 60% do território de Portugal entregue ao vento Leste.

Arquitecto paisagista, engenheiro agrónomo e geógrafo

Anónimo disse...

O texto põe, e bem, o dedo na ferida mas é pena não dar mais ênfase às soluções. Não é nenhuma tragédia o regresso à vida rural de há 30 ou 40 anos. Conheço pessoas que têm uma vida muito mais digna sobrevivendo através de uma agricultura de subsistência, ou pouco mais, do que metade da população que habita nos subúrbios das grandes cidades e sobrevive com um rendimento mensal pouco acima do ordenado mínimo.

Caso os governantes entendessem que era tempo de acabar com os subsídios, ou avenças, aos grandes proprietários do Ribatejo e Alentejo e transferissem essas verbas para apoiar os camponeses do Centro e Norte, por certo que tudo mudaria no nosso mundo rural, possibilitando a vinda de novas gerações de agricultores e pastores, eventualmente os filhos dos que abandonaram essa vida, e o vento leste voltaria a ser o Suão da minha meninice. Contudo, as hordas de chulos, bem organizados, poderosos e hiper-influentes nos corredores do Poder, não permitirão que o dinheiro dos contribuintes europeus e nacionais vá parar aos bolsos dos labregos, mesmo que estes, ao contrário dos anteriores, prestem um serviço primordial para todos nós.

O actual desígnio nacional, que abona os podres de ricos ainda com mais riqueza, promove o abandono rural e ateia os infernais incêndios de Verão irá continuar, até que o certeiro diagnóstico dos signatários do texto não for complementado com profilaxias implementadas na pratica.

Que me desculpe a LPN e um ou outro conhecido ou amigo, mas talvez um primeiro passo seja o de repensar as medidas agro-ambientais.

Jaime Pinto

Anónimo disse...

Em teoria só posso estar em completo acordo com as ideis expostas no artigo.Mas se experimentássemos passar algumas das ideias à prática logo depararíamos com dificuldades insolúveis. Na área da silvo-pastorícia como limpeza de matos, por exemplo: mesmo subsidiando bem os "labregos-pastores" não vejo de onde surgiriam estes novamente!Dos jovens urbano-depressivos impelido-os para o bucolismo da "nova" actividade? Ou dos últimos jovens rurais "impedindo-os" ou "convencendo-os" a não acederem aos vícios da cidade?
Para já não entrar no direito de propriedade da terra, que não é tido em conta no vosso artigo, e que, como se tem visto, é logo o primeiro grande obstáculo de qualquer medida governamental. Deixa-se arder uma propriedade na serra como se deixa cair um prédio na cidade! São como que "direitos" pelos quais se morre ou se mata independentemente das mais ameaçadoras coimas!

Enfim, bem gostaria de acreditar na viabilidade das vossas teorias. Mas o actual modelo económico-social, enquanto não for desalojado, não me permite optimismos.

J. Efe Serrano - Eng. Agrónomo Universidade de Évora.

Anónimo disse...

É com agrado, e de certa forma motivador, que presenciamos fisicamente a preocupação que nós une.
Bem haja. Continuem.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Os dois comentários mais extensos remetem para dificuldades nas soluções. De acordo, há dificuldades, mas a questão não é essa, porque dificuldades haverá sempre em viabilizar um mundo rural que foi construído a partir de mão de obra intensiva de baixo custo que viabilizou uma economia de susbsistência que não se adapta ao preço da hora de trabalho alto e ao petróleo relativamente barato. A questão é perceber que uma das alternativas, a do abandono, implica nas nossas condições enfrentar o fogo generalizado. Ora isso a sociedade tem vindo a dizer que não aceita. Assim sendo, se parte do que nós dizemos não contribui para definir outra alternativa que não o abandono e se o pastoreio não é parte central dessa alternativa, então expliquem-nos como é possível gerir o território de forma mais eficiente. Esta é discussão em que nos empenhamos.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Eureka! Finalmente!
Depois de horas de pesquisa, em sites de Portugal e do Brasil, para fazer um trabalho académico sobre o espaço rural, finalmente encontro alguém com a lucidez suficiente para olhar de frente os problemas do mundo rural, sem medo de ser "politicamente incorrecto".
Estou a fazer um mestrado em Turismo na UTAD, e na unidade curricular designada por "Espaço Rural, Natureza e Turismo" cansei-me de ouvir lugares comuns do tipo..."o Estado Novo promovia o "vicio da terra"..."o mundo rural está desertificado"..."a agricultura portuguesa não é viável"..."os agricultores são inimigos das regras de protecção do ambiente"..."o espaço rural deixa de ser agrícola para passar a ser espaço de preservação ambiental"..."o Turismo é a solução para os problemas do mundo rural português"...etc.
Para além de concordar em absoluto com o diagnóstico, incluindo a questão da propriedade da terra, gostaria de dar algumas achegas:
1 - O “vício da terra” foi a forma que o regime teve para disponibilizar aos proprietários ineficientes mão-de-obra abundante e barata, para continuarem a produzir alimentos baratos para alimentar os operários mal pagos da indústria nascente; quando quis inverter a situação, enviando parte dessa mão-de-obra para as colónias, começou a emigração a salto para França – a atracção das colónias era baixa, devido aos conflitos armados. Depois do 25 de Abril, o regresso dos portugueses das ex-colónias quase que compensou as saídas para a Europa. Uma parte significativa dos chamados “retornados” foi para o meio rural (onde tinham ligações familiares), mas já não se dedicaram à agricultura – seguiram a vocação adquirida em Africa, e dedicaram-se ao Comercio e Serviços.
2 – A democracia – para além de alguma esperança de melhoria de vida para os cerca de 45% de portugueses que viviam do sector primário – trouxe uma capacidade reivindicativa legitima aos assalariados rurais, que puderam melhorar os seus salários. Mas a medalha tinha reverso: depois de anos sobrevivendo á custa da exploração de baixos salários e da mão-de-obra familiar, a atrasada agricultura portuguesa não aguentou o impacto de ter de pagar salários mais justos.

3 – Para assegurar o acima referido “vício da terra”, o Estado Novo adoptou uma pratica altamente nociva para a agricultura: permitiu a omissão dos registos de propriedade das terras, e a divisão de parcelas herdadas por todos os herdeiros; em resultado, em 2 gerações, os registos de propriedade ficaram obsoletos, o que inviabilizou eventuais tentativas privadas de promover emparcelamentos, quando finalmente foram regulados, e aumentou significativamente a fragmentação da propriedade agrícola. Esta pratica continuou depois de 1974, e ainda hoje se fazem escrituras de justificação, para registar “pedacinhos” de propriedade, resultado de sucessivas partilhas não formalizadas;
4 – Depois, a especulação imobiliária desencadeada pelo crescimento dos pólos urbanos (incluindo as pequenas cidades e as vilas, e no litoral, até aldeias), levou a que rapidamente fossem absorvidos por esses pólos os terrenos agrícolas circundantes, que na sua maioria, faziam parte do território “competitivo do ponto de vista agrícola”. A regra usada aquando da criação desses núcleos urbanos era em geral, a de edificar nas zonas menos favoráveis para a agricultura, perto dos melhores terrenos. Assim, não admira que a maioria das novas urbanizações em redor das nossas cidades se chamem “quinta de…”.
5 – Chegamos assim aos nossos dias com uma agricultura destruída, primeiro pela inércia dos proprietários rurais, depois pela inadequação das políticas agrícolas pós-adesão, e no mundo rural, já não é a agricultura que é de subsistência: são os núcleos urbanos do interior que concentram o comércio e serviços de subsistência, em que trabalhadores se esfalfam, em troca do salário mínimo, para prestar serviços aos últimos “agricultores de subsistência” e aos turistas; e de onde o Estado se vai progressivamente retirando, demitindo-se das suas funções constitucionais, na Saúde ou na Educação, p.ex.
6 – Porque, se os “labregos-pastores”, já não têm muita vontade de continuar, mesmo subsidiados, menos vontade terão ainda, se souberem que não existe uma escola próxima para os seus filhos, nem uma estrada decente para chegar rapidamente ao Hospital numa emergência, etc….
7 – Quanto à tão propalada panaceia milagrosa do Turismo, era bom que os seus defensores se consciencializassem que, sem criar condições para que a população local se possa fixar, e viver condignamente, dificilmente se conseguirá ter um Turismo de sucesso, atractivo para os visitantes – a paisagem pode ser muito interessante, mas o factor humano, devidamente enquadrado, tem um papel fundamental na atractividade de um destino turístico.
Para terminar (até porque já fui longe de mais), tenho, infelizmente, que afirmar o meu pessimismo: em face dos diagnósticos que ficam acima, parece-me que não existe actualmente – nem provavelmente nos próximos tempos - no nosso sistema político alguém com capacidade para assumir politicas radicais, como alterar o sistema de propriedade e a estrutura fundiária (depois do falhanço da encenação montada no Alentejo em 1975, Reforma Agrária passou a ser uma expressão “maldita”, e foi banida do discurso politico), ou instituir um sistema que recompensasse aqueles que, pela sua actividade agrícola ou pecuária chamada “de subsistência”, contribuíram para manter o equilíbrio ambiental em muitas áreas do interior de Portugal.
E Parabéns pelo blog! Para mim foi encorajador!
Manuel Seixas
Economista
PS: desculpem alguma desordem das ideias. Se apos a conclusao do trabalho estiverem mais ordenadas, volto a postar...

Manuel Rocha disse...

Bem posto !

Cumprimentos pela lucidez!

É claro que neste mundo de deseconomias de grande escala falar da economia da pequena escala vai parecer um absurdo, mas...