Num comentário a
este post, Luís Lavoura é bastante assertivo:
"A produção de estrumes não tem competitividade quando os adubos são baratos, como agora (há dois anos atrás foram extremamente caros). A produção de pequenos ruminantes não é competitiva quando a carne de vaca é abundante e barata. Hoje em dia ninguém quer comer cabra, a carne de vaca é muito mais fácil. Repare o Henrique: há três decénios não havia tratores e as pessoas criavam vacas para tração (puxar carros de bois). Praticamente não se comia carne de vaca (o bife era um luxo de ricos). Hoje em dia há tratores e adubos para fazer crescer erva. O consumo per capita de carne de vaca cresceu umas seis vezes ou mais. Perante tal realidade, ninguém quer comer ovelha ou cabra. Em muitos talhos já praticamente não se encontra borrego (no Sul ainda se encontra, devido às tradições herdadas dos árabes, mas no Norte não), e cabrito ainda menos. Veja também o Henrique o seguinte: nos EUA usa-se cabras para limpar os terrenos - mas paga-se por esse serviço!!! Há empresa que criam rebanhos de cabras e que os alugam a proprietários que querem limpar os seus terrenos - os proprietários têm que pagar para que lhes ponham cabras nos seus terrenos! A criação de cabras não é rentável, trata-se apenas de um meio menos caro (e ambientalmente menos impactante) de limpar os terrenos."
Esta é a visão mainstream do problema da economia destas fileiras.
A mim parece-me uma visão errada, porque não discute a criação de valor mas apenas a produção.
Vejamos.
Se estivermos a falar de estrume para substituir os adubos na produção, por exemplo, da lezíria do Ribatejo, admito que a produção de estrumes não seja competitiva (não conheço contas que o demonstrem mas se o mercado não existe é provavelmente porque nenhum empresário o achou interessante por não lhe reconhecer competitividade). Mas como qualquer produção de nicho, a questão não é de preço, é de diferenciação. O estrume produzido em qualquer parte do país pode ser ensacado e vendido para públicos urbanos e a sua ligação à gestão do fogo pode ser explorada em alguns mercados, fazendo aumentar a disponibilidade dos clientes para pagarem mais por essa característica. Por exemplo, o mercado das empresas aderentes ao movimento ECO (Empresas contra os fogos, cujo site não parece estar a funcionar), é um evidente mercado para um estrume um pouco mais caro mas ambientalmente muito mais favorável.
A criação de pequenos ruminantes é competitiva, mais uma vez, explorando a diferenciação e a disponibilidade dos clientes pagarem. O cabrito é caríssimo, é bastante vendável em restaurantes que podem pagar mais pelos produtos, em algumas zonas do país a chanfana é presença obrigatória em cartas de restaurantes e o borrego é vendido sem problemas no Sul (raramente se comeu cordeiro no Norte, havendo até um investigador que ao perceber isso e a má qualidade da lã (diz ele, eu não tenho a certeza porque suportou durante bastante tempo a indústria de lanifícios da serra da Estrela)
concluiu que a produção de ovelhas na Beira tinha como objectivo duplicar a produção de centeio com ajuda da giesta).
Neste momento não conheço nenhum produtor de pequenos ruminantes que vá a falência por falta de clientes ou por preços abaixo do custo. Apesar da oposição (ou no mínimo desinteresse) do Estado à pastorícia nos últimos 150 anos, que a tem impedido de se desenvolver e crescer rumo à diferenciação de produtos e à criação de valor. Admito que haja situações particulares, mas não é uma situação generalizada.
O mais extraordinário do que afirma o Luís é desvalorizar o mercado da produção de serviços de limpeza de matos, incomparavelmente mais eficiente e barato com animais que com qualquer outra técnica (tem problemas e dificuldades e há casos particulares, mas em geral esta frase é verdadeira) em vez de considerar que é um novo mercado que viabiliza a produção de pequenos ruminantes. Ou seja, quando se abre uma nova oportunidade de criação de valor, o que em qualquer actividade é saudado como uma nova oportuniodade de negócio, no caso da pastorícia usa-se isso para explicar que essa nova oportunidade de negócio demonstra a falência da actividade.
O meu conselho é simples: esqueça-se tudo o que são preconceitos sobre estas três fileiras económicas (e o Luís não falou dos novos mercados de aquecimento e cozinha mas o que aqui digo também é válido aqui) e olhe-se para elas como qualquer outra actividade económica orientada para a criação de valor.
Isto é, orientada para a procura de clientes que estejam disponiveis para pagar pelos bens e serviços produzidos mais do que eles custam aos seus promotores, mesmo que custem muito. Porque a competividade não está necessariamente nos mais baixos custos, está na diferença entre os custos e o que os clientes estão dispostos a pagar pelos bens e serviços.
Olhem para os pastores como quaisquer outros trabalhadores, dêem-lhes fins de semana, folgas, férias, 13º mês e verão como de repente aparecem os trabalhadores cuja falta hoje se diz que inviabiliza a actividade.
Façam contas ao custo do corte dos relvados de muitas cidades e vilas e comparem com os preços que é possível fazer gerindo animais.
O que não vale a pena é olhar para as actividades como elas sempre foram e pensar que respondem a necessidades de hoje.
Ninguém faz isso quando produz pregos, ciência, almoços, finanças, jornais e por aí fora.
Mas aparentemente toda a gente acha normal discutir a competitividade da pastorícia (e da roça de matos) do século XIX à luz de mercados do século XXI.
henrique pereira dos santos