quinta-feira, dezembro 30, 2004

MPT FIM DE UM CICLO

Por José Carlos Marques (ex-militante e fundador do MPT)
Na complexa situação política vivida em Portugal com a convocação de eleições legislativas antecipadas para 2005, e embora sendo um episódio que certamente passa despercebido a quase todos, tem algum interesse, do ponto de vista da intervenção na sociedade sobre a temática do ambiente, reflectir, ainda que brevemente, sobre a anunciada participação de cidadãos designados pelo Movimento do Partido da Terra nas listas do actual partidode governo, o PSD. Pode até o acordo anunciado (que não é uma coligação mas a colocação de «independentes» do MPT em lugares elegíveis nas listas do PSD... mas quem pode garantir lugares elegíveis quando não está excluída a possibilidade de um colapso ou quase colapso desse partido nas próximas legislativas?) gorar-se entretanto. Não me surpreenderia. Seja como for, a opção feita leva-me a divulgar, pelos meios ao meu alcance, um afastamento mais pronunciado em relação ao MPT, que era já efectivo desde há mais de dois anos mas que permitia ainda um laço de simpatia e cooperação, e que se torna agora uma clara divergência publicamente manifestada e um caminho outro no que pessoalmente me concerne. Não pretendo atacar ninguém e até pode acontecer que, a serem eleitos deputados do MPT, eles venham a ter um papel útil e positivo no que concerne a defesa dos valores naturais e ambientais do país.

Provavelmente assim será. Simplesmente, pessoas com intervenções positivas nessa matéria, embora não abundem, podem encontrar-se em qualquer lista ou qualquer partido, e não me parece motivo para qualquer identificação especial. Ora, até há pouco, no que me diz respeito, o MPT representava a possibilidade de uma identificação forte, ou pelo menos acima da média, com uma estrutura de representação orientada para uma intervenção consequente, não apenas no domínio do ambiente, mas no da proposta de uma alternativa global coerentepara Portugal capaz de salvaguardar valores ambientais, naturais, sociais ehumanos numa perspectiva de sustentabilidade e de justiça. A minha reacção de afastamento seria idêntica se o acordo tivesse sido feito com qualquer outro partido parlamentar existente. Participei, de 1974 a 1979, nos primeiros movimentos ecológicos que se manifestaram em Portugal após o 25 de Abril. Nessa época, a ideia de um partido ecologista era arredia de todos ou quase todos os que se moviam nessa esfera. Pretendia-se antes uma intervenção independente e alternativa que representasse uma saída nova e original para os estrangulamentos em que víamos colocadas as sociedades contemporâneas ­ estrangulamentos esses que na época quase todos ignoravam ou silenciavam e que ainda hoje são deficientemente reconhecidos. No início dos anos 1980, a operação, artifical, da criação do Partido Ecologista Os Verdes, uma manipulação partidária da posição ecologista, óbvia para alguns mas camuflada para o público, foi traumática para os participantes nesses primeiros movimentos. Hoje, passado de há muito o trauma, esse partido é para mim apenas um como os restantes, em que reconheço pontualmente alguns aspectos de que resultam coisas positivas, e outros, talvez a maioria, em que acontece precisamente o oposto. O rótulo «ecologista», na sua designação, assemelha-se aos rótulos de «socialista», «social-democrata», «popular» ou «comunista» noutros partidos, que, confrontados com as respectivas origens históricas, são no mínimo ambíguos. Desse episódio manipulatório, alguns deduziram uma aversão ainda maior à simples ideia de um partido ecologista. Outros interrogaram-se sobre se não teria sido preferível que ele tivesse sido criado por pessoas de facto independentes dos partidos existentes e com provas dadas no domínio das lutas de raiz ecológica, ainda não muito numerosas então mas já suficientemente significativas para se poder distinguir uma genuína corrente ecologista em Portugal. Assim, quando na primeira metade dos anos 1990 fui abordado, num convite para aderir ao MPT, por pessoas inequivocamente ligadas à ainda curta tradição ecologista independente portuguesa, e que muito já tinham feito depositivo, acabei por considerar que era uma ocasião a não recusar, na tentativa até de corrigir o trauma e o erro resultantes do referido episódio manipulatório. Não só participei no processo de criação do MPT como recomendei a várias pessoas que em mim confiavam uma aposta idêntica, embora suponha que não foram muitas entre essas as que fizeram idêntica opção. Ultimamente, e dados os impasses e disfuncionamentos que o MPT ia revelando, afastei-me de membro, formalmente, mantendo uma atitude de amizade (que espero no plano pessoal continuar a manter) com as pessoas de quem, no MPT, me sentia mais próximo. Em 2002 tive até ocasião de defender a dissolução do MPT (que teria sido a meu ver uma decisão sensata e no momento certo, e que poderia ter aberto o caminho a uma recomposição que permitisse uma outra representação na sociedade da perspectiva ambientalista). Mas foi em vão. Reproduzo adiante o documento em que o fiz, que está ou estava disponível na página internet do MPT. Findo este ciclo do meu percurso, resta-me continuar a apostar, como o já vinha fazendo, na via associativa, também ela nada fácil entre nós, e repleta também ela de episódios felizes e infelizes, mas pelo menos mais clara do ponto de vista jurídico e estatutário, e em qualquer caso insubstituível.

O drama do MPT, aliás, é que são muito poucos em Portugal os que podem fazer viver as associações e ainda menos sobram para manter uma estrutura de carácter eleitoral como pretendia ser o MPT. Não vale a pena tripudiar em cima dele, nem eu o farei, porque as suas fraquezas são reflexo de uma debilidade geral do movimento português a favor da natureza e do ambiente. O futuro dirá se há ou não saídas para estes impasses e a que níveis se apresentam. Eis o documento que referi:

Na sequência das duas últimas eleições, pareceu a alguns necessário discutir um futuro para o MPT. Parece que quase todos consideram que não é possível prosseguir o MPT tal como tem estado. Admitem-se diversas hipóteses:

(A) Dissolução pura e simples do MPT por se considerar que não tem viabilidade política.

(B) Abandonar a abertura a movimentos de cidadãos ditos independentes, devido aos numerosos equívocos a que essa política deu origem, e reforçar portanto o carácter formal de partido com adesões unicamente individuais.

(C) Abandonar a forma partido e constituir-se como uma associação ambientalista semelhante a todas as outras.

(D) Passar a integrar o Bloco de Esquerda como uma das suas componentes, reforçando portanto a componente ambiental deste último e preservando a sua existência separada. Embora tenha decidido não estar presente no próximo congresso em que as diferentes saídas serão discutidas, e apesar de considerar que o MPT esgotou as oportunidades de se afirmar politicamente, continuo a apoiar o movimento como simpatizante e estou disponível para me implicar na evolução futura do MPT caso se opte por uma quinta possibilidade que passo a expor após efectuar uma breve crítica das quatro hipóteses em agenda.

(A) A hipótese de dissolução formal, se for acompanhada de um balanço autocrítico, em que se apontem os aspectos positivos da actuação do MPT e também as suas debilidades e eventuais erros, seria uma solução digna e evitaria que o movimento caísse na paralisia sem dissolução, possibilitando que a sigla viesse a ser utilizada eventualmente por alguém menos escrupuloso num qualquer futuro.

A hipótese (B) é, por si só, absolutamente incapaz de dar qualquer solução ao problema do MPT. Se é certo que, no actual quadro legislativo que permite já candidaturas autárquicas independentes, não se justifica continuar a dar abrigo a candidaturas de pessoas que pouco têm a ver com a nossa cultura própria, e que na maior parte dos casos prejudicaram gravemente a imagem do MPT, e que portanto uma emenda estatutária seria oportuna, isso por si só em nada resolveria as debilidades estruturais do MPT como partido. Por isso, considero que esta hipótese não constitui uma saída por si só, tendo pois que ser completada por algo mais que não se vislumbra.

No que se refere à hipótese (C), considero que não faz sentido a nível nacional, podendo os elementos do MPT optar por reforçar a sua participação em associações nacionais ou locais já existentes ou criar outras de base local, talvez até com uma componente cívico-política mais pronunciada (como recentemente aconteceu com o Movimento Ecologista da Amadora), ou por criar novas associações de índole local reforçando a respectiva vertente cívico-política, sendo até que não seria despicienda a existência de uma dessas estruturas ao nível do concelho de Lisboa ou eventualmente da Área Metropolitana de Lisboa. Em qualquer caso, e sem prejuízo de uma continuidade de facto no que se refere a pessoas, soluções como essas pressuporiam igualmente a dissolução formal prévia do MPT.

No que se refere à hipótese (D), é manifesto que ela não poderá reunir nem aunanimidade nem sequer um consenso alargado no âmbito do MPT, podendo no entanto obtê-lo a nível de um grupo, mais ou menos numeroso. Por essa razão, e mais uma vez, exigiria a prévia dissolução formal do MPT, pois outra coisa seria, a meu ver, uma utilização abusiva, ainda que por hipótese o grupo que deseja a integração se mostre maioritário. Assim, esse grupo, se quisesse manter a sua autonomia organizativa dentro do Bloco de Esquerda, teria, previamente, após a extinção do MPT, que criar uma estrutura determinada (semelhante à Política XXI, por exemplo), a qual, essa sim, faria a integração. Como se vê, considero que só a primeira hipótese satisfaz requisitos mínimos de realismo, transparência e honestidade, embora seja compatível com a hipótese (C), por exemplo, e com a hipótese (D) desde que seja feita a correcção que sugiro.

Finalmente, existe uma quinta possibilidade, que passo a expor, e que tem igualmente como condição prévia a dissolução formal, sendo pois concretizável apenas por meio dos eventuais interessados, caso existam em número e determinação suficientes. Essa hipótese consistiria em criar uma associação que não fosse um partido mas que não fosse igualmente uma associação ambientalista do mesmo tipo das que já existem, isto é, tratar-se-ia de uma associação que integraria explicitamente fins políticos, cívicos e eleitorais. Esses fins seriam:

(A) Acompanhar de perto a actuação do Governo, das autarquias e de outras instituições no que diz respeito à temática do ambiente e do desenvolvimento sustentável, por um lado, e do aprofundamento da transparência e da democracia sem a qual não existirão soluções para tal temática.

(B) Efectuar o escrutínio do perfil ambiental e democrático dos candidatos e candidaturas que se apresentem a eleições e pronunciar-se sobre eles, porforma a dar elementos de reflexão aos eleitores interessados na dimensão ambiental e cívica.

(C) Elaborar e actualizar permanentemente um ideário com incidências programáticas para a evolução do país, usá-lo como linha de rumo nas suas intervenções e apoiar eventuais candidaturas independentes que se proponham objectivos idênticos ou muito próximos ao nível das autarquias e das presidenciais.

(D) Estimular eventualmente o aparecimento de tais candidaturas, através de uma metodologia de convergência e coordenação de pessoas e associações autónomas, em que cada parceiro assumiria as próprias responsabilidades, e só as próprias.

(E) Realizar uma campanha com vista à apresentação de uma petição e consequente iniciativa legislativa para que também as eleições legislativas sejam abertas a candidaturas independentes.

(F) Reinvindicar a simplificação da legislação relativa à apresentação de candidaturas independentes onde ela é já possível mas eivada de obstáculos processuais. É importante esclarecer que estas candidaturas independentes seriam dotadas de uma base ambiental e de antecedentes cívicos sólidos. Não se confundemcom os "movimentos independentes" tal como foram entendidos até agora no MPT. Na verdade, esses não foram em geral movimentos independentes com provas dadas no domínio ambiental e cívico, mas antes movimentos dissidentes em relação aos dois grandes partidos, o que foi fonte permanente de equívocos. Dadas as características do nosso quadro eleitoral, as eleições presidenciais oferecem a oportunidade para, uma vez dissolvido o MPT, e caso exista um grupo determinado interssado nesta metodologia, realizar uma abertura para um grande número de pessoas da área ambientalista que não queriam, ou não podiam estatutariamente, ter um envolvimento directo no MPT, mas que o poderiam vir a ter num amplo movimento apartidário de viabilização de uma candidatura às presidenciais. A ossatura desse processo poderia ser a elaboração de um Manifesto para um Portugal Sustentável, com base num acervo já rico de estudos e posições tomadas por associações e até institutições particulares e oficiais, incluindo o MPT, sobre o conhecimento dos problemas portugueses e sobre as soluções propostas. Realizado com uma metodologia amplamente participativa e consensual, esse documento poderia reunir em sua volta um apoio significativo e eventualmente fazer surgir um intérprete que tivesse condições de assumir uma candidatura presidencial. Ou poderiam ser dois processos separados mas contíguos, com parcial sobreposição. A existir, esse processo poderia criar o caldo cultural favorável a que um movimento como o acima proposto criasse raízes sólidas. Tal movimento, aliás tanto poderia preexistir como ser um resultado da referida candidatura às presidenciais, já que a lei prevê movimentos ad hoc de cidadãos precisamente para o efeito.

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