Por Rosário Oliveira
A tragédia do mundo rural em Portugal apela a uma trágica discussão de ideias que seja capaz de acudir aos aspectos prioritários, pelo que se torna fundamental contextualizá-la no quadro da política agrícola.
Como é sabido, a Política Agrícola Comum (PAC) tem-se assumido como o grande motor de transformação do espaço rural nas últimas duas décadas. Para o bem e para o mal a ela se deve a sobrevivência de muitos dos nossos agrossistemas e, por conta dela também, alienaram-se territórios a usos pouco visionários em relação à base socio-económica indispensável a quem escolhesse fazer da ruralidade o seu quadro de vida.
Não abrindo aqui lugar para a avaliação de uns nem de outros aspectos, o que importa é estarmos cientes de que estes últimos 20 anos nos deixaram uma herança exigente em termos de reflexão e de prognóstico para o futuro do mundo rural. E isso não resulta da “confusão entre subsídio à produção e o pagamento de serviços”, como é referido no artigo “Ideias trágicas para o mundo rural”, tanto mais que estes correspondem a dois blocos de instrumentos claramente separados desde a Reforma de 1992.
Nem tão pouco estamos já em condições de transferir a culpa da ineficiência das políticas às assimetrias europeias que dividem os países ricos do norte dos países pobres do sul. Esta associação de ideias, por fundamento que encontre nas lógicas de mercado e de distribuição de riqueza, escamoteia o reconhecimento da incapacidade e da falta de empreendedorismo lusitanos, indispensáveis para fazer face a tais contrastes. Quantos milhões de Euros já foram devolvidos à Europa por falta de capacidade e de iniciativa para os gastar? O constrangimento ao sucesso nem sempre parece estar na falta de recursos financeiros, mas na ausência de visão e de planeamento estratégico que permita definir o caminho que queremos prosseguir e os objectivos que pretendemos alcançar, neste caso em matéria de política agrícola.
Se considerarmos que das orientações emanadas pela última Reforma da PAC, em vigor desde Janeiro de 2005, se destaca, entre outras, o desligamento à produção, o que quer dizer que cada agricultor recebe um pagamento único por exploração, independentemente do que produza, não é difícil adivinhar o avolumar do problema de continuarmos sem estratégias nem visões a longo prazo para o mundo rural. E, na mesma lógica, podemos compreender que não é o abundante número de referências às questões da multifuncionalidade da agricultura, ao pagamento de serviços ambientais ou à sua relação com o desenvolvimento rural, que constam nos documentos estratégicos europeus para o período 2007-2013, que garante a eficiência da aplicação do novo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER).
O grave da questão vem ao de cima quando nos damos conta que estamos na véspera de iniciar mais um ciclo de apoios e nos deparamos com um espaço rural carente de orientações porque, em grande medida, por parte dos decisores, dos técnicos e dos investigadores ainda não estamos em condições de saber o que significa efectivamente a multifuncionalidade da agricultura, o pagamento de serviços ambientais ou como activar processos consequentes de desenvolvimento rural. Será que se justifica ainda alimentarmos a ilusão de que são as comunidades urbanas e industriais que devem pagar às comunidades rurais os serviços ambientais que estas prestam, numa Europa em que os conceitos e os limites do rural e do urbano são cada vez mais ténues? Será que os centros urbanos em Portugal oferecem à média dos portugueses uma qualidade de vida assim tão elevada para que estes se disponham a pagar a factura dos serviços ambientais a cargo do mundo rural? Ou será da responsabilidade dos nossos políticos assegurarem uma melhor distribuição das finanças públicas de modo a que a sobrecarga urbana do litoral não nos afunde um dia destes nas profundezas atlânticas?
Por outro lado, existe uma outra questão de base inerente a toda esta problemática. É que ao falarmos de serviços ambientais não podemos iniciar o preenchimento da factura sem antes sabermos o preço do que queremos cobrar nem as características do serviço que queremos adjudicar. Ainda sabemos muito pouco acerca de como executar os serviços, dos meios necessários para a sua execução e dos custos inerentes. A ponte entre o ambiente e a economia ainda é muito frágil. Se queremos reclamar um maior equilíbrio entre o pilar da produção e o do desenvolvimento rural, parece ser da mais óbvia necessidade definirmos orientações e prioridades que reestruturem o mundo rural e territorializem os instrumentos políticos e financeiros em função das especificidades regionais e locais.
Dessas especificidades não podem apenas ser considerados os recursos naturais sem que sejam considerados, em igualdade de circunstâncias, os recursos humanos e sociais. Não existem nas nossas condições geográficas soluções de gestão florestal sustentáveis que dispensem a presença humana; não existem culturas inovadoras cujo maneio não implique a presença humana; grande parte da conservação da biodiversidade exige a presença humana; o património cultural e paisagístico é assegurado pela presença humana. Contudo, a presença não basta. É necessário ser activa, criativa, inovadora e empreendedora. E é a criação deste capital agro-social que não podem ser descurado. Sem ele não haverá nem multifuncionalidade, nem serviços rurais, nem desenvolvimento rural.
Se a discussão for profícua neste sentido talvez possamos estimular alguma celeridade na elaboração do Plano Estratégico Nacional que ao Estado Português cumpre definir para que sejam estabelecidas as prioridades de acção do FEADER tendo em conta as orientações estratégicas comunitárias.
Arquitecta Paisagista
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