domingo, setembro 28, 2008

As contas da florestação do país II

Os números são um fetiche usado com frequência para evitar as discusssões. Uma das técnicas usadas para não ter de contrapôr ideias a ideias, argumentos a argumentos, é dizer que não se disse nada porque não se usaram números na argumentação.
Os comentários ao primeiro post com o título acima começa exactamente por dizer que o título não corresponde ao texto porque não há números nele.
Confesso que sou relativamente imune a esta confusão entre aritmética e matemática mas de vez em quando vale a pena discutir o fétiche um pouco mais.
"os terrenos arborizados pelo PPF produziram anualmente uma média de 500 000 m3 de madeira (estatísticas oficiais INE), colocadas no mercado e nas fileiras industriais"
A citação acima, pelo contrária, é densa, tem um número em duas linhas e acentua que é uma estatística ofical do INE.
Mas eu, ignorante impenitente, fiquei sem saber o que diz a frase acima. É que não percebo se os 500 000 m3 produzidos resultam apenas do PPF (que florestou menos de 400 000 hectares, e nesse caso desconhecia que o INE produzia estatísticas de produção separadas por plano florestal) ou resultam de todo o esforço de florestação do país (como me parece mais lógico).
A importância de saber o que significa este número é fácil de explicar: se estamos a falar da produção obtida em 500 000 ha (exagerei o número resultante do PPF para facilitar as contas) temos uma produção de 1 m3 por hectare. Se pelo contrário esta produção resulta dos 3 000 000 de hectares florestados do país (números redondos) teremos uma produção de 0,17 m3 por hectare (aproximadamente).
Ora a principal crítica que fiz e faço ao erro nas contas da florestação do país é o facto de eu nunca ter visto, nas dezenas de coisas que li sobre o assunto, a contabilidade dos usos alternativos.
A questão é desde o início, desde o relatório de Filipe Folque, vagamente equacionada: "Pede-se a área a arborisar em terrenos que não tenham cultura alguma? Se é, nada dou, porque todo este terreno tem alguma cultura, todo elle produz centeio, o que aqui chamam pão: é verdade que é um pão de sangue, porque estes terrenos, na maior parte, por causa da sua magreza, só produzem de três em três annos, havendo muitas colheitas que mal dão a semente, quando a dão. Se é pedida a área a arborisar em terreno que tenha alguma cultura, então digo que, com pequenas excepções, a área é quasi todo o distrito (da Guarda)...".
A pastorícia nunca entrou nestas contas.
Mas admitamos que a fazemos entrar. Admitamos um encabeçamento de 2 cabeças normais por hectare de superfície forrageira. Traduzindo, 10 cabras por hectare de superfície forrageira.
É aqui que faz diferença saber se temos de comparar o rendimento proporcionado por 10 cabras com o tal m3 ou com 0.17 m3 (com qualquer dos números é preciso ter em atenção não apenas o que se produz em concreto em cada hectare mas toda a cadeia de valor associada, o que evidentemente complica muito a questão).
Sejamos claros, não é por ter enchido isto de números que passou a ser mais inteligível a discussão.
Não preciso de um único número para dizer que as contas de exploração de um qualquer investimento num território estão erradas se não forem avaliadas as contas de exploração do principal uso alternativo.
Já agora, aconselho vivamente a leitura destas quinze páginas para quem estiver menos familiarizado com estas discussões
henrique pereira dos santos

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Henrique,

Os números são um fetiche e, para muitos portugueses, uma chatice. É de facto mais engraçado lançar para o ar afirmações do tipo “há muitas contas mal feitas de há 150 anos para cá” e sair de fininho sem esclarecer exactamente o que se quer dizer com blagues deste estilo.

Em que se baseia para afirmar de maneira tão peremptória que “A pastorícia nunca entrou nestas contas”? Leu relatórios ou artigos de autores abalizados ou é só um feeling seu?

“Ora a principal crítica que fiz e faço ao erro nas contas da florestação do país é o facto de eu nunca ter visto, nas dezenas de coisas que li sobre o assunto, a contabilidade dos usos alternativos.”

Mas já leu os próprios planos e relatórios que critica? Assim não saímos do nível de uma conversa de café…

Vamos a uns excertos do plano de povoamento florestal de 1938, já que o tem evitado ostensivamente.

“[Capítulo] VII

A área destinada a pastagens foi avaliada em 60:000 hectares, mas os números definitivos hão-de ser fixados nos projectos que servirem de base à execução dos trabalhos.
A verdade, porém, é que a população agrícola da parte montanhosa do País vive do rendimento das veigas e encostas mais férteis e da criação e engorda do gado. A indústria pecuária é, pois, uma das suas maiores fontes de riqueza e a fruïção de pastos, criados nos baldios, uma das suas mais apreciadas regalias sôbre esses terrenos. Hão-de arborizar-se? O critério é sempre o mesmo: escolher pelo que trouxer maior vantagem.
Assim, não deverá cobrir-se de arvoredo o que der maior rendimento explorado em pastagem, salvo se houver razões de outra ordem, como a correcção das torrentes e defesa das terras, que devam considerar-se dominantes.
Mas ainda neste caso devem escolher-se as espécies que menor prejuízo causem à indústria pecuária, desde que adaptáveis ao terreno e clima

(…)


[Parecer da Câmara Corporativa, sobre as acções silvopastoris previstas no Plano]

“(…) Temos, pois, toda a conveniência em aumentar os nossos rebanhos, apurando a qualidade, o que só se pode fazer com melhores e mais abundantes pastagens.

Ora, no norte do País, os baldios são percorridos por centenas de milhares de ovelhas bordaleiras, a par de um contingente de cabras menos numeroso, mas mais devastador. “Os gados caprino e ovelhum são os que maior prejuízo causam ao povoamento florestal, não só por degradar os pastos, esgotando-os por completo das boas espécies pratenses espontâneas e favorecendo assim o pulular das nocivas, em que êles não pegam, mas por a cabra chegar mesmo a atacar os arbustos e as árvores novas, denificando-lhes não só os ramos laterais, mas até a própria flecha terminal, o que é mais grave. Degradado o pasto, não só se torna impróprio à boa alimentação do gado, mas também fica reduzida a sua capacidade pascigosa. A cabra assim alimentada perde todas as boas qualidades que a poderiam recomendar e, como espécie mais danosa à vegetação e de menor utilidade e rendimento, deve ceder o lugar à ovelha e à vaca.”

(…)

Cremos, efectivamente, que o disciplinamento do pastoreio nos polígonos florestais, a organização de zonas mais pascigosas, do tipo a que os franceses chamam prés-bois (onde for possível, que não abundam cá as manchas frescas nos baldios) e as “reservas”, tam criteriosamente preconizadas na proposta ministerial – assegurarão vantagens ao futuro do nosso gado lanar, embora haja algumas inevitáveis mas passageiras perturbações durante o período da extensão dos plantios e sementeiras”


De resto, as continhas que o HPS afirma com tanta propriedade que não existem, estão todas feitas no Relatório do Plano. Como são muitas, não vale a pena mostrá-las: só lhe posso voltar a recomendar que o leie, que era o que deveria ter feito logo no início.

Aquilo que HPS devia perguntar, e que pouca gente pergunta, é qual a razão para um valor tão díspar entre a superfície de pastagens planeada e 1938 (60000 ha) e o realmente executado (pouco mais de 1600 ha, em 1971), apesar das campanhas posterior do FFF e das circunscrições florestais que alargaram muito a área de pastagem melhorada nas serras, já no final da década de 70 e anos 80, onde até grandes rebanhos de propriedade dos serviços florestais pastavam!

Uma explicação poderá estar no erro de cálculo das superfícies de potencial utilização pastoril, como alertava a Câmara Corporativa. Outra no facto de terem ficado por arborizar mais de 120000 ha face ao planeado, o que constituiu um logradouro ainda apreciável para as actividades pastoris, embora de pastagens magras. Outra, ainda, na falta de prioridade política nessa vertente, apesar de os serviços terem disposto sempre de um corpo técnico específico competente na área das pastagens e forragens: infelizmente, para os relatórios anuais do Governo se calhar era muito mais “sexy” um hectare de floresta do que de pastagem.

Ou alguém fez uma análise estratégica de mercados nacionais e internacionais e decidiu que era melhor apostar em matérias primas em que tínhamos vantagem comparativa face aos europeus e que poderiam gerar mais emprego local e regionalmente (a prazo).

É pena que ninguém ainda se tenha dedicado a estudar seriamente esta vertente do Plano e a sua (insuficiente) execução, para além de uns diletantes mal informados e ideologicamente enviesados pelas questões politico-partidárias das décadas de 50 a 80.

Duas notáveis excepções:

Nicole Devy-Vareta, quem primeiro se lançou numa análise isenta, baseada numa análise séria, solidamente ancorada em estatísticas oficiais e no contacto directo com as populações nas regiões de montanha onde o Estado interveio (sobretudo no Norte).

Roland Brouwer, com a sua excelente tese “Planting Power, the Afforestation of the Commons and. State Formation in Portugal”, uma verdadeira pedrada no charco nas ideias-feitas sobre a intervenção estatal nos baldios, com uma visão original das estratégias dos diversos actores, só possível por quem também calcorreou milhares de quilómetros nas serras, nos gabinetes dos serviços florestais e nos arquivos.

Por que raio havemos de ler Oliveira Baptista, o agrónomo-ministro-cérebro da reforma agrária comunista em 1975, mesmo que recauchutado em analista de história florestal, se podemos confiar na Nicole e no Roland, politica e corporativamente neutros?

Quem está pouco familiarizado na questão não ficaria muito melhor ao ler a cartilha do costume…

B. Gomes


PS: O Henrique agora aferrou-se ao número de 500 000 m3 de produção de madeiras com valor de mercado pelas matas geridas pelo Estado, oriundo das Estatísticas Agrícolas do INE, que dei apenas como mero exemplo. Ainda por cima, como não faz ideia do que são os valores normais de produtividade lenhosa e o que é o ordenamento florestal, baralhou tudo: toma como área produtiva a totalidade da superfície arborizada pelo plano, quando apenas uma pequena percentagem era explorada (boa parte era floresta de protecção ou conservação, sujeita a explorabilidade física), confunde o volume da madeira vendida no mercado com a produção total dos povoamentos, etc.

Não se esqueça: nas suas contas do “deve e haver”, para as quais eu contribuí com um simples valor, há ainda que incluir a resina, as lenhas, a regularização do ciclo hidrológico, a fixação de vertentes, os produtos pecuários, etc., etc.

PS2: Parece que o Henrique também não domina as questões silvopastoris o suficiente para desatar a fazer as contas que fez. Em que baldios serranos é que o encabeçamento com cabras pode ser de 2 CN por hectare??? Não estará a confundir com lameiros, porventura? E em que país é que 1 CN equivale a 10 cabras? Nos da União Europeia é que não é, de certeza.

Assim não há mesmo inteligibilidade que resista.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro B. Gomes,
Pensei que com o post tivesse ficado absolutamente claro: nunca, que eu saiba, se avaliou seriamente o valor económico e ambiental dos usos alternativos à floresta. E mais que isso, trataram-se os benefícios ambientais da floresta como se fossem inerentes a qualquer tipo de floresta, o que não corresponde à verdade.
Se ainda não peguei com mais tempo e calma no plano de 1938 deve-se a dois factores: escrevo neste blog nos meus tempos livres e não tenho à mão o plano (já pedi ao meu cunhado alfarrabista que me arranjasse um exemplar).
Mas tudo o que dele cita demonstra o que tenho vindo a dizer: 60 000 hectares de pastagens, ainda que fossem para executar e todos sabemos que não foram executados, é um número ridículo face aos vários milhões de hectares daquilo a que B. Gomes chama pastagens magras mas que sustentavam milhares de cabeças de gado.
Ora a produtividade destas pastagens pobres traduzida em cabras nunca foi comparada com a produtividade traduzida em produtos florestais, que eu saiba.
Se o tivesse sido o mais provável é que a florestação do país fosse bem mais equilibrada, com áreas onde se devia florestar e áreas que não deveriam ser florestadas por manifesto desinteresse económico e ambiental para tal. Repare como as citações que faz do plano de 1938, como é natural no seu contexto, consideram que a escolha é simples far-se-á a escolha pelo que der melhor rendimento. Implícito está o princípio de que quem sabe o que é melhor não são as pessoas que lá estão mas as que estudaram o assunto e cujas decisões não afectam o seu bolso.
Mas pelos vistos estamos de acordo que de facto há muito pouco estudo sobre esta vertente do plano.
Já é um começo.
Deixe-me que lhe diga que fico perplexo com as suas acusações de enviesamento ideológico, que tenho ignorado, bem como as insinuações e meios insultos vindo depois recomendar que não se leia isto ou aquilo, não porque não tenha interesse mas porque o seu autor tem um depterminado posicionamento ideológico. Não é bonito e não lhe fica bem.
Apenas dei aquela indicação por ser um texto curto, abrangente e disponível a um clik do rato. É que a maioria das pessoas que por aqui passam, incluindo eu, não estão num centro de investigação nem são profissionais que possam perder muitas horas à procura de uma referência bibliográfica. Mas isso não as impede de ter opinião e de ter lido muitas outras coisas que lhes permitam interpretar o mundo.
Logo que possa seguirei os seus conselhos e lerei o que recomenda porque não tenho quaisquer preconceitos em ler o que quer que seja, escrito por quem quer seja.
Dei o exemplo dos 500 000 m3 para explicar que não sabia o que era. Agora já sei. É a produção de madeira das matas do Estado. Só não percebi se é o valor anual mas vai fazer a simpatia de mo dizer, suponho eu.
E já agora um esclarecimento: usei a correspondência de uma cabeça normal para cinco cabras.
Não vale a pena insistir que eu não percebo nada de nada, eu sei, é um dado de partida.
Basta-lhe corrigir as minhas asneiras. Por exemplo, se uma cabeça normal é absurdo que seja transformado em cinco cabras basta dizer não são cinco, são x.
A discussão assim é mais profícua.
Se não posso usar o valor de 2 cn por hectare, diga quanto quer que eu use nas contas.
A discussão assim é mais profícua.
Agora chamar-me permanentemente ignorante, corporativo e desonesto intelectualmente, esmagando-me com referências bibliográficas que desconheço pode ser óptimo para explicar aos seus amigos como me esmagou em qualquer discussão mas não adianta nada para o meu (e das pessoas que passam pelo blog) esclarecimento.
Agradeço-lhe pois esta alteração de postura.
henrique pereira dos santos