De há tempos para cá, quer como consumidor, quer na minha actividade profissional, tenho sentido as empresas e muito do movimento ambientalista preocupado em plantar árvores.
Ou porque o carbono é preciso sequestrar, ou porque é preciso repôr o que os fogos levaram, ou porque a natureza agradece, ou porque compensamos o papel que gastamos, há sempre uma razão simpática para lançar uma campanha de plantação de árvores.
Eu compreendo, tenho imenso respeito pelas intenções altruístas dos promotores e executores destas campanhas, gosto imenso de que quem planta árvores a pensar no bem comum mas tudo isso não me impede de olhar para estas campanhas como um imenso equívoco.
Acho que o país não precisa de plantar árvores a não ser em espaços urbanos (e aí sim, não só plantar, como recuperar, como cuidar e, mais que tudo, perder a mania de plantar palmeiras como agora por aí se vê).
Vou procurar explicar as minhas razões mas antes gostaria de deixar claro que apoio e participo em várias campanhas destas. Não porque me fique bem mas porque se não os posso vencer prefiro juntar-me a eles: é melhor fazer campanhas que não fazer nada.
O que me custa é ver recursos que são sempre escassos face às necessidades serem canalizados para umas coisinhas simpáticas que não aquecem nem arrefecem.
Ao contrário do que se poderá pensar, o país não tem vindo a perder área florestal. Bem pelo contrário, há cento cinquenta anos, em 1868 o “relatório acerca da Arborização Geral do Paiz” descrevia assim a serra algarvia:
“Ao ganhar a cumiada da serra achamo-nos em plena região schistosa, ..., e que occupa todo o vasto horizonte que se desenrola para o norte até onde alcança a vista do observador.
A serrania do Algarve, que se extende de E. a O. da província desde o Guadiana até próximo do Atlântico, e a região do baixo Alemtejo, que ao N. confina com as terras d’Ourique e de Mertola, e para NO. vae quasi até ao Cabo-de-Sines; toda a vasta superfície do seu solo offerece o mesmo aspecto tristonho e monotono de charneca. Se não foram os múltiplos valleiros que cortam profundamente este solo schistoso, n’alguns dos quaes, como em outros valles mais importantes, se estabeleceu uma ou outra pequena povoação; se não foram algumas pequeníssimas manchas de montado de azinho raro-semeados por toda esta superfície; e se exceptuarmos a pitoresca serra de Monchique, ... poderiamos considerá-la como um verdadeiro sertão, inhospito e agreste....
Descrevia assim o que se veio a chamar Pinhal Interior
“A partir do valle do Tejo, entre as fozes do Zezere e do Elga, ergue-se immediatamente a grandes altitudes o solo schistoso, formando entretanto dois massiços distinctos...o primeiro compreende as serranias que formam uma dependência da serra da Estrela... o segundo, a E. do precedente, é o massiço de Castello-Branco.
O primeiro massiço que indicámos...comprehende um redenho de elevadas serras, cujas encostas e respectivas cumiadas na sua maior parte teêm a superfície núa de arvoredo, sendo nuns pontos escalvadas, n’outros cobertas apenas de mato rasteiro.”
Poder-se-iam continuar as citações desta época, de Norte a Sul do país, deste ou doutro documento, que a conclusão seria sempre a mesma: há cento e cinquenta anos o país era incomparavelmente menos arborizado do que é hoje.
Na realidade há quem tenha calculado uma superfície arborizada por volta dos 8% nessa altura quando hoje estamos acima dos 35% do país com superfícies arborizadas.
Mas mais que este facto, que ainda poderia justificar o contra-argumento de ainda existem cerca de 30% do país coberto com matos que poderiam ser florestados, o que é relevante é que todos os anos nascem, sem qualquer esforço de utilização de recursos adicionais, muitos milhões de árvores a mais que as que resultariam da mais bem sucedida destas campanhas.
Em muitas destas campanhas existe a ideia escondida de que se as árvores não forem plantadas, não nascem, que é uma ideia profundamente errada.
Porque fugimos do campo, porque deixámos de ter rebanhos, porque nos aquecemos e cozinhamos com outros combustíveis que não a lenha, a verdade é que desde a última grande vaga de emigração dos anos sessenta nós diminuímos imensamente a pressão sobre o território.
Hoje poderemos repetir que “em tempo foram estes vales muito povoados, e agora muito desertos; soíam gentes andar neles, agora andam alimárias feras; uns deixam o que outros tomam!” como dizia Bernadim Ribeiro no século XVI, provavelmente querendo mostrar a sua preocupação com os efeitos da emigração provocada pelos Descobrimentos.
A vegetação natural tem vindo a ocupar os espaços que a dimininuição das queimadas, da roça dos matos e do dente das cabras e ovelhas (dependendo das características do território) deixa sossegados. Só o fogo, mais violento, é certo, mas muito mais espaçadamente, perturba esta evolução sem a liquidar.
E todos os anos novos milhares de árvores nascem sozinhas, sem maternidade nem parteira. Será bom lembrar que estas árvores que assim nascem nas “vastas e medonhas charnecas, tão tristemente celebres entre nós pelas falsas idéias de sua esterilidade e seccura, e outr’ora pelos repetidos latrocínios e mortes de que eram theatro” ou nas cumiadas das serras e nos fraguedos que por lá existem têm incomparavelmente mais possibilidades de sobreviver que as que lá formos plantar cheios de boas intenções.
Mesmo que tenhamos a opinião expressa no relatório que citei, pensando que só as florestas “podem conjurar a crise terrível que ameaça a Europa, em virtude do exagerado e inconsiderado emprego de madeiras e de combustível, principalmente nas communicações acceleradas e na locomoção a vapor, crise inevitável que mais cedo ou mais tarde hade sobrevir, quando se ache esgotada a região accessível das minas de carvão de pedra, nos paizes onde a sua lavra se faz em tão vasta escala, e que ora abastecem os mercado d’esta parte do mundo”, é mais eficiente olharmos para o que fazer a estas árvores que nascem sem rei nem roque que juntar-lhes mais umas quantas criadas em viveiros onde as condições de sobrevivência são bem menos agrestes.
A plantação de uma árvore, como toda a modelação da paisagem, é um jogo em que entra o tempo e a incerteza. As probabilidades de uma árvore morrer são imensas, porque lhe faltou água quando tinha sede, porque se alagaram as raízes quando veio a cheia, porque o vento foi forte demais, porque um raio caiu no sítio errado, porque veio a geada na altura errada, porque não resisitiu a uma doença, porque ardeu, porque alguém precisou de lenha, porque era ali que deveria passar o caminho, etc..
Plantar árvores sem um programa de longo prazo é mais ou menos como ir ao Casino à espera de resolver os nossos problemas financeiros: até pode acontecer mas não é uma atitude inteligente.
Se pedirmos o programa de longo prazo associado à iniciativa a maioria destes simpáticos e bem intencionados promotores de iniciativas de plantar árvores provavelmente olhará para nós como se não fosse óbvio que no longo prazo estaremos todos mortos .
Estou convencido de que a resposta mais convincente não irá além da explicação de que se está a criar um capital que se disponibiliza à sociedade e que caberá à dita sociedade desperdiçá-lo ou não.
Mais ou menos como quem dissesse: “Se, em numero redondo, avaliarmos a superfície total do paiz em 90.000 kilometros quadrados, por certo não exageraremos computando em 5 milhões de hectares, ou mais de metade d’aquella superfície, a extensão do solo inculto ou mal aproveitado, que successivamente e com o andar dos tempos, pela máior parte póde vir a ser coberta de floresta. Supponhamos, pois, por um momento, que desde a fundação do pinhal de Leiria, ou desde o começo do seculo XIV, não se tinha affrouxado n’aquella utillissima tentativa ... e que por esse modo possuiamos hoje 3 milhões de hectares de matas e florestas devidamente tratadas e exploradas.... Se apreciarmos o valor de cada hectare de solo assim arborisado em soutos, montados, pinhaes, alamedas, etc., no mínimo 80$000 réis, seremos levados a admitir a existência do enorme capital de 240:000 contos de réis, que derramaria os seus incalculaveis beneficios sobre a fortuna publica...”.
O meu problema é que há mais de 150 anos que este raciocínio dirige a política florestal em Portugal. E há mais de 150 anos que se verifica que as contas estão erradas.
Primeiro porque nunca se cuidou de saber o que valiam os mesmos três milhões de hectares em usos alternativos (há 150 anos provavelmente com cabras e ovelhas, hoje com conservação, turismo, cabras e ovelhas).
Segundo porque nunca se fizeram bem as contas aos custos desta arborização e da gestão continuada ao longo do tempo para que os “soutos, montados, pinhaes, alamedas” (e a ordem não era com certeza arbitrária), fossem devidamente tratados e explorados (o que actualmente obrigaria a incluir os custos da protecção civil contra os fogos).
Terceiro porque o Estado cedo assumiu que o objecto da política florestal eram os bens públicos, tanto os intangiveis (controlo das cheias e da erosão, por exemplo) como os tangíveis (a valorização das propriedades públicas) e não a criação de uma verdadeira economia da floresta.
Ora estes três aspectos estão presentes nas campanhas das árvores que por aí pululam.
Os responsáveis não querem ser proprietários de terrenos mas florestar terrenos de terceiros (baldios ou do Estado), o retorno que se espera é a remissão dos pecados e pouco mais de concreto e, por último, nem querem ouvir falar em aplicar as suas competências de gestão no suporte a uma economia de gestão florestal, mesmo que com objectivos de bem público bem definidos.
Tal como há 150 anos os benefícios futuros das árvores (antigamente dir-se-ia da arborização) são tão evidentes que nem precisam de ser demonstrados no presente.
O que verdadeiramente tem mudado ao longo dos 150 anos são as razões para plantar as árvores e as técnicas a usar mas não a ideia original de que plantar árvores é intrinsecamente bom.
Da próxima vez que for comprar um produto que ajuda a plantar uma árvore pergunte se não pode trocá-la por um metro quadrado de terreno.
Trazer novos actores para a gestão da paisagem, trazer novas motivações para a gestão da paisagem, trazer novos recursos para a gestão da paisagem é bom trazendo novos proprietários, com novas motivações e com recursos adicionais. Mas que se integrem na economia do território em vez de distribuir árvores por aí, ao sabor das modas efémeras de cada momento.
De cada árvore se poderia dizer o que Marguerite Yourcenar disse da escultura: "No dia em que uma estátua é acabada, começa, de certo modo, a sua vida. Fechou-se a primeira fase em que, pela mão do escultor, ela passou de bloco a forma humana; numa outra fase, ao correr dos séculos, irão alternar-se a adoração, a admiração, o amor, o desprezo ou a indiferença, em graus sucessivos de erosão e desgaste, até chegar, pouco a pouco, ao estado de mineral informe a que o seu escultor a tinha arrancado".
Mas as árvores, ao contrário das esculturas, reproduzem-se, indepentemente da mão do escultor.
(publicado na revista mais ambiente)
Henrique Pereira dos Santos
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5 comentários:
Caros Henrique:
Há 150 anos não havia fábricas, solos impermeabializados,não havia auto-estradas e Ic's a fragmentar a paisagem e os habitats. Dá-me a impressão que as intenções se cingem a um único objectivo: sequestar cada vez mais carbono minimizando os efeitos da poluiçao na atmosfera.
Poderá estar correcto em tudo o que diz, mas este pormenor faz toda a diferença.
cumprimentos
Não precebo o comentário.
Há inúmeras maneiras de sequestrar carbono para além da plantação de árvores.
Por exemplo, escolher uma área que precisa de recuperação e enterrar estrume ou composto (sequestrando carbono) e criando condições para uma regeneração natural mais rápida (sequestrando outra vez carbono).
Com inúmeras outras vantagens.
Porquê a fixação na plantação de árvores?
henrique pereira dos santos
a resposta é simples, plantar árvores é uma acção com visibilidade...
mas com tantos cavalos de batalha, porquê a revolta com quer plantar árvores??
Pensei que tinha explicado no texto: andamos a gastar recursos em coisas pouco mais que inúteis quando, com um bocadinho mais de massa cinzenta posta no processo e os mesmos recursos e boa vontade poderíamos estar a fazer coisas bem mais úteis ao país.
Daí o meu apelo para que se troquem as campanhas de plantar árvores or campanhas de comprar metros quadrados (que até podem ser para plantar árvores também).
henrique pereira dos santos
obrigado pelo esclarecimento, a idéia faz todo o sentido! ainda assim, mais confusão me fazem as campanhas para a separação de resíduos, que transmitem a idéia de que estamos a salvar o ambiente.
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