Anda por aí uma justa discussão sobre uma proposta do Governo para alargar os limites das adjudicações directas de obras públicas, com argumentos de eficácia e rapidez.
Esta discussão fez-me lembrar o enorme esforço de desmantelamento da legislação de ordenamento do território (e gestão dos recursos naturais) que tem vindo a ser feito por este Governo (honra lhe seja, não tem sido o único, tem apenas sido o mais pertinaz), também com argumentos de eficiência económica e coisas que tal.
Grande parte da argumentação usada nestas discussões vem de uns estudos sobre a produtividade nacional que identificam a burocracia como um dos maiores entraves à produtividade do país (curiosamente o primeiro dos factores identificados, muito acima da burocracia, é a informalidade da economia, mas ninguém parece ter dado por isso).
Para além da alteração das regras (algumas destas alterações justas e adequadas, outras verdadeiros desastres para o património natural do país) o Governo tem multiplicado os regimes de excepção fundamentados no interesse nacional. Mas curiosamente tem feito muito pouco, bem pelo contrário, na responsabilização dos seus agentes pelo incumprimento das regras estabelecidas.
Durante a primeira parte da legislatura, por exemplo, o que era fundamental era aprovar resorts residenciais, o novo ómega do turismo português, mesmo que perdendo-se algumas coisas pelo caminho (com o que se ganharia depois compunha-se e melhorava-se o que havia antes).
Senti pois uma espécie de mão a entrar-me pela carteira quando vi um dia destes uma notícia do Público sobre o reforço que era pedido (e a que o Ministro da Economia e Secretário de Estado do Turismo prometiam corresponder) de promoção nos países de origem dos potenciais investidores , com verbas públicas, dos resorts que precisam de vender segundas habitações. Parece que há empreendimentos a mais e faltam compradores (curiosamente o movimento ambientalista gasta a energia toda a contestar as decisões administrativas de autorização dos resorts, às vezes com razão, atirando o ónus político para o Ministério do Ambiente, com meia razão, mas não parece empenhado em aumentar o ónus político do Ministro da Economia quando resolve financiar com dinheiros públicos a comercialização dos resorts contestados).
Senti-me como quando descobri que ao não aumentar a portagem da ponte 25 de Abril o governo tinha aceitado a obrigação de pagar à Lusoponte a quebra de receitas e, hélas, pagar à Fertagus pela quebra dos passageiros do comboio, isto é, a decisão de não aumentar a portagem corresponde a um encargo duplo do Estado que financia a deslocação em automóvel privado em detrimento do transporte colectivo de comboio.
Esta decisão que se irá tomar para facilitar as adjudicações directas é uma decisão do mesmo tipo das anteriores: um fim virtuoso que justifica meios reconhecidamente permeáveis à ineficiência e corrupção mas que são indispensáveis naquela situação concreta.
No fundo, no fundo o país, não apenas o Governo, acha que chumbar um projecto, deixar aos promotores o ónus e a responsabilidade das suas próprias decisões, assumir os riscos de manter as regras que justificaram inicialmente os projectos são tudo empecilhos para a actividade económica.
O país acha que as regras devem ser adaptadas permanentemente e revistas em função da resolução de problemas concretos. Ainda por cima o país tem métodos de produção das regras que são opacos e pouco transparentes, não havendo a obrigação de publicitação prévia das propostas de lei que vão a Conselho de Ministros, essa deveria ser a regra, que poderia ter excepções fundamentadas, nem dos actos administrativos constitutivos de mais valias para particulares, como as suspensões de planos ou as declarações de relevante interesse nacional.
O país acha que a lei e as regras são para os outros e cada um de nós confia mais na justeza no seu julgamento sobre a bondade de cada iniciativa que na aplicação de regras definidas abstractamente.
Ou seja, o país não acredita que a lei deve ser definida em abstracto e aplicada rigorosamente aos casos concretos.
O país acha que os resultados são mais importantes que os processos.
É obra mas conseguimos ter o pior dos dois mundos: a pobreza e o país rebentado.
henrique pereira dos santos
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