quinta-feira, março 05, 2009

Morto e enterrado

Depois de algum tempo a dar saltos inexplicáveis nalguns filmes que tentava ver, levando-me, por várias vezes, a culpar a qualidade das gravações e a requerer troca das fitas na loja, o meu leitor de DVD's entregou, definitivamente, a alma ao Criador. Lembro-me que custara uns 40 euros, há três ou quatro anos atrás, o preço de um par de alguns dos DVD's que, entretanto, fui comprando, de uma jantarada ou de dois terços de depósito de combustível no carro. Nada de dramática, portanto, a decisão de o colocar num canto e fazer um rápida visita ao centro comercial.

Com nostalgia me lembrei do velho televisor a preto-e-branco na sala da minha avó, que demorava uns dois minutos a aquecer e a dar imagem após o ligarmos. Havia custado uma verdadeira fortuna para a época, seguramente muitos meses de poupança de diversos membros da família, empolgados com a ideia de ter cinema em casa, um jornalista que olhava para nós enquanto lia as notícias, fotonovela com movimento e, de quando em vez, futebolada sem pagarmos bilhete. Se avariasse, o que, se bem me recordo, nunca aconteceu, seguiria o rumo habitual de qualquer electrodoméstico naquela inútil condição. Uma visita à cave do Sr. Augusto que, para desespero de todos, demorava uma pequena eternidade a concertar fosse o que fosse, tal era a quantidade de pequenos electrodomésticos a necessitar de reparo que se empilhavam por todo o lado. Sem dó nem piedade, que nestes objectos afecto é coisa que não existe, acabou por ser substituido, muitos anos depois de novo, por um sedutor e elegante televisor a cores.

Se o muito baixo custo que este tipo de equipamentos hoje atinge teve o condão de democratizar a sua compra e uso - por exemplo, em 2000, 98% das famílias tinham pelo menos um televisor - o facto de frequentemente ser mais barato substituir um aparelho avariado que repará-lo, faz com que acabemos por possuir, ao longo das nossas vidas, de uma quantidade enorme de televisões, dvd's, aparelhagens, secadores de cabelos, máquinas de fazer sumo e de cortar a barba. Ainda que alguns dos seus componentes sejam recicláveis, boa parte destes objectos acabam por não serem mais que lixo, contribuindo para aumentar ainda mais os milhões de toneladas de resíduos que anualmente se produzem no país.

Dirigi-me assim, à grande loja, onde múltiplas opções e preços se alinhavam ao longo de várias prateleiras. Acabei por escolher um dos mais caros (ainda assim, em conta), de marca bem conhecida, na ingénua esperança que haja uma relação inversa entre preço e probabilidade de avariar, mas na certeza de que, se houver azar após a garantia, lá terei que procurar o Sr. Augusto, agora bem mais aliviado de trabalho que há uma vintena de anos atrás.

Gonçalo Rosa

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