Com frequência vejo análises económicas que, olhando para os desiquilíbrios estruturais da nossa economia, concluem que só há possibilidade de não continuarmos a empobrecer alegremente: exportar mais para ter dinheiro para pagar o que importamos, já que temos um coeficiente de cobertura das importações pelas exportações a rondar os 65%.
Este tipo de análises tem levado a muitos programas de estímulo às exportações, incluindo apoios directos (hoje mais raros que noutras alturas), promoção do país e dos produtos do país fora de Portugal, contratos de investimento muito favoráveis e muitos outras medidas.
Não percebendo eu nada de economia o que para mim é mais estranho é ver o corropio de atenções dadas à anteriormente chamada maior exportadora nacional, Qimonda.
Tanto quanto percebi, o título de maior exportadora nacional, e o consequente desvelo de Governo e economistas para com a empresa, que se traduz em good will e apoios directos, é obtido apenas por uma das colunas do balanço e não pelo saldo, isto é, dado o funcionamento da empresa, a Qimonda deveria também ser uma das grandes importadoras nacionais. O que nunca consegui ver escrito era o saldo global exportações/ importações.
É curioso, mas não tenho ideia de ver nenhuma lista das maiores importadoras nacionais, como se as exportações fossem mérito de empresas concretas que merecem apoio e reconhecimento social mas as importações fossem abstracções estatísticas em sectores cuja responsabilidade já não é de empresas em concreto.
Tanto quanto percebo do que vou lendo importamos sobretudo energia, máquinas e aparelhos, carros e afins e produtos alimentares.
Assim sendo parecer-me-ia normal que os sectores "desimportadores" fossem tratados exactamente com o carinho e atenção dos sectores exportadores e as "empresas desimportadoras", como as empresas exportadoras.
Sendo a energia uma das nossas principais importações, a eficiência energética em primeiro lugar, a produção endógena em segundo, deveriam ser tratados nas palminhas. Se em relação à produção endógena ainda vamos tratando mais ou menos o sector (embora seja para mim incompreensível que muitas decisões sobre energia sejam tomadas pelos gestores do sistema energético como se fossem questões meramente técnicas de gestão da rede ou da produção e não questões de alta política da qual depende a nossa independência), a verdade é que a eficiência energética, um dos nossos sectores desimportadores com maior potencial, é tratado como um berloque chique que é preciso ter ("noblesse oblige") em vez de ser tratado pelo menos como a Qimonda, com visitas de ministros, começando pelo primeiro, reuniões com a AICEP, apoios, créditos e etc., como que mimamos as empresas exportadoras, muitas vezes mal porque o Estado se entretém a gastar os recursos para criar ou manter artificialmente ineficiência.
Um nota ao lado para chamar a atenção de uma observação frequente de João César das Neves: o uso dos recursos públicos é eticamente mais exigente porque se trata também do uso do dinheiro dos pobres.
Mas onde este esquecimento dos sectores desimportadores mais me faz confusão é na produção de alimentos.
Portugal tem naturalmente fragilidades grandes para a produção de alimentos e, dentro destes, de cereais. Isso é certo.
Mas isto não significa que tenhamos de aceitar a fatalidade da importação alimentar, sem olhar com a devida atenção para o seu potencial desimportador.
Suspeito que se fizermos um inquérito aos refeitórios das escolas do país (ou aos quartéis, ou aos hospitais, ou às fábricas) rapidamente chegaremos à conclusão de que se consome demasiada carne nestas refeições e que dentro dessa demasiada carne, a esmagadora maioria será de vaca ou porco. Concomitantemente veremos, em relação ao que era tradicional, uma desvalorização do feijão, do grão, das favas, das ervilhas, dos cozidos, caldeiradas e ensopados onde a carne desempenha uma papel complementar.
Em Portugal, importador crónico de cereais, isto é um absurdo, porque a carne de vaca e porco que produzimos é maioritariamente suportada em rações que, mesmo que produzidas em Portugal, o são com cereais importados, com uma eficiência alimentar reduzida (e um efeito cultural importante que depois se refecte na alimentação em casa e no que se pede nos restaurantes).
Pelo contrário, o borrego e o cabrito criam-se nas pastagens pobres de que temos abundância (o porco também mas não é o que é produzido assim que normalmente aparece nos refeitórios). Sim, é certo que o rendimento do trabalho nestas produções pode ser razoavelmente mais baixo que noutras produções, mas a questão está mais uma vez no efeito disto: para pagarmos os bifes temos de exportar mais, não importa como, e portanto desatamos a gastar recursos (muito provavelmente com alguma ineficiência) a apoiar os sectores exportadores.
Eu não sou economista, mas suspeito, intuo, que o saldo global seria bem melhor se olhássemos para os sectores desimportadores com atenção em vez de considerarmos a produtividade primária (com excepção das florestas que conseguimos associar a umas fábricas) como coisa de economias atrasadas.
Mas também suspeito que faço parte duma minoria conotada com o lado errado da história e da economia porque vejo sistematicamente a desvalorização do solo agrícola como recurso que é preciso defender das falhas de mercado que o tornam tão frágil no actual mercado.
henrique pereira dos santos
1 comentário:
Excelente texto. Guardado e reenviado.
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