sexta-feira, junho 26, 2009

que sentido reintroduzir águias-pesqueiras?

último local de nidificação da águia-pesqueira em Portugal
Pedra da Agulha (Arrifana), Costa Vicentina
Junho de 2009

Esta Primavera, dois casais de Águia-pesqueira nidificaram, em plataformas artificiais, na Andaluzia. Desde meados do século XX que tal não acontecia em Espanha (ver noticias aqui ou aqui), sendo estes os primeiros resultados de um programa de reintrodução iniciado em 2003 e que passou pela introdução através de hacking (ver nota final) de mais de uma centena de crias, oriundas da Alemanha, Finlândia e Escócia.

Este acontecimento reaviva a história da extinção da águia-pesqueira em Portugal e os porquês da ausência de um programa de reintrodução desta ave no nosso país.

As águias-pesqueiras que nidificavam na Península Ibérica eram residentes, não empreendendo migração, utilizavam essencialmente escarpas costeiras e palheirões (rochedos nas costa como a Pedra da Agulha, na figura que ilustra este post) para construir os seus ninhos e caçavam na costa. Tinham pois características biológicas bem distintas das nidificantes no Norte e Centro da Europa, onde a espécie é migradora, invernando a maioria destas populações na África Ocidental, construindo o seu ninho em árvores e em postes e utilizando sobretudo planos de água interiores para capturar as suas presas.

Apesar de extinta como nidificante - fora do período de nidificação não é difícil observar indivíduos desta espécie oriundos na Europa Central e do Norte em algumas zonas húmidas ibéricas - a águia-pesqueira tem uma muito ampla distribuição mundial, nidificando em todos os continentes excluindo América do Sul, onde apenas ocorre fora do período reprodutor, e Antártida. Em aumento moderado, a população europeia deverá rondar os 10.000 casais.

Sem grande sucesso, tentei obter informação sobre outras vertentes do projecto espanhol (nomeadamente a financeira) via internet. Encontrei um poster de apresentação do projecto aqui que muito me fez recordar uma proposta apresentada há uma década atrás, no ICN. Segundo aquele poster, "restablecer una población viable de Águila pescadora en la provincia de Cádiz para favorecer la expansión de la poblacón mediterránea y reducir su riesgo de extinción es el objectivo prioritario y perseguido desde la Junta de Andalucía". Referindo mais adiante que "las diferencias genéticas de la población mediterránea y las poblaciones europeas no son significativas, se podrían solicitar para la reintrodución ejemplares nacidos en cualquier país europeo". E, dada a indisponibilidade de crias oriundas da população mediterrânica em número suficiente, recorreram os espanhois a aves oriundas do Norte e Centro da Europa. Mas ao introduzir crias de águias-pesqueiras nascidas daqueles países, deita-se por terra o argumento da singularidade biológica da população mediterrânica.

Fará sentido aplicar recursos num programa de reintrodução de uma espécie, globalmente pouco ameaçada, quando para tal se abdica da relevância das características biológicas do núcleo populacional que outrora existia (nidificação nas escarpas costeiras, padrão migratório ausente, utilização regular das águas costeiras para caçar)?

No final da década de 1990, enquanto técnico do ICN acompanhei, numa fase inicial, a discussão de uma proposta para a reintrodução de águia-pesqueira na costa sudoeste de Portugal. Concordando inicialmente com os pressupostos iniciais do projecto, mudei completamente de opinião depois de verificar falsidade do argumento que a população mediterrânica tinha afastamento genético da do Norte e Centro da Europa e de me aperceber que as distintas características biológicas das aves mediterrânicas que pareciam motivar o projecto eram ignoradas quando se afigurava muito difícil conseguir dadores desta região.

Compreendo o interesse deste projecto sobre o ponto de vista turístico ou mesmo da promoção ambiental, mas realçar a sua enorme importância ao nível da conservação da natureza revela ignorância ou má fé.

Gonçalo Rosa

hacking - é uma técnica que consiste basicamente na libertação de crias retiradas dos seus ninhos em idades precoces e criadas em pequenas instalações colocadas nos locais onde se pretende reintroduzir a espécie

4 comentários:

J.S. Teixeira disse...

Novo artigo sobre a Teimosia desregrada do Governo PS face ao sistema educativo em O Flamingo.

Anónimo disse...

antes da extinção do casal reprodutor fez-se alguma coisa?

Gonçalo Rosa disse...

Caro anónimo,

Antes de 1997, quando desapareceu o casal reprodutor (morte da fêmea), não foram concretizadas quaisquer acções de conservação.

Devo porém referir que a extinção desta espécie enquanto nidificante no Sudoeste do país era, há muito, mais do que inevitável. O reduzidissimo número de casais existentes (apenas 2 desde 1979 e apenas 1 a partir de 1992), as baixas produtividades, o facto deste núcleo populacional ser relativamente distante de outros e a espécie ser relativamente filopátrica (os indivíduos tendem a nidificar próximo dos locais onde nasceram), dificultou a angariação de novos reprodutores.

Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

obrigado