O início do novo ano escolar aproxima-se. Findas as férias, como muito outros portugueses, deito contas á vida. Em pequenos pedaços de papel somo o custo dos livros escolares, dos cadernos e lápis, das botas e dos casacos de Inverno, e do aquecimento e das águas quentes (vivo em Bragança, acordo muitas vezes com -7º C na rua). Com três crianças em casa, no 5, 7 e 9 anos de escolaridade, o preço dos livros é coisa séria na economia familiar … e o seu peso em papel um significativo problema ambiental. Ser poupado nos livros escolares, além de economicamente racional, é uma boa prática ambiental. Por isso obrigo as minhas filhas a preencherem os cadernos de actividades a lápis e peço-lhes, encarecidamente, que não sublinhem os livros-texto e protejam as suas capas.
No final de Julho, como de costume, carreguei com os livros do ano anterior num daqueles sacos azuis da IKEA para poder preencher com parcimónia a nota de encomenda na livraria, cujos donos há muito conheço. Analisadas as listas de livros distribuídas pelas escolas, verificados os livros do saco, julguei reduzir para metade os custos (e o consumo em papel) dos livros das minhas duas filhas mais novas.
Hoje foi o dia da compra dos livros escolares. A minha nota de encomenda era a mais complexa da livraria: em muitas disciplinas apenas compraria o caderno de exercício, noutras o livro-texto; em princípio conseguiria reutilizar todos os livros em duas ou três disciplinas. Confiante nas promessas do Ministério da Educação de controlo dos disparates das editoras comecei a verificar a encomenda, livro a livro. Mais do mesmo, outra vez como no ano passado! As editoras continuam, ilegalmente, creio, a impedir a reutilização do livro escolar. Os subterfúgios são variados. Por exemplo os três fascículos das “Faces da Terra, 7ª ano” vêm reunidos numa capa de argolas e comportam um CD; não se podem comprar em separado. O livro-texto de ciências, se comprado em conjunto com o caderno de actividades, oferece uma tabela periódica; o livro-texto e o livro de actividades de geografia oferecem um caderno de apoio. E assim por diante. Terminei a tarde com mais 13 kg de papel, e menos 450 euros. Consumi ca. de 0,65 m^3 de água e de 18 KW de energia, e causei a emissão de ca. 5,2 kg de CO2 para atmosfera (no processo industrial de fabrico do papel apenas, falta adicionar transportes, tecnologia do papel couché, etc.).
Chegado a casa folheei os livros. Por que razão o papel do livro escolar tem que ser de alta qualidade, tipo couché? Tanta fotografia a cores! Para quê? O livro “GeoDiversidade 9ª ano” remata 168 páginas a cores de um discurso aborrecido pejado de redundâncias sobre os males do mundo, de uma complexidade visual que demora a descodificar, com umas lindas pegadas marrom, cheias de significado ecológico, numa contracapa garrida de cores, protegida por uma película plástica! Isto faz algum sentido? Cada tema no livro de matemática tem que terminar numa síntese numa caixa verde (nunca percebi porque se insiste em ensinar matemática com base em exemplos práticos, nem sempre evidentes, em vez de se partir da formalização teórica para a aplicação prática)? Os gráficos têm que ser coloridos e cada capítulo associado à foto colorida de uma ponte? Basta de tanto diagrama de queijo, de gráficos de barras, de caixas de bombons e molhos de flores a decorar as contas de somar, de binóculos e telescópios, e de mapas e esquemas e setas e caixas e estudos de caso e exemplos e documentos e actividades e cores e fotos e letras vermelhas em fundo branco e letras brancas em fundo vermelho e letras azuis de quatro tamanhos … e de papel … e de falta substância. Pobres crianças. Pobres pais.
Carlos Aguiar
1 comentário:
Por subscrever, no geral, o conteúdo deste texto, vou tomar a liberdade de o referenciar no Ondas3. Obrigado, Octávio Lima,
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