Já ninguém põe em causa que existe uma relação estreita entre o que comemos e a nossa saúde. Por isso, mesmo que não estejamos prontos para mudar muito na nossa rotina alimentar, percebemos por exemplo que os pesticidas das hortaliças podem não matar só as pragas, que os transgénicos são uma bomba-relógio ou que os antibióticos nas rações acabam por promover as bactérias resistentes que depois nos vão infectar em momentos de debilidade. E quem se dá ao trabalho de procurar para além da prateleira do hipermercado começa a familiarizar-se com os alimentos de produção local, biológicos, da época, e até mesmo provenientes de sementes tradicionais ou com garantias de pagamento justo para os produtores. Estes conceitos fazem agora parte da nossa consciência colectiva e isso representa um grande passo em frente civilizacional.
Mas quem pensar em alimentação por mais do que uns minutos vai necessariamente chegar à conclusão de que não basta tentar criar uma campânula isolante à nossa volta (e da nossa família) e escolher criteriosamente o que se põe na mesa para garantir que a produção alimentar nos traz saúde. Quando passa uma avioneta a espalhar herbicida ou insecticida por um terreno agrícola, como é que podemos evitar respirar o ar contaminado? Não podemos. Quando bebemos um copo de água proveniente de um aquífero inquinado pelos nitratos resultantes de uma pecuária intensiva, como é que nos protegemos? Não protegemos.
A um nível mais global a questão torna-se ainda mais evidente. Estima-se que a agricultura seja responsável por 17 a 32% de todas as emissões não naturais de gases com efeito de estufa. Dito por outras palavras: a nossa maneira de comer faz mal ao planeta, e isso por sua vez começa a fazer-nos muito mal a nós. É que não há para onde fugir quando o planeta fica com febre.
Além disso, o mais elementar conceito de justiça requer que não sejam apenas os mais ricos ou esclarecidos a ter acesso a alimentos realmente nutritivos, limpos e equilibrados. (O aspartame, por exemplo, é um adoçante sintético altamente tóxico, mas o grosso da população não sabe disso e consome-o em grandes quantidades – até em produtos "saudáveis", como iogurtes.) Qual a qualidade de vida de uma família se vizinhos, tios ou amigos começam a morrer de cancro?
Resumindo: estamos todos no mesmo barco, pelo menos no que toca às consequências da alimentação. E as reais soluções de que precisamos tocam tão fundo no sistema produtivo, implicam com tantos interesses económicos e exigem mudanças tão drásticas ao nível macro, que é fácil desanimar e pensar em voltar para dentro da tal campânula. No entanto o instinto de sobrevivência – porque é de sobrevivência que se trata – acaba por falar mais alto. E as soluções começam a construir-se devagarinho, com o passa-palavra.
Claro, há organizações onde todos podemos colaborar como voluntários fazendo pressão política e sensibilização social, como por exemplo a Plataforma Transgénicos Fora (www.stopogm.net). E não custa muito organizar um debate, escrever uma carta crítica para algum jornal ou perguntar por email aos candidatos às eleições locais, nacionais ou europeias qual a sua posição concreta sobre as questões que nos preocupam.
Além disso, e porque comemos todos os dias, podemos usar cada euro que gastamos para fins alimentares como um voto que define o que queremos promover e o que preferimos boicotar. A indústria alimentar é particularmente sensível às posições dos consumidores e acaba por ouvir, mais cedo ou mais tarde.
Mas tudo isto demora tempo, consome energia e no curto prazo desgasta mais do que resulta, sobretudo face à dimensão do desafio. Por muito essencial que seja este trabalho – que é – não podemos descurar a construção no terreno das verdadeiras alternativas. Se alguma caminho vai mostrar o que é uma agricultura sustentável e para todos, vai ser o caminho que nós, cidadãos anónimos, podemos traçar em conjunção de esforços. Os governos, as empresas, as fundações, aqueles que têm poder político e muito dinheiro, já mostraram do que eram capazes e o resultado está à vista.
Não é preciso muito para começar. Um terreno baldio pode ser o princípio de uma horta comunitária. Uma visita à aldeia dos nossos antepassados pode abrir as portas para variedades regionais desconhecidas. Umas perguntas na Junta de Freguesia e ficamos a saber onde estão os produtores ecológicos mais próximos, com os quais podemos estabelecer relações de proximidade e até apoiar através de ferramentas inspiradas em modelos como a Community Supported Agriculture - agricultura apoiada na comunidade (www.localharvest.org/csa) ou as AMAP - associações para a manutenção da agricultura camponesa (www.reseau-amap.org). E até um vaso numa varanda é um princípio: este bocadinho de salsa ou cebolinho que NÓS produzimos torna-se o símbolo da nossa procura do que fica para lá do véu da Matrix alimentar... em direcção a uma real soberania sobre o que comemos.
Margarida Silva
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
7 comentários:
Todos precebemos que alimentação está ligada à saúde e que os pesticidas e antibióticos têm efeitos "secundários" indesejáveis sobre a saúde. O que não está demonstrado é que os OGMs provocam danos na saúde. Meter isto no meio de uma prosa mais ou menos consensual sobre alimentação e saúde é exemplo de uma flagrante manipulação de opinião.
Pessoalmente, eu não preciso que me provem que os transgénicos não me fazem mal. O que exijo, caso pondere consumi-los ou aceite que quase mos imponham (numa enorme variedade de produtos onde nem sempre se informa da sua presença na composição), é que me provem que são saudáveis ou, pelo menos, inócuos. E que, no toca à minha saúde e da minha família, sempre me regi pelo princípio da precaução.
Os monstros económicos dos transgénicos é que têm, obrigatoriamente, que provar as suas qualidades, não o contrário.
Pessoalmente cada um é livre de comer o que quer e acreditar naquilo que lhe faz sentir melhor. Nisso estamos de acordo. Outra coisa é misturar factos com crenças para melhor fazer passar uma mensagem política. É uma velha técnica que consiste em produzir meias verdades que geram algumas das mentiras mais poderosas que a humanidade criou (como a dos OGM que fazem mal à saúde).
Quanto ao resto, acha realmente que existem provas sobre a benegnidade de tudo aquilo que come?
"(...)meias verdades que geram algumas das mentiras mais poderosas que a humanidade criou (como a dos OGM que fazem mal à saúde)".
Ou como a meia verdade que nos quer vender à força a ideia de que os transgénicos são seguros...
Caro anónimo das 10.03
Os transgénicos não provaram nem negaram os seus benefícios ou eventuais prejuízos na saúde dos consumidores por um motivo bastante simples: as empresas não permitem o seu estudo livre por questões de protecção de patente e os governos entendem não os exigir em maior quantidade e profundidade, dada a enorme variedade que este produtos assumem e por serem quase exclusivamente dirigidos á indústria de alimentos processados ou rações de gado (portanto não presentes na sua forma "pura").
Não são produzidos para "mitigar a fome mundial" ou qualquer outra razão do arco da velha que são invocadas por questões de marketing. Servem para sustentar o vício em carne "fácil e barata" e excessiva ( logo não sustentável) e alimentos processados ( pouco saudáveis por sinal)das nações desenvolvidas.
O que fica claro e indisputável são algumas questões importantes:
1. Os produtores de OGM combateram e combatem activamente qualquer tentativa de rotulagem mais rigorosa dos seus produtos (carne de gado alimentado a OGM NÃO é rotulada). Isto leva, com a alguma lógica, a que o público deduza que algo existe a esconder.
2. Os produtores de OGM perseguem judicialmente produtores convencionais que violem inadvertivamente a patente das suas colheitas, fruto de polinização pelo vento, p.e.. Nunca foram condenados porque chegaram sempre a acordo com os lesados. Tal nunca sucedeu na Europa mas não seria implausível que ocorresse.
3.A produção de OGM não é compatível com a produção de Agricultura Biológica, enquanto que o inverso não é verdade. A primeira, associada sempre a grandes monoculturas, não tem benefícios ambientais (para não dizer prejuízos avultados) a segunda sim. Isto levanta questões não só de natureza jurídica e de justiça elementar como também de lógica simples.
É também o que permite dizer que os OGM, no mínimo, não representam quaisquer mais valias para o ambiente ou consumo responsável. Se são maus ou bons para a saúde está por provar (sou céptico por enquanto). Os produtores de OGM não estão interessados nisto porque vendem sementes, não alimentos- o agricultor é o alvo, não o consumidor.
Portanto não vejo que o post denote qualquer parcialidade política ou ideológica como invoca, caro anónimo.
PS. Do meu ponto de vista a postura da indústria dos OGM tem prejudicado bastante a imagem pública e abertura em relação á Biotecnologia, uma ciência cada vez mais fundamental para o Ambiente, nomeadamente nas áreas do tratamento de resíduos e combustíveis. E é trágico que tal aconteça devida á falta de escrúpulos de poucos.
Cumprimentos
Ao anónimo das 10.03
Para além do que disse Miguel Rodrigues disse, queria dizer que da análise e estudo que tenho feito em torno dos OGM, só encontro mentiras nos alegados benefícios ou vantagens dos transgénicos, ou seja, nem sequer se podem chamar de meias-verdades!
Não produzem mais, não reduzem o uso de pesticidas (com destaque para os herbicidas) e não só não provaram a sua segurança, como há estudos científicos independentes que já detectaram efeitos negativos inclusivé com OGM em comercialização (MON 863, Soja RR.
Os transgénicos não veêm resolver problemas nenhum, pelo contrário, criam muitos novos problemas!
Alexandra Azevedo
Alexandra,
Se puder dar alguma referência de um único estudo que tenha demonstrado efeitos negativos na saúde de OGMs cujo cultivo está autorizado em qualquer parte do mundo agradecia imenso.
henrique pereira dos santos
Enviar um comentário