sexta-feira, dezembro 11, 2009

Escândalo Climático ou Escândalo Ecológico?

Como é que um simples cidadão, bastante ignorante em ciência de alta precisão que inclui modelos computacionais e estatísticos sofisticadíssimos sobre os quais os maiores peritos podem ter posições divergentes e até antagónicas, se há-de entender na batalha pública ardente sobre estes temas?
Afinal parece ser possível demonstrar «cientificamente» tudo e o seu contrário. Os cientistas, ou alguns deles, dirão que as posições adversas são «má ciência», mesmo que feita por cientistas e por instituições científicas. Como é que o pobre homem da rua há-de, ele, saber que lado da balança escolher?
Bicudo.
Quando nos colocamos num fio condutor histórico (de história contemporânea, entenda-se), talvez seja um pouco menos difícil.
O movimento ecológico moderno que remonta aos anos 1960 (e que veio muitas vezes a mostrar grandes zonas de contiguidade com o movimento ecológico anterior, de tipo mais conservacionista, que vinha de Muir a Leopold) afirmou-se na crítica das disfunções (que incluíam as poluições) introduzidas no ambiente natural e humano com a revolução industrial (ainda que se possam encontrar antecedentes históricos em épocas recuadas e até muito recuadas, ninguém seriamente negará que a escala e gravidade, com que esses fenómenos se tornaram evidentes no início da segunda metade do século XX, não têm medida comum com o passado).
Um dos fenómenos que então mais prendeu a atenção quer do público quer dos cientistas quer dos técnicos (e que não foi ainda inteiramente dominado, para usar um eufemismo) foi a poluição atmosférica, desde logo associada ao uso maciço da energia e à forma como esta era obtida: lenha, carvão e petróleo. Daí que os aspetos médicos e sanitários da poluição atmosférica desde logo evidenciassem vulnerabilidades no coração energético das sociedades modernas. Nessa fase inicial, as poluições eram uma das faces da moeda, sendo a outra o uso da energia, com aspetos peculiares como a questão dos limites quantitativos disponíveis. «Os limites do crescimento» descobertos no início dos anos 1970 eram, em boa parte e na parte mais decisiva, limites associados aos estoques possivelmente existentes de matérias primas energéticas.
Como, por outro lado, uma dessas matérias primas, o petróleo, era a coluna vertebral da indústria química, com as dezenas de milhares de produtos que iam sendo lançados no ambiente, a associação com os problemas derivados do consumo maciço de produtos químicos domésticos e do seu uso na agricultura e em geral na alimentação, tornou-se ela própria inevitável. E até a sua incidência no conservacionismo, tendo como bandeira A Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, se tornou um elemento consensual e em relação ao qual os «negacionismos» teóricos pouco contam já, embora conte muito, sim, a resistência prática das inércias e interesses sociais, políticos e económicos implicados. E que permanece.
Na década de 1980 durante um bom par de anos foi a questão das chuvas ácidas a predominar (com desdobramentos diplomáticos importantes como o contencioso, ainda não sanado, entre o Reino Unidos e os países nórdicos, ou com a comoção nacional que causou num país com enorme peso na orientação da União Europeia em matéria de ambiente, a Alemanha, e sem ignorar as ambivalências que esse peso assumiu), questão essa mais uma vez associada a problemas relativos à poluição atmosférica e ao uso da energia, bem como à sanidade do ambiente natural e humano, com relevo para o estado das florestas no hemisfério norte.
Nos anos 1990, é a questão climática a assumir o papel de vedeta. No fundo, remete exatamente para as mesmas questões que vinham destes dois exemplos anteriores, são reencontrados os mesmos causadores de idênticas poluições e a questão energética reaparece sob novas formas. É certo que não tardou a que o lóbi pró-nuclear se apoderasse da questão sob pretexto de que as respetivas centrais não emitiriam os principais gases de efeito de estufa. É claro que para isso têm que negar outra evidência, e tem que se reconhecer que tiveram nisso algum êxito: a radioatividade é, também ela, um poluente do ar, das águas e dos solos, e o mais perigoso e duradouro deles todos. Daí que haja sempre que associar à questão climática a questão da sanidade global do ambiente humano e natural.
Mas denunciar essa operação oportunista não exige que se negue a continuidade e encadeamento das causas das disfunções e ameaças que vêm da poluição atmosféria, do uso da energia, da poluição química, às florestas e ao clima. No fundo, são basicamente sempre os mesmos fatores que estão implicados.
Podem criticar-se as soluções e as mistificações que rodearam cada uma dessas fases (na fase inicial com acento forte na antipoluição muitos acreditaram ingenuamente que o problema era apenas uma questão técnica, de mais filtros e mais chaminés), e, na fase climática, em especial a propaganda oportunista do nuclear e a desfocagem da visão ecológica mais global, que tem igualmente em conta, para além das emissões de gases com efeito de estufa, problemas que aparentemente não teriam que ver com isso (mas têm: na agricultura e na conservação da natureza, no turismo e no urbanismo, vamos sempre ter à questão fulcral da produção e do uso de energia).
É por isso útil relembrar que uma obsessão centrada no clima, e que não integre essa questão na situação ecológica mais vasta, contém perigos a que deve ser dada resposta pelos cidadãos e seus movimentos de opinião e ação. Criticar essa obsessão inclui criticar a obsessão dos que tentam mostrar que a questão climática é irrelevante ou que se reduz a um mero jogo de interesses ou a uma questão política no sentido pejorativo da palavra. Que há jogos de interesses e influências políticas nesse contexto, só um cego o negaria. Mas exercem-se em vários sentidos e direções, uns favoráveis outros desfavoráveis a quem pretenda uma via de saída da crise climática que seja também uma saída da crise ecológica.
As reservas de combustíveis fósseis são finitas, umas a mais curto prazo que outras. Mas podem durar ainda muito tempo e certamente que no curto prazo o seu uso não vai ser significativamente abandonado. Por isso a enorme batalha que se trava, quer pelo seu controlo, quer pela forma como deverão ser progressivamente subalternizados, urgência que começa a ser reconhecida por quase todos. E quem, nos anos 1960-70, o poderia dizer? Quem então o reconhecia era ainda uma pequeníssima minoria apodada de «alarmista» apodo que agora se usa por vezes para os que afirmam a realidade incontornável da origem antropogénica de um aquecimento global inegável. É certo que esta fase de reconhecimento mais generalizado contém também muitas confusões e mistificações e até por vezes retrocessos. Mas quem viveu esse muro de silêncio ou de desprezo há 35 anos dificilmente pode deixar de considerar que foi voltada uma página e que certas negações então correntes e arrogantes já só conseguem existir travestidas de zelo ambiental. De momento, esse travestimento é ele próprio um problema sério e real. Cabe-nos contribuir para restabelecer uma visão mais completa, coerente e fecunda da situação presente da humanidade em que a questão ambiental está destinada a tornar-se, cada vez mais, a questão central.
José Carlos Marques

3 comentários:

Manuela Araújo disse...

Excelente artigo, excelente abordagem.

RioDoiro disse...

http://www.youtube.com/watch?v=RTiyLuZOs1A&NR=1

"The problem is all inside your head", she said to me
The answer is easy if you take it logically
I'd like to help you in your struggle to be free
There must be fifty ways to leave your lover

She said it's really not my habit to intrude
Furthermore, I hope my meaning won't be lost or misconstrued
But I'll repeat myself, at the risk of being crude
There must be fifty ways to leave your lover
Fifty ways to leave your lover

You just slip out the back, Jack
Make a new plan, Stan
You don't need to be coy, Roy
Just get yourself free
Hop on the bus, Gus
You don't need to discuss much
Just drop off the key, Lee
And get yourself free

Ooo slip out the back, Jack
Make a new plan, Stan
You don't need to be coy, Roy
Just listen to me
Hop on the bus, Gus
You don't need to discuss much
Just drop off the key, Lee
And get yourself free

She said it grieves me so to see you in such pain
I wish there was something I could do to make you smile again
I said I appreciate that and would you please explain
About the fifty ways

She said why don't we both just sleep on it tonight
And I believe in the morning you'll begin to see the light
And then she kissed me and I realized she probably was right
There must be fifty ways to leave your lover
Fifty ways to leave your lover

You just slip out the back, Jack
Make a new plan, Stan
You don't need to be coy, Roy
Just get yourself free
Hop on the bus, Gus
You don't need to discuss much
Just drop off the key, Lee
and get yourself free

Slip out the back, Jack
Make a new plan, Stan
You don't need to be coy, Roy
Just listen to me
Hop on the bus, Gus
You don't need to discuss much
Just drop off the key, Lee
And get yourself free

Roberto Gorjão disse...

O artigo está muito bom e é interessante a perspectiva histórica que relembra.

O tipo de letra em que foi publicado, todavia, é um desafio à leitura, mesmo para os que não têm problemas de visão ao perto como eu. O Adobe Garamond Pro não é uma fonte de ecrã e é esse tipo de letra que está a aparecer a quem o tem no seu sistema.

Aconselho vivamente o autor, que provavelmente fez simples copy-paste a partir de um processador de texto, a copiar primeiro para um simples editor de texto (bloco de notas), para eliminar todos os estilos de origem, desseleccionar, voltar a seleccionar o texto todo e então copiar de novo do editor de texto para o blogue. Dessa forma, o artigo assumirá os estilos definidos para o blogue e não os originais.