Ler hoje o Público, depois de ter escrito o post de ontem, poderia ter-me dado alguma satisfação decorrente de aparentemente não ter dito muitas asneiras numa área que não é a minha.
Mas não, foi um nó na garganta que foi crescendo.
O défice que se reduz com as receitas extraordinárias das concessões das barragens (e o movimento ambientalista a falar de património natural importante que desaparece, a discutir a racionalidade económica de investir em produzir mais em vez investir em ser mais eficiente, mas a deixar de lado a questão essencial da opção política pelo endividamento) e venda de património (explicitamente edifícios, terrenos, habitações e outros bens de investimento).
A dívida, com juros a crescer nos próximos anos, das obras não essenciais muitas vezes contestadas pelo movimento ambientalista apelidado de inimigo do desenvolvimento pelos que prometiam o paraíso na Terra através de Alqueva (mais 11% da verbas do PRODER para afundar neste lago), auto-estradas para desencravar o interior (encravado também pelo desvio dos 11% das verbas do PRODER gastas em Alqueva), Pólis e outras coisas.
Discussões sobre o excesso de construção na Matinha e o destino dos hospitais de Lisboa, com o Estado central a pedinchar 9,5 hectares de terreno às autarquias, como se a localização de um novo hospital fosse uma questão de disponibilidade de terrenos em abstracto e não de necessidade de pessoas concretas.
O pior ano da procura na aviação comercial em mais de cinquenta anos, que não levanta dúvidas aos que se recusam a discutir a proposta de manter a Portela e ir crescendo noutros lados à medida das necessidades, como há muito propõe a generalidade do movimento ambientalista, porque o futuro só será risonho com mais uma obra fundamental e estruturante. Provavelmente porque isso pode não ser do interesse da TAP e o Estado precisa do dinheiro da sua privatização, em mais uma demonstração da captura do Estado pelos interesses sectoriais.
A empresa que fazia os despejos que cortaram a CREL por semanas e que ao mesmo tempo construía e pagava uma estrada para a Câmara Municipal da Amadora (a quem com certeza falta o dinheiro para fazer as estradas necessárias nos sítios adequados).
Mas o que verdadeiramente me arrumou foi ver o gráfico que reproduzo acima e ver como os efémeros ocupantes do poder negociaram as concessões das estradas de forma a que até 2013 as contas sejam baixinhas e simpáticas e depois das eleições que se farão nesse ano quem as ganhar (provavelmente por falta de comparência dos adversários) que resolva a súbita e incompreensível subida das rendas, que liquidarão qualquer hipótese do Estado decidir do destino dos nossos impostos durante muito tempo.
Nessa altura será inútil votar porque não há liberdade para decidir: quem quer que seja o incumbente só terá como alternativas pagar as dívidas das obras dos outros (se tiver com que), independentemente de cumprirem os objectivos para que foram construídas ou abrir falência.
No fundo deixámos de nos preocupar em viver com o que temos e alguma coisa que herdámos (isto é, o que sobrou da riqueza que antes de nós foi criada) e passámos a usar os recursos dos nossos filhos prometendo-lhes que com o que lhes tiramos hoje lhes vamos deixar uma herança fabulosa.
Com este passe de mágica livramo-nos da responsabilidade dos riscos que assumimos, empurrando o risco para os nossos filhos, o que aliás é muito conveniente porque eles não podem protestar.
Escolhi uns versos de Jorge de Sena para título e fui simplesmente verificar como o desespero e a angústia podem apesar de tudo ser tão bonitos. Especialmente quando a música ouvimo-la nós mas o desespero é o dos outros.
Infelizmente parece ser exactamente o contrário do que nos espera daqui a poucos anos.
henrique pereira dos santos
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4 comentários:
Como tem sido a evolução do financiamento do ICN, incluindo agora este orçamento?
Cumps
Tem toda a razão. Parece que o título do meu blogue, infelizmente, faz cada vez mais sentido...
Caro Henrique Pereira dos Santos,
Creio ser a segunda vez em que concordo, na íntegra, com o que escreve.
Pena que não retire iguais ilações em matérias em tudo homotéticas das que refere (ver, por exemplo, o post de 5ª feira de Pinto de Sá).
Gostei, muito.
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