quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Cinzentos e mulatos


Em muitas discussões, por exemplo, sobre o fogo ou a caça, vejo-me muitas vezes na circunstância de ser acusado de ser um defensor do fogo ou da caça.
É verdade que digo que em certas circunstâncias o fogo ou a caça são benéficos do ponto de vista ambiental. Mas dizer isto é rigorosamente igual a dizer que em certas circunstâncias o fogo ou a caça são prejudiciais do ponto de vista ambiental.
Como em discussões de base ambiental predominam as pessoas que têm posições ambientalistas, como existem muitas posições ambientalistas diferentes, é natural que apareçam pessoas que dizem que o fogo ou a caça são grandes problemas ambientais (e podem ser, em algumas circunstâcias). Nessas alturas tenho tendência para chamar a atenção para as circunstâncias em que não é assim, concluindo que é errada a ideia de que o fogo ou a caça, por si sós, são problemas ambientais de primeira grandeza. E que a discussão fundamental é a das circunstâncias.
É normalmente aqui que a discussão se entorna e me começam a querer colar a argumentações que não são as minhas: as de que o fogo ou a caça nunca são problemas ambientais.
Para quem vê o mundo a preto e branco isto pode fazer sentido. Há gente com uma espécie de daltonismo que os impede de ver os cinzentos.
É o mesmo esquema mental que sempre foi usado em todas as discussões onde se defende a pureza de uma ortodoxia: quem não for assim, é assado, sendo que dentro do assado cabem muitas vezes mais diferenças que entre alguns assins e assados.
Lembro-me de em miúdo pretender apanhar um autocarro e não me ter sido possível porque era um autocarro que não era para brancos. E lembro-me de nessa altura, espantado, ter perguntado ao meu pai como é que viajavam os mulatos num país em que havia uns autocarros para brancos e outros para pretos.
Deve ter sido por essa altura que percebi que para muitos pretos, os mulatos são brancos, e para muitos brancos os mulatos são pretos e que era difícil para os mulatos serem apenas mulatos.
No movimento ambientalista eu sinto-me muitas vezes mulato.
henrique pereira dos santos

3 comentários:

Pedro Martins Barata disse...

Henrique, está à vontade. Neste "movimento", eu não quereria ser preto ou branco, quando isso implica ser embotado de razão.

Anónimo disse...

Henrique, este texto faz para mim todo o sentido e o interesse que encontro em muitos dos teus textos reside precisamente no contributo que dás para que se veja um problema de uma outra perspectiva.
O problema é que na prática, quando tentas combater essa tal ortodoxia a que te referes, cais frequentemente no extremo posto acabando tu próprio por assumir posições dogmáticas e inflexiveis. Muitas vezes mais do que um problema de conteúdo, é um problema de forma.
Às vezes fazes-me lembrar aquela história do Pai que é professor do filho e que tem tanto medo de o favorecer que acaba por ser exageradamente exigente e autoritário com o filho.

O caça é um problema especial porque independentemente da questão ambiental, pode levantar questões de outro nível (moral e ético), e quando umas pessoas estão a falar de uma coisa e as outras de outra inevitavelmente acaba-se a desconversar.

Alexandre Vaz

joserui disse...

Caro Henrique Pereira dos Santos... estou... digamos... sensível a este argumento. Mas (claro) na minha opinião enferma de dois problemas diferentes na natureza:
Primeiro raramente o li, se é que o li (julgo que não) a elaborar sobre as "certas circunstâncias o fogo ou a caça são prejudiciais do ponto de vista ambiental". Por outras palavras, já tinha dito: é sempre para o mesmo lado.
Segundo, o preto e branco são cores muito na moda. Vejamos... não só é acusado de ser defensor do fogo ou da caça, como no caso desta última recebe os elogios dos caçadores e os seus textos mais as cartas que recebe não destoariam nos fóruns de caça. Pessoas com entendimentos diametralmente opostos do que está certo, entendem exactamente a mesma coisa dos seus textos.
Das duas uma, ou os seus textos não de forma nenhuma claros para uma das partes; ou, querem dizer realmente o que dizem, recebendo as justas críticas e elogios correspondentes. -- JRF