quarta-feira, fevereiro 10, 2010

A petição do dinheiro da floresta a seu dono



Num comentário a um post anterior pediram-me que explicasse melhor uma petição que lancei sozinho e sem qualquer estrutura de apoio.
É em toda a linha uma petição quixotesca.
Mas séria.
Na sequência dos fogos de 2003 criaram-se condições para finalmente se pôr em prática o Fundo Florestal Permanente.
A solução foi a criação de um fundo financiado por receitas consignadas dos impostos dos combustiveis e a ideia, desde ainda antes de 2003, desde pelo menos a lei de bases da política florestal, era criar condições financeiras para intervir estruturalmente na floresta para a tornar mais competitiva e menos vulnerável.
Ora o que fez o Estado?
Aboletou-se com o dinheiro, gasta-o com a Autoridade Florestal Nacional (corta o financiamento do OE porque resolve por este fundo florestal), com a protecção civil (corta o financiamento no OE porque já tem este, e deve chegar, basta calcular a idade média dos carros da protecção civil com o resto da administração pública, por exemplo), gasta-o com o ICNB (para tapar buracos orçamentais crónicos), gasta e muito com as autarquias (gabinetes florestais que fazem planos em vez de extensão, kits para as freguesias, muitos já ninguém sabe onde estão, outros sabem muito em porque estão no mesmo canto onde foram postos quando foram comprados), mais umas coroas para aqui e ali (incluindo umas associações de produtores e de bombeiros) e pronto, está resolvido.
Ora a petição apenas pretende que se aplique aqui uma regra que deveria ser geral: que o Estado não possa ser beneficiário dos fundos sectoriais criados para resolver os problemas das pessoas.
Neste caso em concreto é que todas as entidades que tenham mais de 25% de capital do Estado (incluindo as autarquias) não tenham pura e simplesmente acesso a estes fundos.
A razão é simples: se quem gere, quem recebe e quem fiscaliza é sempre o mesmo, que garantias existem de uso racional dos recursos?
Que os recursos sejam entregues a quem efectivamente é dono de matas (e já agora, pastagens, campos agrícolas e etc., fundamentais na criação de uma paisagem mais resiliente) e que o Estado assuma integralmente as suas funções: que defina com clareza as obrigações a respeitar para receber o dinheiro e que fiscalize draconianamente o seu uso, financiando-se com o orçamento de Estado que é o que é politicamente escrutinável pelos cidadãos.
Mas liberais em Portugal somos poucos.
E liberais que se interessam pela floresta ainda muito menos: hoje éramos 123, alguns com nomes estrangeiros.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

JKL disse...

...
Esta questão das Florestas e do ordenamento do território (porque efectivamente é disso que se trata) é tema antigo. Assumo-me como leigo sem qualquer conhecimento académico do assunto, cujo único interesse no tema reside nas origens que tenho na região (eufemísticamente denominada por) zona do pinhal. E tenho que fazer aqui uns reparos/observações a este tema:
-Toda a zona do interior do País que agora está coberta de pinhal era, há uns setenta anos, cultivada (milho, trigo, centeio) e tinha um coberto arbóreo significativamente diferente e não resinoso. A invasão do pinheiro deu-se maioritariamente por abandono do território (desertificação), invasão essa completamente desordenada, sem obedecer a qualquer plano estratégico. Ainda assim, enquanto a extracção da resina constituiu uma actividade económica rentável, a mancha florestal manteve-se mais ou menos intacta. Foi o completo "abandono" da área de pinhal que conduziu à actual situação. Mais. Não houve da parte das autoridades a capacidade de adaptação ás novas realidades - nomeadamente no que concerne à fiscalização e à gestão do parque florestal, numa óptica de prevenção. Do "outro lado" aquilo que posso apontar - e há-que ter a frontalidade de ir contra as idéias establecidas - prende-se com a assumpção da bondade do voluntariado quando associado à função de bombeiro; temos que ter corpos de bombeiros profissionais, com formação específica e actualizada e que disponham de meios à altura das necessidades. Só assim poderemos assacar as responsabilidades a quem as tem dentro de toda a estrutura hierárquica. Não se trata aqui de entregar kits ao desbarato nem de lançar dinheiro dos contribuintes sobre o porblema; trata-se de investir (prevenir) e tornar a floresta num negócio visívelmente rentável.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Niagara,
O post não discute a floresta no seu todo mas apenas a afectação do dinheiro do fundo florestal.
Mas no seu raciocínio há um problema, se bem entendo o seu ponto de vista: é acha que para a floresta ser rentável é necessário evitar o abandono (leia-se, limpar as matas).
Ora o problema é exactamente o inverso: porque a floresta não é rentável, ela é abandonada.
Uma correcção: quando diz que há uns anos era tudo cultivado está a ser muito impreciso: a maiorira do território era ocupado por pastagens pobres onde as cabras eram pastoreadas. Essa é grande diferença de então para agora.
henrique pereira dos santos

JKL disse...

Henrique, creio que fui muito impreciso no meu comentário. A situação que descrevi constituia realidade em grande parte da beira interior, não na totalidade do País, opinião (conhecimento) fundamentada nos relatos que me foram feitos por pessoas que lá vivem/viveram. E efectivamente todas as zonas cultiváveis eram aproveitadas, sendo a pastagem reservada às zonas em que era de todo em todo impossível cultivar fosse o que fosse. As pastagens eram pobres, a agricultura de subsistência era igualmente pobre.
Quando refiro abandono não falo da limpeza das matas; falo simplesmente na presença humana. Há trinta anos as matas da zona da Sertã quase nunca eram limpas, mas como se explorava a resina, havia uma presença humana efectiva dentro da zona florestal. E apesar de os barris de resina (altamente combustível) serem deixados "ao abandono), não se verificavam incêndios com a magnitude dos que ocorreram nos últimos quinze a vinte anos naquela zona.

joserui disse...

Eu sou liberal! Não sou é "liberal à portuguesa". À la Blasfémias e à la Insurgente. Isso não. Entre esse liberalismo e a rebaldaria, a diferença é nenhuma. Esses privatizavam os rios e os golfinhos se pudessem e se fosse "rentável". Outro provérbio árabe: o primeiro passo para a dança é mexer-se.

Sobre o assunto dúvidas: percebo pouco de burocracias do Estado, que de facto detesto. Mas se o dinheiro para o fundo vem via combustíveis, acaba por ser uma verba igual a tantas outras. O que não percebo é a parte do Estado ser beneficiário...
Esse fundo seria gerido por quem então -- está previsto ser gerido por quem? E as verbas deviam ser atribuídas a particulares (se entendo) com que critério?
Seria uma espécie de subsídio para manter território que de outra forma não é rentável? Isso não é lá muito liberal. -- JRF

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro José Rui,
Se me pergunta se o Estado deve meter dinheiro na floresta digo já que acho que só em circunstâncias muito especiais (alguns projectos de correcção torrencial, alguns santuários e pouco mais). As políticas públicas florestais têm sido políticas muito pouco ineficientes para a criação de riqueza com a agravante que se apoiarem em instrumentos repressivos para impedir a competição saudável com a pastorícia, bem mais competitiva nas nossas circunstâncias.
Mas não é sobre isso o post. Havendo um fundo florestal, que inegavelmente deve ser gerido pelo Estado, devem as suas verbas voltar ao Estado (que quase não é proprietário de florestas) ou aos agentes privados que gerem efectivamente território?
É só esta a questão.
henrique pereira dos santos

joserui disse...

Desculpe, continuo sem perceber — não é oposição, não percebo. Porque sou completamente ignorante desses processos.
Afinal o dinheiro do fundo, que deve ser gerido pelo estado, serve para quê? Ou melhor, idealmente, serviria para quê?
Se foi constituído depois dos grandes incêndios já me está a tresandar a um empurrar com a barriga. Se são distribuídos kits, etc, é porque fica bem na tv. Qual é afinal a estratégia que presidiu à constituição do fundo?
A sua última frase reforça as minhas dúvidas. Se o dinheiro vem de taxas especiais ou lá que é e vai para particulares que gerem florestas, isso não são subsídios? — Eu não sou contra subsídios per si, só sou contra o desbaratar de recursos. Tudo o que permita conseguir mais pelo mesmo ou menos dinheiro tem o meu apoio. -- JRF