sexta-feira, março 26, 2010

"Interesses económicos ganham à ciência na defesa de espécies ameaçadas"



O jornalismo de causas é quase sempre mau jornalismo. Pode ser útil, pode dar textos fantásticos, mas raramente, muito raramente, bom jornalismo.
É o caso do artigo de hoje do Público em que Teresa Firmino (uma jornalista que não está na lista dos que eu leio já sabendo o que vão dizer) em que se relata o que se está a passar na conferência das partes da convenção sobre o comércio de espécies ameaçadas de extinção.
O título (que fui buscar para título deste post) é um título bastante idiota. Poderá ser escolha do editor e não da jornalista, mas o título retrata bem o artigo.
A ideia de que proibir a caça ou a pesca a uma espécie é uma escolha entre ciência e interesses eonómicos, é completamente falha de sentido.
Proibir a caça ou a pesca é uma decisão política que afecta negativamente alguns interesses e positivamente outros interesses (por exemplo, o Quénia é a favor da proibição da comercialização de marfim porque a ideia de um país exemplar do ponto de vista da conservação é muito relevante para a sua poderosa indústria turística de safaris). E a ciência não ganha nem perde nestas decisões. O que está em discussão, na maioria destas decisões, é muito pouco de ciência (se as espécies estão mais ou menos ameaçadas e quais são os principais factores de ameaça, havendo ciência dos dois lados da barricada, de maneira geral com grandes consensos e pequenas divergências) e quase tudo de política: qual é a forma mais eficaz de obter um resultado que é consensual.
Por exemplo, na questão do marfim, existem muitos investigadores (e países) que acham a animosidade das populações locais bem mais perigoso para a conservação dos elefantes que um comércio legal, fortemente regulamentado e cujos benefícios revertam, pelo menos em parte, para as populações.
Do outro lado há muita gente que concordando, entende que o comércio legal (e consequentemente o abate legal) é uma porta aberta para o furtivismo.
O que tem esta discussão de científico? Nada ou quase nada.
Por outro lado não se percebe porque razão se consideram como interesses económicos apenas os que são contra algumas das proibições, esquecendo os interesses económicos associados ao outro lado da questão.
A questão do comércio de espécies selvagens é uma questão difícil e muito relevante na conservação (mesmo para quem, como eu, tenha uma posição razoavelmente céptica em relação ao peso da perseguição directa na afectação de muitas populações, há muitas situações em que a perseguição directa motivada pelo interesse comercial pode ser relevante na conservação da espécie) mas seguramente não é pegando noticiosament no assunto da forma como Teresa Firmino o fez que se contribui para a formação de opinião pública esclarecida sobre o assunto.

Adenda: ao procurar uma imagem para o post verifiquei que títulos semelhantes aparecem em vários jornais e agências noticiosas. O artigo é pelos vistos também preguiçoso, omitindo a referência a agências internacionais que seguramente foram usadas como fonte. Não estava à espera.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

Anónimo disse...

No outro dia li um artigo no The Economist em que se falava desta conferência da CITES, não em relação à caça mas em relação à pesca de atum, especificamente de uma espécie designada em inglês bluefin tuna, que ao que parece há no Mediterrâneo e é muito valiosa comercialmente. A convenção da CITES baqueou totalmente na proteção a esta espécie, embora seja consensual que os seus stocks estão em rápido desparecimento.

Este post só fala de caça e de elefantes, e acho pena que não fale de atum, coisa em que a gestão de stocks por parte da CITES, segundo repetidos artigos que tenho lido nessa revista, tem sido miserável.

Luís Lavoura

Henrique Pereira dos Santos disse...

Luís,
O post fala permanentemente em caça e pesca exactamente porque um dos problemas centrais se prende com a política de pescas do Japão (e outros), mas dá exemplos do elefante porque conheço melhor o assunto e porque há anos a informação era tão apocalíptica como hoje é a que diz respeito às espécies marinhas (matéria de que sei pouco e onde acredito que a perseguição directa tenha mais importância que em terra).
henrique pereira dos santos