Aqui pode ser lido integralmente um manifesto sobre uma "nova política energética".
E é bom que seja lido e discutido.
A mensagem explícita central do manifesto é esta:
"Todas as estratégias de saída da crise se baseiam na necessidade de aumento da competitividade empresarial, que o custo da energia irá prejudicar."
É uma mensagem clara, linear e apelativa. Mas onde está prejudicar, deveria estar afectar, ou condicionar. Primeiro por uma questão simples de português: o custo em si não prejudica ou beneficia o que quer que seja, neste caso, por exemplo, um custo baixo da energia não prejudica a competitividade. Segundo porque mesmo que se subentenda custo alto, onde está apenas custo, não é líquido que o custo alto da energia prejudique a economia.
Basta dar um salto aqui e verificar como o preço da gasolina, per si, tem pouca relação com o desempenho económico dos países e, a sentir-se alguma relação olhando para o gráfico, o que vemos vagamente é os países com preços mais altos tenderem a ter também melhor desempenho económico.
Já várias vezes tenho aqui citado o artigo "Green and competitive" de Michael Porter e Class van der Linde para explicar que a pressão que o custo de um factor impõe a um processo produtivo, se adequadamente sentida por todos os que competem nesse mercado, tem um efeito de racionalização no seu uso que se traduz quer em maior inovação, quer em maior competividade, quer em poupança (racionalização e eficiência) no uso do recurso.
Quer isto dizer que é indiferente o preço da energia? Seguramente não estou a dizer isso e já várias vezes escrevi aqui contra a política energética deste Governo, exactamente por não avaliar convenientemente esse custo e não o tornar tão claro e explícito quanto possível. O custo alto da energia é um problema, mas não é um drama insolúvel para a economia. Dependendo da forma como é gertido, pode ter efeitos positivos ou negativos. Ou melhor, terá sempre efeitos positivos e negativos, mas o seu balanço pode ser mais positivo ou mais negativo.
Esclarecida esta questão, vejamos então ao que vem o dito manifesto.
Os oitos pontos em que está dividido o manifesto são críticas à política de produção de renováveis. Críticas essas que partilho em grande parte, como tenho escrito por aqui.
Mas o que gostaria era mesmo de perceber em que consiste a nova política energética que o manifesto promete em título. Vejamos então o grande final do manifesto:
"Assim, os signatários consideram fundamental exigir uma avaliação técnica e económica, independente e credível, da política energética nacional, de forma a ter em conta todas as alternativas energéticas actualmente disponíveis, com o objectivo inequívoco de reduzir os preços da energia com que são confrontados os cidadãos e as empresas, a par de garantir uma maior segurança energética e uma verdadeira redução do défice da balança comercial."
Ora batatas.
Tanta coisa, tanta gente importante, tanto cérebro de excepção para pedir que uma avaliação técnica e económica da política energética inclua o nuclear, sem que as colunas vertebrais que suportam os ditos cérebros tenham tido sequer a hombridade e coragem de o dizer de forma clara.
Sobre eficência energética? Zero. Sobre racionalização de consumos? Zero? Sobre política de transportes, nomeadamente de transportes públicos? Zero. Sobre água quente solar? Zero.
O objectivo da política energética é reduzir o seu preço? Têm mesmo a certeza que é isso? Mesmo que essa redução de preço implique maior ineficiência, como qualquer dos subscritores da área da economia e da gestão tem obrigação de saber?
E já agora, porque não pedem uma política para o sector financeiro cujo objectivo seja diminuir o preço dos serviços financeiros e do dinheiro?
E também uma política social que tenha como objectivo reduzir o custo do trabalho?
Eu que não sei tanto como tanto engenheiro e tanto economista que se manifesta pensei que o objectivo da política energética era abastecer o país de forma eficiente, competitiva e resiliente às alterações bruscas em que o mercado da energia é fértil (hoje o preço do barril de petróleo está ligeiramente acima dos 80 dólares e o euro tem vindo a desvalorizar-se face ao dólar, dois factores que concorrem para que o preço de mercado da energia eólica se aproxime rapidamente do preço administrativo estabelecido. Quem diria).
Mas eu concordo com o manifesto: é precisa uma boa avaliação técnica e económica da política energética. É ridículo chamar a isso uma nova política energética, mas é um passo para lá chegar. E espero que se inclua o nuclear nessa análise. Mas que no preço do nuclear estejam incluídos todos os seus custos reais, como o custo da investigação, que tem sido suportada pelos Estados, o custo de desmantelamento, que tem sido passado para as sociedades, o custo dos riscos associados, que tem sido omitido porque ninguém segura os riscos a não ser os Estados, o custo da resolução do problema dos resíduos, que tem sido chutado para as gerações futuras, e por aí fora. E que nessa análise se inclua o custo da poupança, da eficiência energética, da água quente solar, dos transportes públicos e por aí fora.
Pena é se continuarmos entre a propaganda delirante do Governo nesta matéria e manifestos nucleares disfarçados de cordeiros pascais.
henrique pereira dos santos
30 comentários:
A fotografia que escolheu para encimar o post diz bem da sua protestada boa-fé na «avaliação técnica e económica da política energética». É pena, mas só surpreenderá os distraídos.
Caro Eduardo F.
A fotografia do post é uma belíssima fotografia.
Folgo muito em saber que a sua única discordância em relação ao post é a escolha da fotografia (embora eu não tenha percebido o que tem a fotografia com a boa ou a má fé).
henrique pereira dos santos
Caro Henrique Pereira dos Santos,
Parece que está muito difícil fazer entender a decisores e a empregadores que está mais que na hora de mudar de prioridades.
Excelente texto! Parabéns
Caro HPS
Eu sou um dos autores e redactores do Manifesto.
Em primeiro lugar queria dizer-lhe que a foto que encabeça o seu post não corresponde a uma central nuclear. É mais uma daquelas que costuma ilustrar os posts sobre o defunto aquecimento global, com chaminés a jorrar “dióxido de carbono”, por sinal invisível.
Em segundo lugar, queria elogiar a sua sagacidade ao descobrir a energia nuclear num Manifesto em que o termo “nuclear” não aparece uma única vez. Estou a ironizar, é óbvio, mas se estivesse no seu lugar teria tido a mesma clarividência. Qual a alternativa à política energética do pseudo engenheiro que empata o cargo de Primeiro Ministro, senão a opção nuclear?
Eficiência...? Poupança...? Isso pode trazer vantagens individuais mas globalmente não resolve o problema. Pelo contrário, há quem afirme, com justificadas razões, que um aumento da eficiência energética pode levar a um aumento global do consumo de energia.
A esse propósito é elucidativo o Paradoxo de Jevons, apresentado em 1865 e reafirmado mais tarde por outros economistas à luz da economia moderna. Em síntese, segundo o Paradoxo, os ganhos de eficiência no consumo de energia são rapidamente recuperados e ultrapassados por um aumento global do consumo, em virtude do crescimento da actividade económica que é induzido por uma utilização mais eficiente da energia.
Por isso, poupe energia que a si próprio traz benefícios, mas não pense que resolve o problema energético da humanidade com a sua poupança. As quantidades de energia que são necessárias para satisfazer tanta gente que habita este planeta são colossais e não se encontram nas ventoínhas nem nas poupanças.
Aliás, devo dizer-lhe que, pela minha parte, eu teria explicitado a proposta do nuclear no Manifesto. Votei vencido, mas enfim, em Portugal é difícil reunir um grupo capaz de afrontar o politicamente correcto de peito feito.
Por último, sugeria-lhe que estivesse presente na apresentação pública do Manifesto. Pode ser que tenha oportunidade de contestar, ao vivo, a tese dos subscritores.
Caro Jorge Oliveira,
Em primeiro lugar agradeço que tenha vindo comentar o post, de forma franca e cordial.
Em segundo lugar não percebo por que razão se interpreta a fotografia como querendo eu ilustrar uma central nuclear. Repare, o post é sobre política energética e a fotografia foi tirada de um site brasileiro que comentava a política energética de Obama. Encontrei0-a quando no google procurei imagens com a palavra chave energia. Usei esta imagem por duas razões: é muito bonita e uma excelente fotografia; é muito interessante como paradoxo da discussão energética em que cada um discute a sua dama como se todas as opções não tivessem virtudes e defeitos.
Ou seja, usei uma fotografia em que quem quiser diminuir o fumo sem diminuir a produção (seja do que for, é de economia que falo e não de energia) tem de fazer opções, não há soluções integralmente boas.
Tirando isto, o que me incomoda mais no manifesto é que não propõe nada, apesar de falar numa nova política energética. Era mais sério, como diz, explicitar a opção nuclear.
Quanto à eficiência energética, o seu argumento é um argumento malthusiano clássico que projecta para o futuro as tendências que verifica hoje, sem entrar em linha de conta com as alterações que essa trajectória provoca nas tendências. Quando diz que a eficiência energética não resolve o problema, eu respondo-lhe com o último parágrafo do manifesto: o que me interessa é discutir o preço e a competitividade (eu acrescento a resiliência do sistema) e não o que vai acontecer daqui a vinte ou trinta anos que eu não sei o que é (posso intuir, posso ter uma ideia).
A pergunta que lhe faço é se o aumento da eficiência não atrasa a necessidade de aumento da produção.
Diz-me que não porque o aumento da eficiência faz aumentar o consumo. Em quê, pergunto eu? Se é a atirar para o ar, não aumentou a eficiência, se é em produção, então conseguiu produzir mais com menos energia.
Quando é a apresentação do manifesto e onde? Se tiver possibilidade vou lá com certeza e se houver espaço para perguntas e contestações terei todo o gosto em fazer algumas das que resultam desta discussão.
henrique pereira dos santos
Caro Henrique Pereira dos Santos
Embora possa não acreditar, eu sou sempre franco e cordial, quando não me pisam os calos.
A questão da foto é secundária, mas o meu caro HPS convirá que é aborrecido, para um convicto defensor da opção nuclear, como é o meu caso (muitos dos seus leitores ficarão deliciados com a oportunidade de poderem bater num subscritor do Manifesto que se confessa...) quando vê uma foto daquelas a encabeçar um texto que contem em título a palavra “nuclear”, sabendo-se que fotos daquelas têm sido usadas para meter medo ao povão com putativas catástrofes climáticas...
Mas sim, tem toda a razão quando diz que o incomoda o facto de o Manifesto não propor uma alternativa. Eu e outros dos autores ficámos igualmente incomodados com isso. Eu próprio chamei a atenção para a possibilidade, praticamente a certeza, de que o Manifesto seria atacado exactamente por aí. Como, aliás, tem estado a acontecer.
Insisti várias vezes com os outros elementos do grupo que seríamos presos por ter cão e presos por não ter. Mas aceitei a decisão da maioria, em primeiro lugar porque tinha de ser assim para poder continuar no grupo e, em segundo lugar, porque explicitássemos ou não a solução nuclear, o prato forte das críticas seria sempre esse, levando a discussão para o ponto que me interessava.
De facto, em minha opinião, ao pseudo engenheiro não interessa discutir o Manifesto porque ele de energia não percebe nada. Se alguma coisa disser sobre o assunto será o habitual : “É só bota-baixo e não apresentam alternativas!”.
E aos promotores das eólicas também não interessa entrar em debate com um grupo em que sabem existir gente que lhes pode dar água pela barba.
Assim, seria previsível que, quer o Governo quer os vendilhões de ventanias não fizessem outra coisa senão atirar-se aos subscritores do Manifesto com a “acusação” de se tratar de um grupo de vendedores de centrais nucleares. Os palermas estão convencidos de que isso ainda pega facilmente na opinião pública. Ainda não perceberam que os ventos, finalmente, não lhes são favoráveis.
Já reparou que o pseudo engenheiro mandou para a linha da frente o inenarrável ex-ministro Pinho, um ignorante que não resistiria cinco minutos a debater política energética com quem sabe do assunto? O homem desdobra-se em declarações e até já escreveu um artigo no Expresso sobre um Manisfesto que ainda não foi tornado público, tal é a preocupação que este escrito lhes está a provocar...
Quanto à apresentação pública do Manifesto, a própria notícia do Expresso revela que terá lugar na Associação Comercial de Lisboa, no próximo dia 7. Apenas posso acrescentar que será por volta das 16:00 horas e que a Associação fica na Rua das Portas de Sto Antão, a rua do Coliseu.
O título tem nuclear, mas o post é sobre energia e polítrica energética, não tinha sentido ilustrá-lo com uma central nuclear (que qualquer pessoa sabe que não emite fumos desta maneira). Ninguém confunde esta imagem com uma central nuclear, pensei que isso fosse óbvio (mas é verdade que o óbvio é tudo menos óbvio a maior parte das vezes).
Não percebo por que razão se incomoda que lhe chamem vendedor de centrais nucleares e depois desconsidere os produtores de eólicas apenas porque defendem a produção eólica. Nem percebo sequer essa irritação com as eólicas que é a mais racional das produções a partir de fontes renováveis (descontando a grande hídrica pelos enormes impactos que tem) e a que tem mais hipótese de ser concorrencial com a produção tradicional no curto prazo.
Que este governo tem uma política pouco clara, provavelmente errada e delirantemente assene na propaganda em matéria energética estamos de acordo.
Mas não é menos delirante que as comparações de preços que tenho visto (por exemplo, comparando o custo da produção nas instalações existentes com as futuros projectos de renováveis, em vez de comparar o preço dos futuros KW nos doos casos, porque como sabe acrescentar produção não custa o mesmo que produzir a partir do que existe.
Parece-me que no dia 7 posso dedicar algum tempo à apresentação do manifesto. Se se confirmar, lá estarei.
henrique pereira dos santos
Contributos interessantes para a matéria:
«Yet nuclear power’s own myriad limitations will constrain its growth, especially in the near term. These include:
* Prohibitively high, and escalating, capital costs
* Production bottlenecks in key components needed to build plants
* Very long construction times
* Concerns about uranium supplies and importation issues
* Unresolved problems with the availability and security of waste storage
* Large-scale water use amid shortages
* High electricity prices from new plants»
e Is nuclear the answer?
Nuclear power is not the answer
to tackling climate change or security of supply, according to
the Sustainable Development Commission.
e ainda "Energia Nuclear, opção com futuro?"
Caro HPS
Não tenho qualquer irritação contra as eólicas. Apenas me indigna que uma cambada de vivaços ande a viver à custa dos outros cidadãos cobrando preços exorbitantes pela energia eléctrica de origem eólica.
E incluo nessa cambada os autarcas que cobram 2,5% das vendas das eólicas. Os mesmos que, talvez não saiba, queriam cobrar idêntica percentagem no caso da produção hidroeléctrica. Vá lá que, neste caso, alguém os mandou ter juízo.
Is nuclear the answer?Nuclear power is not the answer to tackling climate change or security of supply, according to
the Sustainable Development Commission.
Caro Jorge Oliveira,
Os 2,5% são discutiveis, com certeza, mas não vale a pena assacar a responsabilidade pela sua existência aos produtores de emergia eólica: é uma decisão do Governo democraticamente eleito que achou que as regiões produtoras de energia deveriam beneficiar desse serviço que prestam à comunidade. Eu acho um bom princípio. O mesmo em relação à hídrica, porque como sabe a instalação de uma albufeira reduz enormemente o potencial produtivo das regiões (e não me venha falar de turismo porque isso não existe em albufeiras de produção de electricidade, como não haverá em Alqueva no futuro, a não ser um turismo de terceira categoria).
O mesmo se dirá das regiões onde se instalem centrais nucleares, que verão o seu valor imobiliário baixar drasticamente.
Se os consumidores querem pagar menos, é simples, instalem a produção juinto dos consumidores, pro exemplo, uma central nuclear aqui na região de Lisboa. Aí logo se veria quem tem confiança absoluta no nuclear e quem acha que o risco de cocorrência é mínimo mas a magnitude dos impactos, a verificar-se qualquer problema, é de uma dimensão que as pessoas não estão dispostas a ter à porta.
É assim a vida.
henrique pereira dos santos
O documento é patético e roça a denonestidade intelectual. Se há energia que foi e continua a ser subsidiada é a energia nuclear. Portanto a arengada contra a subsidiação das energias renováveis não faz qualquer sentido.
HD
*Por Jorge Vasconcelos*
Seria desejável que um debate sobre política energética fosse político, no sentido de política pública, e não partidário
*
Raras são as ocasiões em que académicos, gestores e empresários se mobilizam colectiva e abertamente em torno de políticas públicas. Raras são também as
ocasiões em que a política energética é objecto de debate público.
Raríssimas são as ocasiões em que a mobilização de académicos, gestores e empresários toma como tema a política energética. A recente publicação do "Manifesto por uma nova política energética em Portugal" constitui assim um evento excepcional, como excepcionais
são as personalidades que o subscrevem. Dada a notória afinidade partidária que une a maioria dos subscritores e dado o tom partidário que imprimiram ao
Manifesto ("Os efeitos da actual política energética, principalmente no sector da electricidade, são particularmente graves") é de esperar que surja em breve um Manifesto partidariamente alternativo.
Seria desejável que um debate sobre política energética fosse um verdadeiro debate político, no sentido de política pública, e não um debate partidário, no sentido de partido político ou no sentido de partido desta ou daquela forma de energia (o presente Manifesto assume-se como anti-eólico e
anti-fotovoltaico). Para que isso aconteça, o debate deve ser factual e lógico, implacável no respeito da argumentação e intolerante em relação a lugares comuns, erros, omissões e curto-circuitos conceptuais. Infelizmente, o Manifesto agora publicado não prima pelo rigor o que faz temer um debate mais marcado por (má) politics do que preocupado com (boa) policy. Passo a explicar alguns dos erros do Manifesto, esperando modestamente poder assim
contribuir para que o debate subsequente seja mais objectivo e mais produtivo (a numeração corresponde à dos parágrafos do Manifesto):
1. "é necessário que as nossas empresas disponham de energia a preços internacionalmente competitivos"
Seguramente, todos os Portugueses com boa saúde mental subscrevem esta afirmação. O que não é legítimo é insinuar, como acontece no primeiro parágrafo, por omissão, que:
a) Preços de energia internacionalmente competitivos para as empresas instaladas em Portugal devem ser o único objectivo da política energética.
Na verdade, há que encontrar um equilíbrio entre vários objectivos, não se podendo esquecer, por exemplo, a segurança de abastecimento no curto e no
longo prazo ou os compromissos ambientais assumidos internacionalmente por Portugal.
b) As empresas instaladas em Portugal pagam os custos resultantes da subsidiação da electricidade produzida a partir de fontes renováveis de energia.
Na verdade, só os clientes de baixa tensão pagam esses custos pelo que a grande maioria das empresas não os suporta. Este facto só é referido no ponto 4 do Manifesto.
2. "A actual política energética tem vindo a ser dominada por decisões que se traduzem pela promoção sistemática de formas de energia "politicamente correctas", como a eólica e a fotovoltaica"
*
Importa salientar que a "Resolução do Conselho de Ministros que aprova a Estratégia Nacional para a Energia 2020" foi aprovada apenas a 18 de Março
de 2010 (
http://www.pcm.gov.pt/pt/GC18/Governo/ConselhoMinistros/ComunicadosCM/Pages/20100318.aspx) pelo que, independentemente do juízo que sobre essa política se faça, ela
não pode ser responsabilizada pelos males passados e presentes que o
Manifesto menciona (o facto de a Estratégia ter sido publicamente
apresentada dois dias antes de ter sido aprovada não é mais que um
lamentável act of hubris a somar a tantos outros actos de desrespeito pelas instituições; daí não é possível retirar ilações sobre o conteúdo da política energética).
Na verdade, a "actual política energética" não é muito diferente das políticas energéticas de todos os governos anteriores deste século, independentemente da sua composição partidária. Vários subscritores do Manifesto integraram ou apoiaram activamente esses governos pelo que não
deveriam permitir uma tão grosseira distorção da História.
3a. "A natureza intermitente e incontrolável das energias eólica e
fotovoltaica torna-as incapazes de satisfazer, não só a totalidade do
consumo, como a potência necessária em determinadas horas do dia e épocas do ano, o que exige que se continue a dispor de centros produtores controláveis
de substituição e a recorrer com frequência a importações de Espanha".
Em primeiro lugar, as importações de electricidade de Espanha verificaram-se e verificam-se por razões económicas e não por falta de capacidade de produção em Portugal.
Em segundo lugar, deve recordar-se que também a hidroelectricidade em
Portugal é intermitente. Em 2008, a produção hidroeléctrica (da "grande
hídrica") foi de 6441 GWh para uma potência instalada de 4578 MW; no mesmo ano, a produção eólica foi 5695 GWh para uma potência instalada, no final do ano, de 2662 MW http://www.centrodeinformacao.ren.pt/PT/InformacaoTecnica/DadosTecnicos/2009.pdf).
Apesar de a utilização da grande hídrica ter sido de apenas 1407 horas, correspondendo a uma utilização da capacidade instalada de 16%, ninguém contesta a sua utilidade.
3b. "a multiplicação de fontes primárias intermitentes (...) pode obrigar a dissipar, ou a exportar a preço nulo (!) a produção renovável em excesso"
Esta afirmação constitui um completo curto-circuito conceptual. As exportações de electricidade - em rigor, vendas no Mercado Ibérico - são valorizadas ao preço marginal do mercado e não ao preço da oferta. Portanto, se a exportação ocorre a "preço nulo" é porque o preço marginal do Mercado
Ibérico, nessa hora, foi zero. Nessas circunstâncias, qualquer exportação terá "preço nulo", independentemente da tecnologia de produção.
É incompreensível que os subscritores do Manifesto, tão preocupados com a competitividade do preço da electricidade e tão manifestamente defensores do
Mercado, não digam uma palavra sobre a ineficiência do Mercado Ibérico. Na verdade, o silêncio complacente de algumas associações industriais e de alguns meios académicos portugueses sobre o (não) funcionamento do Mercado
Ibérico de energia tem sido uma constante ao longo do tempo.
4a. "A subsidiação concedida aos produtores destas formas de energia é ainda excessiva e tem contribuído para agravar de forma injustificada os preços da energia eléctrica ao consumidor final, em particular das famílias, sobre os quais a legislação faz recair o sobrecusto da Produção em Regime Especial
(PRE)"
Entre os subscritores do Manifesto encontram-se vários gestores e
empresários que pressionaram - com sucesso - o anterior governo (XVII) a isentar as empresas do pagamento do referido sobrecusto, fazendo-o recair integralmente sobre as famílias. Quem assim actuou, na prossecução do seu - legítimo - interesse particular, não tem legitimidade para agora se arvorar
em paladino do interesse público.
4b. "face à garantia dada pelo Estado através do DL 165/2008, o défice tarifário constitui já uma forma de dívida pública oculta"
Embora a afirmação seja formalmente correcta, não o é na substância. O
défice tarifário é pago pelos consumidores e não pelos contribuintes, pelo
que não entra no cálculo da dívida pública. Num momento em que as finanças públicas do nosso país estão num estado crítico e os mercados financeiros da zona euro em estado de choque, esta afirmação é, no mínimo, infeliz.
Creio que em matéria de défice tarifário no sector eléctrico a posição que assumi em Dezembro de 2006 é conhecida e não deixou margem para dúvidas pelo que não serei certamente suspeito de simpatias pró défice. Entendo contudo que o interesse público nesta matéria não tolera nem forçaturas nem Schadenfreude.
5. "a bombagem hidroeléctrica é um processo que enferma de perdas
inevitáveis de energia, pelo que acabará por redundar no desperdício da
energia eólica e fotovoltaica utilizada na bombagem"
Como os subscritores do Manifesto bem sabem, a bombagem não é uma
tentativa ingénua de inventar o moto perpetuo mas sim, em certas
circunstâncias, uma forma económica de gerir recursos energéticos. Uma
crítica séria deveria concentrar-se na análise económica dos empreendimentos
e não no apelo às leis da termodinâmica.
7. "[as fontes renováveis] darão origem a um enorme aumento dos preços da
electricidade para as famílias e as empresas"
Sem saber como são calculados os aumentos, isto é, com base em quais
cenários, nomeadamente do preço do petróleo, o leitor não tem possibilidade
de avaliar a presunta "enormidade". Afirmações vagas deste tipo, não
quantitativas, não podem constituir uma base séria de discussão.
. "Para ilustrar a incapacidade da actual política para reduzir a nossa
dependência energética, bastará referir que em 2008, último ano de que
existem dados publicados pela DGEG, o saldo líquido da factura energética
portuguesa atingiu o valor de 8219 milhões de Euros, ao passo que em 1998
não ultrapassava 1464 milhões de Euros"
Novamente, reina a imprecisão dos conceitos. Se quisermos medir a
dependência energética devemos utilizar unidades físicas de energia e não
unidades monetárias. Consultando a "Factura energética 2008" da DGEG (
http://www.dgge.pt/) referida no Manifesto, verifica-se facilmente, no
segundo gráfico da página 3, que o volume físico do saldo importador de
produtos energéticos foi inferior, em 2008, a todos os valores registados
desde 2000, tendo-se observado, desde então, uma clara, embora moderada,
tendência decrescente.
A factura energética, expressa em euros ou em percentagem do PIB, reflecte
numerosos factores além do consumo e da produção de energia, tais como preço
dos combustíveis e taxas de câmbio que nada têm a ver com o balanço físico
de energia do país e, portanto, com o seu grau de (in)dependência
energética.
O Manifesto termina com uma exigência:
"os signatários consideram fundamental exigir uma avaliação técnica e
económica, independente e credível, da política energética nacional, de
forma a ter em conta todas as alternativas energéticas actualmente
disponíveis"
Certamente que a avaliação do impacte das várias medidas de política
energética é uma necessidade. Aliás, custa a acreditar que se aprove e
publique uma "Estratégia Nacional para a Energia 2020" sem ter procedido a
tal análise. Mas também custa a acreditar que os subscritores do Manifesto
façam nele afirmações peremptórias sem ter feito, eles próprios, essa
análise. Seria útil e sério que ambas as partes - subscritores do Manifesto
e Governo - publicassem os estudos em que se basearam. Sem submeter esses
estudos à "avaliação técnica e económica, independente" o debate não passará
de uma estéril escaramuça entre partidos ou entre lobbies interessados
apenas em vencer - e não em nos convencer.
*Ex-presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e
presidente da News Energy Solutions (NES)*
Contributos igualmente interessantes para a matéria (embora um pouco "áridos”):
Fundamentals in Nuclear Physics: From Nuclear Structure to Cosmology - Basdevant
Theoretical Nuclear Physics - Blatt
Physics and Radiobiology of Nuclear Medicine - Saha
Nuclear Reactor Analysis -
Introductory Nuclear Physics - Krane
Nuclear and Particle Physics: An Introduction – Martin
Reactor physics – Zweifel
Quantum theory – Bohm
Conduction of heat in solids – Carslaw
Radiation heat transfer – Sparrow
Fundamentals of Statistical and Thermal Physics – Reif
Hydrodynamic and Hydromagnetic Stability – Chandrasekhar
E já agora não esquecer de perguntar aos franceses o que eles pensam sobre este assunto dada a sua vasta experiência …
Grato pelo espaço.
(2 ...) Como a metalurgia está na base de todas as armas só falta sugerir que regressemos à Idade da Pedra...
Caro penúltimo anónimo,
Acha mesmo que a discussão da política energética é um problema de física? Eu por mim prefiro ue as decisões que me afectam sejam tomadas por pessoas que posso substituir com o meu voto que tomadas por especialistas numa matéria, qualquer que ela seja.
De maneira geral os especialistas têm o péssimo hábito de ser ignorantes noutras matérias e, mais do que isso, de desprezar quem não sabe o mesmo que eles (como aliás a arrogância do seu comentário bem demonstra).
Mas se um sapateiro não serve para criticar um quadro, serve bem para notar que o pintor cometeu um erro no desenho da sandália.
henrique pereira dos santos
Caro HPS,
Não tenha você um bom médico quando precisar dele, que vai logo perceber para que lhe serve o voto...
Atentamente,
Penúltimo anónimo
Caro penúltimo anónimo,
Depreendo portanto que a política de saúde deve ser decidida pelos bons médicos sem interferências dos votos. É isso?
Confesso que teria dificuldade em entregar o projecto e desenvolvimento de uma central a uma equipa que integrasse um especialista que confunde funções técnicas e funções políticas.
henrique pereira dos santos
HPS,
Tenho seguido os seus textos e comentários comentários recentes. Já percebemos que é contra a produção de electricidade a partir de centrais nucleares. Mas sinto-me desapontado porque me habituou a respostas mais inteligentes... : tem evitado responder a várias observações que lhe têm sido feitas pelos comentadores dos seus textos e confesso, também eu tenho curiosidade em saber qual a sua posição relativamente alguns temas que foram levantados.
O problema é desde o início de engenharia (como por analogia é de medicina, ou no AGW de climatologia – conforme o HPS já o defendeu diversas vezes), não é de votos, porque supostamente as vigarices não vão a votos..
Sabe tão bem como eu que o acidente de Chernobyl se deve a más práticas de operação, e uma concepção estrutural da central que não seria consentida no Ocidente. Repare bem: estou a falar de projecto e operação. Pode ter um bom projecto, mas mete um «engenheiro» duma UNI nomeado por «urgente conveniência de serviço» (como um dos comentadores muito oportunamente referiu por aqui) para chefe dos operadores, e vai ter o caldo entornado...
Como, aparentemente, vários comentadores lhe têm referido, há também o problema da água dividido entre:
1. água para alimentação e rega para a humanidade (como é que pensa fazer dessalinização? por osmose reversa? ou por aquecimento ou arrefecimento?),
2. qualidade da água nas nossas barragens,
3. o branqueamento da catástofre do Mar Aral, e o empolamento (a roçar o histerismo) dos problemas da produção nuclear, sempre que tal assunto vem ao de cimo...
Quanto ao comentário do José Góis - que não conheço - julgo que o HPS também aí não está a querer perceber a sátira...
Caro Anónimo,
Está enganado, não tenho nada contra o nuclear em si, tenho é contra o nuclear em mim.
Tirando a oportunidade de usar uma das minhas padas preferidas este primeiro parágrafo não é totalmente absurdo.
Vejamos, o que tenho procurado é discutir seriamente a questão dos preços do nuclear (matéria sujeita a mistificações de toda a ordem dos dois lados da discussão, mas o facto é que tirando a França, que adoptou uma política de Estado que não tem nenhuma relação com os custos, o nuclear não se desenvolveu ainda por não ser óbvia a sua vantagem económica), perceber se alguém tem uma solução para os resíduos (ninguém tem) e depois, discutir o mais delicado, a questão do risco (prefiro correr riscos altos de ter fenómenos de baixa magnitude, a correr riscos baixos de ter fenómenos de elevada magnitude.
Estas são as minhas objecções em relação ao nuclear.
A que me contrapõem o mar Aral, os intocáveis da Índia, o bacalhau a pataco em vez de responder ao que interessa.
Alguma vez me viu minimizar o problema do mar Aral? Sabe, as justificações para o que foi feito ao mar Aral foram tão técnicas como as que aqui me dão os engenheiros que acham que soluções técnicas resolvem questões políticas. E prometiam amanhãs tão radiosos como os que me prometem agora com o futuro do nuclear (há cinquenta anos que prometem, renegando cada demonstração de que há erros e acidentes dizendo que são fruto de tecnologias ultrapassadas e má gestão. Claro que são, mas isso sempre haverá, todas as tecnologias serão um dia obsoletas e má gestão existe sempre em muitos lados).
Se não discuto os impactos negativos das barragens neste contexto (e são muitos e sou contra a construção de algumas delas) é porque isso não passam de manobras de diversão para não discutir o essencial.
Eu sou contra a política energética deste governo, começando por ser absolutamente contra a manutenção de preços da energia (ou da água de Alqueva, ou das portagens de auto-estradas, ou de tarifas aeroportuárias) abaixo do seu preço real.
E sou contra a opacidade na formulação do preço.
E sou contra o destempero no uso das tarifas feed in para mobilizar artificialmente investimento privado sem afectar o défice.
Já escrevi num post que o défice do Estado é a maior ameaça ambiental do país, mas não é isso tudo que estou a discutir agora.
O que estou a discutir é simples: não é líquido que o nuclear seja e continue no longo prazo mais barato, a política energética não visa o menor preço mas a melhor solução, os riscos e os resíduos são dois problemas do nuclear que não podem ser minimizados.
Não vale a pena minimizar chernobyll como uma coisa que só acontece com os incompetentes dos russos porque terei naturalmente de lembrar three mile island. Não porque os novos reactores sejam iguais e não sejam muito mais seguros, mas porque as falhas identificadas, tendo menos probabilidade de ocorrer, continuam a ser possíveis, como são sempre em qualquer construção humana.
Há quem ache que vale a pena o risco, há quem ache que não vale a pena o risco.
O que tem de técnico a opção entre uma e a outra posição?
Quantoao que escreveu José Góis não a percebo de facto como sátira, porque uma sátira dirige-se a um alvo e tem um obectivo.
O que vi escrito é apenas um pobre texto sem graça, sem informação, em consistência e sem objectivo.
henrique pereira dos santos
Vamos partir «o boi às postas» para nos entendermos - se for esse o seu desejo...
Misturar e confundir Chernobyl e Three Mile Island não tem ponta por onde se pegue... seja pela contabilidade dos mortos (0 em TMI !), ou da contaminação, ou da destruição... excepto se o que se deseja é criar estados de alma...
Estudei usando vários livros da MIR, a minha opinião sobre a ciência russa não pode ser melhor, particularmente na Física e na Matemática. Agora na mistura da política e do partido (na era soviética) com tudo aquilo com que se não devia misturar, tem tristes analogias com o Portugal xuxalista de hoje... e daí devemos tirar ensinamentos (pelo menos os que, como eu, não aspiram a cargos no Governo).
Depois desta longa introdução passemos então às três primeiras postas do boi.
1. Considera que a necessidade de água potável pela Humanidade para fins de alimentação directa, higiene, e rega, é ou não um problema que tem de ser resolvido urgentemente (até 10 anos de distância, tendo em atenção o crescimento populacional)?
Se a sua resposta for positiva que solução/ões aponta para se obter água doce?
2. Qual a qualidade da água que teremos nas barragens em construção, e a que já temos actualmente no Alqueva? Pode ser usada directamente para a alimentação? depois de fervida? depois de tratada? com que tratamento? físico, químico, biológico? será que serve sequer para a agricultura?...
3. Qual a catástrofe ambiental e humana que considera mais grave: a do Mar Aral ou a de Chernobyl?
Como vê 3 perguntas simples, para respostas curtas, que nem precisam de equações diferenciais para serem dadas.
Ao contrário do que diz não estabeleci nenhum paralelo dos que diz entre chernobyl e three mile island, bem pelo contrário, afastei-os. O único paralelismo é que nos dois casos aconteceram coisas que sempre foi dito que eram impossiveis de acontecer.
Ora como diz, e muito bem, a ciência não tem problema, o que tem problema é quando se mistura a ciência com a vida, porque a política energética não é uma questão de ciência, é uma questão do quotidiano das pessoas, o que inclui a ciência, claro, mas também a política, os partidos, o dinheiro, o futebol, o fado, chispalhadas e muitas coisas mais. E essa é a questão central. O problema da energia nuclear (tirando a questão dos resíduos, que não está resolvida) não é a sua base científica, é o seu uso na vida real.
Quanto às três perguntas:
1) Não, não acho que seja um problema que tem de ser resolvido no prazo de dez anos. Acho que é um problema que vai ser preciso gerir, como a pobreza, a fome, as desigualdades, a maldade humana, a bondade humana e por aí fora. O mundo tem coisas que nunca se resolverão. Assim sendo as soluções que aponto são mais democracia, mais participação, mais conhecimento, mais responsabilidade e etc., ou seja, soluções políticas para problemas políticos. Não conheço um único problema político resolvido pela técnica, embora da inversa conheça vários exemplos. No máximo xonheço problemas políticos que parece que desapareceram porque a evolução técnica os redefiniu.
2) A qualidade da águas nas albufeiras, em especial nas nossas condições climáticas, é geralmente má. Não pode ser usada directamente para uso alimentar. Há muito que em todo o mundo civilizado deixou de haver sistemas de abastecimento de água de dimensões apreciáveis sem tratamento, portanto, nenhum sistema é de uso directo, que eu saiba (pode haver meia dúzia de exemplos em condições especiais, não sei). Sim a água de Alqueva serve para a agricultura, o que não serve é o preço político a que é disponibilizada, devia ser muito mais cara (e provavelmente Alqueva nunca teria sido construído, mesmo tendo usadas muitas equações diferenciais para o fazer e o país era hoje mais rico).
3) A que escala temporal? E já agora, que gostaria mais que fosse o seu almoço hoje: pó de xisto ou pó de granito?
Sempre alerta para servir
henrique pereira dos santos
Parece-me que já nos estamos a entender melhor, embora não compreenda a sua última observação, porque a cortesia e a boa educação é suposto servirem para os dois lados...
As suas escolhas de energia afectam as escolhas de energia de todos os outros habitantes do planeta. Já não há folgas! E que a gestão dos recursos disponíveis de água doce tem limites muito estreitos sob pena de causar impactes ambientais gravíssimos e irreversíveis (Mar Aral). Como para obter água doce precisa de energia, como é que trata de um problema sem tratar do outro? Transvazes? Barragens? Captação de água subterrânea?...
Por exemplo usando o Lexicon da KSB 3.ª edição página 359 tira da tabela que o consumo diário de água por habitante numa cidade de 50000 habitantes oscila entre os 80 a 120 litros. Como é que se propõe a obter água doce? Pode usar outra tabela (menos os números da treta do Hugo Chavez...), faça as contas multiplicando pela população do planeta e sugira lá uma forma de obter água doce sem ser por dessalinização... e quando chegar à conclusão que tem mesmo de usar a água do mar, sugira lá uma forma de se obter água em quantidade que se veja, onde é precisa, sem ser por aquecimento (vaporização = consumo de electricidade) ou arrefecimento (congelação = consumo de electricidade)... e depois diga lá admitindo um generoso rendimento de 40% para a obtenção da água doce a partir da salgada, como é que produz a electricidade para isso...
E nem entrei com contas para a água destinada a fins agrícolas...
Já nos estamos a entender também na relação entre água, energia e pessoas?
A propósito: a tragédia do Mar Aral é incomparavelmente maior em vidas humanas, impactes ambientais, e extinção de espécies. A Terra sempre teve por razões naturais lugares onde os humanos não se fixaram. Nesta perspectiva, excluindo o facto de termos sido nós a criar tais condições, Chernobyl não é diferente da fossa das Marianas ou do Pólo Sul, com a vantagem de que daqui a umas centenas de anos o problema está resolvido. Agora o que todos perdemos no Mar Aral é irreversível, e a partir daqui a variável tempo não tem puto de interesse nesta equação.
Finalmente: prefiro mesmo uma sopa de nabiças, e preocupa-me que por causa das nossas escolhas idiotas de energia, hajam uns largos milhões que só têm como escolha pó de xisto ou pó de granito. Compreende também porque penso que esse tipo de humor é de gosto muito duvidoso?
Não entendo o que tem a dessalinização a ver com a energia nuclear? É preciso energia para dessalinizar a água? Pois bem, ponham as centrais a funcionar à noite quando a a energia é abundante e barata.
O "Sempre alerta para servir"? É um lema escutista, estava apenas a dizer que estou disponível para esclarecer o que quiser e responder às perguntas, espero que não tenha considerado isso má-educação.
Quanto ao resto, Malthus fez muitos raciocínios como o seu e o seu erro de base é o de considerar que as tendências do passado se projectam no futuro imutáveis. Ora não é assim. Por exemplo, havendo escassez de água o seu preço sobre o que estimula a racionalização do seu uso, por exemplo.
Mas sobretudo continua convencido de que para resolver problemas políticos há que encontrar soluções técnicas, o que não faz o menor sentido.
Não percebo por que razão é necessário que a energia seja nuclear porque a energia solar para aquecimento é incomparavelmente mais barata (um coisa é considerar a energia solar para produzir electricidade, outra é considerá-la para aquecimento).
Para além de que não sei se tem de ser assim, por dessalinização, o futuro é uma coisa muito incerta.
Quanto a considerar o Aral como pior que chernobyl porque não há problemas em haver áreas sem gente é um critério como outro qualquer. A questão é que volta a ser uma questão política a definir no quadro das opções políticas dos cidadãos, não é tecnicamente que é possível dizer que se opta pelo Aral ou por chernobyl (para além de que atribuir a burrice do Aral à escassez de água é uma utilização muito económica da verdade. O que se passou foi que uns técnicos quaisquer entenderam que o que era bom era produzir algodão com a água que ia para o Aral e como as decisões eram tomadas de forma não democrática, aos técnicos bastava convencer os dirigentes políticos, que foi o que fizeram.
o pó de xisto ou de granito não tem nada que ver com humor negro, tem a ver com a sua vontade de que eu escolha entre duas desgraças para concluir que se uma desgraça é menor que outra já não é bem uma desgraça. Não faz sentido.
Repare que para defender o nuclear já está a definir usos para a energia que ainda nem sequer existem.
Típico de visionários tecnológicos. E muito, muito arriscado socialmente. Por isso a solução é mais democracia, não é mais técnica.
henrique pereira dos santos
Para o caro comentador preocupado com a questão da água e a solução da dessalinização
Caros HPS e MBA,
Sugiro-lhe que cruzem o link indicado pelo HPS com isto:
http://www.google.com/publicdata?ds=wb-wdi&met=sp_pop_totl&idim=country:SAU&dl=en&hl=en&q=saudi+arabia+population
Actualmente a população da Arábia Saudita anda em torno dos 24 milhões de seres, cerca de 240 vezes mais do que os 100.000 referidos no seu link, e se falarmos de todo o Médio Oriente e Norte de África... Pela primeira vez na História da Europa, a população a Sul da bacia do Mediterrâneo é superior à população a Norte.
Aproveito para referir a National Geographic de Abril. Entre as generalidades mais ou menos tontitas - mas politicamente correctas - que por lá se encontram, onde avulta um artigo dum «expert» português que nem referência ao Fluviário de Mora faz!!!!!, também existem dados correctos sobre água doce.
Ao contrário do fantasioso - ou tavez não - problema do aquecimento global, a pressão sobre os recursos de água doce, seja através de poluição, sobreexploração, barragens, e transvases, é um facto indiscutível com provas absolutamente irrefutáveis, a começar por Portugal e Espanha. Ao ritmo a que nos encontramos, em menos de 20 anos 50% das espécies de água doce terão desaparecido, e isto se os russos não se lembrarem de começar a «explorar» o lago Baikal... o ritmo de desaparecimento de espécies de água doce é (no mínimo) 4 a 6 vezes superior ao dos organismos terrestres e marítimos... algumas nem foram identificadas antes de terem desaparecido...
Democracia, ordenamento, sustentabilidade são tudo termos e conceitos de «consenso», que não resolvem nada: para exemplo basta olhar para o Trancão.
Não podemos continuar pura e simplesmente a ignorar o problema. Mesmo que se parasse instantaneamente, seriam precisos milhões de anos para repor as reservas de água tal como se encontravam à 100 anos! Estamos a falar de um sarilho à escala geológica! A única forma de resolver o problema (sem uma guerra para matar metade da população do planeta duma só vez) é obter água doce a partir da água salgada. Para isso é preciso energia! E agora expliquem lá onde é que a vão obter, sem ser através da energia nuclear. E já agora: é igualmente necessária energia para limpar os cursos de água existentes, os solos por onde passa a água que se vai tornar freática, desactivar barragens, etc, etc, etc...
Aproveito para acrescentar que não posso deixar de me sentir chocado pela indiferença, ou no mínimo pela prioridade, que usualmente os ecologistas dão à preservação dos habitats de água doce...
Obrigado pelo espaço.
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