sábado, maio 08, 2010

Countup2010

Evolução da população Neerlandesa de colhereiro (nº de casais)

Tem sido afirmado por tudo que é comunicação social (e não só) que o objetivo europeu de travar a perda da diversidade biológico fracassou redondamente. No entanto, é muito raro encontrar factos que suportam essas afirmações.

No meu entender (inevitavelmente subjetivo), isto prenda-se com três motivos:
  • tendências em biodiversidade são extremamente difíceis de medir de forma objetiva;
  • notícias e opiniões catastrofísticas são genericamente aceites sem serem questionadas, libertando os noticiadores do trabalho de consolidá-las com factos;
  • factos que confirmam perdas significativas de biodiversidade são simplesmente difíceis de encontrar na Europa.
Dou uns exemplos de factos e estudos que apontam para outra tendência na biodiversidade.

De todos os grupos de espécies, o das aves tem sido o mais estudado e conta com inúmeros estudos de longa duração. Por este motivo são entre os melhores indicadores de tendências, não somente nas suas populações, mas também para os habitats utilizados por elas. Em muitos países europeus esses estudos existem, como é o caso dos Países Baixos.

Num relatório muito recente, onde é relatada a tendência de uma centena de espécies raras e coloniais nidificantes nos Paises Baixos, publicado na revista Limosa, as conclusões genéricas são as seguintes:
Dos dados recolhidos sobre 100 espécies, de 63 se pode concluir sobre a tendência das populações entre 1990 e 2007. Dessas 63, 17 espécies têm uma tendência marcadamente positiva (27%), 23 ligeiramente positiva (37%), 12 ligeiramente negativa (19%) e 11 (17%) marcadamente negativa. Num outro estudo (MUS - Rede de Monitorização Espécies Urbanas) onde são contadas as aves em espaço urbano (período 2007-2009), das 35 espécies, 14% têm tendência marcadamente positiva, 34% ligeiramente positiva, 26% neutra, 17% ligeiramente negativa e 9% marcadamente negativa.

Em Portugal estudos de tendências em populações de aves são relativamente recentes ou são focados em espécies particulares cujos resultados não permitem tirar conclusões sobre a avifauna Portuguesa em geral. O Novo Atlas das Aves que Nidificam em Portugal compara os seus resultados com os obtidos na altura do primeiro atlas (p. 77) e a conclusão (reservada devido às diferença metodológicas dos dois levantamentos) aponta para uma predominância das espécies com uma tendência neutra (43%) ou positiva (38%) contra 19% com declínio mais ou menos pronunciado.

Eu questiono porque estes dados nunca são apresentados quando se fala do fracasso que foi Countdown2010. É óbvio que a biodiversidade enfrente inúmeros e complicados problemas, mas a visão catastrofista deve ser apoiada por factos que a comprovam, e isso tem faltado muito, por isso perde muita credibilidade para mim.

Acredito que houve perda de biodiversidade entre 2002 e 2010, em certas regiões geográficas e em certos grupos de flora e fauna. Mas acredito também que houve grandes progressos em outros. E se a mensagem é sempre que está tudo prestes a entrar em colapse biodiverso, perdemos uma grande oportunidade de encarar os desafios de forma positiva e construtiva. Acredito que é possível fazer muito para criar e proteger biodiversidade, muito mais do que se tem feito, por qualquer cidadão, grupo, empresa.

A atenção mediática devia ir para esse lado, e não no fatalismo de costume. Mas receio que "bad news sells better".

Henk Feith





4 comentários:

Miguel B. Araujo disse...

Henk,

Não é exacto que seja raro encontrar factos que suportem a afirmação que as metas de 2010 fracassaram. Aliás há uma semana foi anunciado um artigo que será publicado em breve na revista Science e que revê os indicadores internacionais de biodiversidade usados para monitorizar os objectivos políticos. Este estudo concluiu que a maior parte destes indicadores não melhorou apesar dos indicadores de conservação (i.e., investimento) terem melhorado.

Ver notícia aqui:
http://www.iucn.org/iyb/?5140/World-governments-fail-to-deliver-on-2010-biodiversity-target

De resto, é natural que haja casos positivos. Mas não convém ficarmos pela árvore. Há que ver a floresta.

Henk Feith disse...

Caro Miguel,

Desafio-te de citar três casos evidentes de perde de biodiversidade na Europa (Countdown2010 foi uma iniciativa europeia se não me engano).

A comunicação de imprensa avança com três casos: “Since 1970, we have reduced animal populations by 30%, the area of mangroves and sea
grasses by 20% and the coverage of living corals by 40%”. É de supor que utilizem os casos mais evidentes de perda para uma comunicação de imprensa. Volto eu a perguntar se estes casos justifiquem a conclusão que a iniciativa fracassou.

A "floresta" da biodiversidade é composta por árvores mortas e moribundas (perda de biodiversidade), árvores vivas (manutenção) e a regeneração espontânea de árvores (casos de recuperação e aumento). Ao contrapor com alguns casos positivos, estou em crer que estou exatamente a contribuir para uma visão da floresta em vez das árvores.

A avaliação da biodiversidade deve ser um balanço entre o que se perde e o que se ganha. Ao focar exclusivamente no que se perde (sem querer negá-lo), está se a transmitir uma visão parcial do problema.

Mas vamos esperar pelo artigo que a Science vai apresentar. Depois veremos quais os indicadores que foram utilizados.

Henk Feith

Miguel B. Araujo disse...

Henk,

A ideia do CountDown 2010 é Europeia mas foi adoptada em 2002 no quadro da Convenção da Diversidade Biológica por 191 países. É, portanto, uma iniciativa global. No entanto os objectivos Europeus são distintos dos globais. No primeiro caso o objectivo é parar a perda de biodiversidade, no segundo é reduzir significativamente ("whatever that means") a dita perda.

Não percebo muito bem o teu desafio. Basta que visites o site da "European Red List" para teres estatísticas detalhadas sobre "casos evidentes de perda de biodiversidade" e é óbvio que são mais de 3 (http://ec.europa.eu/environment/nature/conservation/species/redlist/), sendo também óbvio que o objectivo da perda de biodiversidade na Europa não foi alcançado.

Quanto artigo da Science não é preciso esperar. Tenho todo o gosto em enviar-te o manuscrito que me foi facultado pelos autores. Verás que os autores referem tanto os ganhos como as perdas mas as perdas são mais significativas que os ganhos (e passo a citar o artigo):

Our analysis suggests that biodiversity has continued to decline over the past four decades, with most (8 out of 10) state indicators showing negative trends (Fig. 1 and Table 1). There have been declines in: population trends of (i) vertebrates (13) and (ii) habitat specialist birds; (iii) shorebird populations worldwide; extent of (iv) forest (14, 15); (v) mangroves; (vi) seagrass beds; and (vii) the condition of coral reefs. None show significant recent reductions in the rate of decline (Table 1), which is either fluctuating (i), stable (ii), increasing (vii), based on too few data to test significance (iiivi), or stable following a deceleration two decades ago (vii).
Two indicators, freshwater quality and trophic integrity in the marine ecosystem, show stable and marginally improving trends respectively, which are likely explained by geographic biases in data availability for the former, and spatial expansion of fisheries for the latter (5). Aggregated trends across state indicators have declined, with no significant recent reduction in rate: the most recent inflection in the index (in 1972), was negative (Fig. 2). As there were fewer indicators with trend data in the 1970s, we recalculated the index from 1980, which also showed accelerating biodiversity loss: the most recent inflection (2004) was negative. Finally,aggregated species’ extinction risk (i.e. biodiversity loss at the species level) has accelerated: the IUCN Red List Index (RLI), measuring rate of change (16, 17), shows negative trends."

(continua...)

Miguel B. Araujo disse...

(continuação...)

Facto, aliás, que não é de estranhar pois as pressões sobre a biodiversidade continuaram a aumentar (e volto a citar o artigo):

"The majority of indicators of pressures on biodiversity show increasing trends over recent decades (Fig. 1 and Table 1), with increases in: (i) aggregate human consumption of the planet’s ecological assets; (ii) deposition of reactive nitrogen; (iii) number of alien species in Europe; (iv) proportion of fish stocks over-harvested; and (v) impact of climate change on European bird population trends (18). In no case was there a significant reduction in the rate of increase (Table 1), which was stable (i, iii, v), fluctuating (iv), or based on too few data to test significance (ii), although growth in global nitrogen deposition may have slowed, and this may explain why the most recent inflection in aggregated trends (in 2006) was negative (Fig. 2) (5). Global trends for habitat fragmentation are unavailable, but it is probably increasing, e.g. 80% of remaining Atlantic Forest fragments are <0.5 km2 in size (19) and 59% of large river systems are moderately or strongly fragmented by dams and reservoirs (20)."

Quanto à árvore e a floresta o que queria dizer é que não vale a pena extrapolar o que observamos no nosso jardim, num dado dia de sol, para o planeta (ou Europa se preferires apenas falar deste caso). Esse é o mesmo erro que fazem muitos negacionistas quando tomam um dado evento meteorológico por indicador climático. Dito isto, simpatizo com a mensagem do teu post que é a de que não vale a pena pintar o quadro apenas negro quando existem sinais positivos. O objectivo do meu comentário é apenas salientar que não vale a pena incorrer no erro contrário que é negar as evidências negativas para melhor fazer brilhar os casos positivos.