sexta-feira, maio 07, 2010

Crítica

"O seu raciocínio está construído com base em erros de análise e especulações e é com base nisso que resolve atacar o trabalho de outros profissionais."
É uma frase de um comentário a um post mas é uma ideia que ouvi vezes sem conta. Lembro-me de algumas dessas vezes, por exemplo com base nos meus comentários antigos sobre mortalidade de indivíduos e afectação de espécies.
Trabalhei muito tempo com avaliação de impacte ambiental e assumi a responsabilidade de impôr muitas obrigações a promotores, quer para que houvesse informação para avaliar a afectação, quer para que se monitorizassem os efeitos concretos dos projectos para se avaliar se estavam ou não a afectar os valores em causa.
Em muitos casos essas imposições, que eram pesadas e caras, diziam directamente respeito à avaliação de mortalidades porque a avaliação de mortalidades não é inútil e é importante em alguns casos.
Acontece que verifiquei, muitas e muitas vezes, que a avaliação de mortalidades era confundida com avaliação de impactos sobre as espécies.
Um dia, exactamente em Évora, num seminário sobre estruturas lineares e biodiversidade, um colega meu do ICNB apresentou os resultados da avaliação de mortalidades em abetardas provocada por uma linha eléctrica. Para meu espanto, durante toda a sua comunicação, nem uma única vez referiu o facto da população de abetardas ter aumentado cerca de 50% desde a instalação da linha eléctrica. No período de debate fiz notar que o paralelismo que tinha sido feito na comunicação entre mortalidade e afectação carecia de ser mais bem demonstrado porque exactamente a população de abetardas tinha aumentado significativamente desde que aquele novo factor de mortalidade existia. Foi-me repondido que esse aumento se devia a outras razões, que era possível que não fosse um aumento real mas uma concentração de indivíduos que estavam a diminuir noutras áreas e outras coisas do género (notei, mas não comentei, que em grande parte das discussões sobre afectação de abetardas por projectos não se aceitavam medidas de minimização que implicassem a criação de condições semelhantes noutros locais dada a fortíssima filopatria das abetardas, que aparentemente já não era tida em conta nas explicações lógicas para a concomitância entre um novo factor de mortalidade e o aumento de populações).
Não fiquei convencido porque já tinha lido muitas coisas sobre mortalidades, referentes a outras espécies, em que cada mortalidade detectada era apresentada como um novo e determinante factor de extinção das espécies (com gráficos de longo prazo sobre o efeito deletério dessa pequena mortalidade) mas a realidade da dinâmica das populações apontava noutro sentido.
Em qualquer caso o meu colega do ICN veio ter comigo mais tarde a recriminar o meu comentário, não porque ele estivesse errado, mas por, no entender do meu colega, ser uma inaceitável quebra de lealdade institucional. Expliquei pacientemente que essa lógica era profundamente prejudicial às instituições porque as obrigava a silenciar os seus erros e não os corrigir e, para além disso, permitia que pessoas com agendas pessoais instrumentalizassem as instituições contando com a falta de crítica de terceiros amarrados a uma definição de lealdade institucional que implica ausência de crítica (para quem tiver dúvidas sobre isso, estude o leninismo e o centralismo democrático).
Agora de novo, pelo simples facto de eu discordar do uso da mortalidade de indivíduos como sinónimo de afectação de espécies sou de novo acusado de "atacar o trabalho de outros profissionais".
A acusação é um espelho de uma sociedade avessa ao debate e prisioneira de solidariedades pessoais e institucionais que se sobrepõem à procura da verdade e das melhores soluções.
Não contem comigo para esse peditório.
Na minha ética, criticar de forma directa, clara, sem ataques pessoais e assinando por baixo é apoiar o trabalho de outros profissionais.
Por alguma razão as empresas mais eficientes são as que mais se preocupam com as queixas e reclamações. Ou seja, aquelas para quem a crítica, mesmo que errada, mesmo que injusta, é a forma mais barata e eficiente de os ajudar a fazer melhor.
henrique pereira dos santos

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