quinta-feira, junho 24, 2010

A responsabilidade das empresas e eu (um post narcisista)

Há alturas em que me farto das acusações pessoais que me são feitas simplesmente por pensar e, mais escandaloso, dizê-lo, sem pedir autorizações.
Uma das acusações frequentes, mais explícitas ou mais implícitas, é a de que eu penso assim porque tenho interesse em manter boas relações com quem tem dinheiro, nomeadamente as grandes empresas e os grandes grupos económicos. E por isso desresponsabilizo sempre as empresas.
Vejamos algumas coisa que fui fazendo na vida.
Fui responsável pela gestão de pedreiras do Parque Natural das serras de Aire e Candeeiros. Executei uma estratégia de gestão em grande parte formulada pelos vigilantes da área protegida e que assumi como minha e defendi muitas vezes.
Essa estratégia assumia um foco inicial nas grandes pedreiras com alguma condescendência inicial com as pequenas pedreiras de calçada (o estúpido que eu sou, em meter-me com o grupo Lena, o João Cerejo, os sub-contratados das auto-estradas, sectores exportadores e outros interesses que me poderiam rapidamente fazer ficar rico, em vez de ir ter com os pequeninos, que dava na mesma o aspecto de se estar a fazer alguma coisa, mas não afectava os meus interesses de relacionamento com alguns grupos económicos importantes regionalmente e um ou outro com importância nacional).
Nessa estratégia havia uma linha mestra que era a da responsabilização das empresas pela recuperação das pedreiras após exploração.
Discutir com a entidade de tutela (sempre, sempre do lado dos exploradores, mais papista que o papa como fui aprendendo que acontece sempre), provocar alterações na legislação, aturar os exploradores a dizer que iam à falência, explicar aos bancos como se poderiam fazer garantias bancárias para aqueles casos, foi preciso fazer isso tudo, fugindo sistematicamente à proposta, a cada dificuldade, de que se pagaria um x para a administração que depois já tinha dinheiro para recuperar pedreiras.
Quando saí desse processo, as cauções eram triviais, completamente assumidas e verdadeiramente prestadas. Pelo meio fiz muita fiscalização, ouvi muitas ameaças mas sobretudo vi pessoas completamente desesperadas pelas ordens de fecho da pedreiras. As pessoas mais desesperadas não eram necessariamente os maiores empresários, eram os que sabiam que paragem das pedreiras era para eles um problema, mas era sobretudo um desespero para as famílias dos seus trabalhadores que dependiam inteiramente da actividade.
Distingui perfeitamente o choro da "mulher que chora", assim conhecida pelos funcionários do parque porque todas as reuniões com ela metiam a deficiência do filho e longas sessões de choro, do choro verdadeiramente desesperado (e silenciosamente reprimido pelos próprios) de empresários curtidos por horas infindas de trabalho duro nas pedreiras.
Valeu-me provavelmente conhecer quase de cor a letra do Chororô do Gilberto Gil, que aconselho a quem tenha de distinguir o choro das pessoas com quem se cruza.
Por isso conheço bem os dois lados da responsabilidade das empresas, o que não me impediu de manter a responsabilidade ambiental sempre, sempre do lado das empresas e de ir à procura dos mecanismos para que ela fosse efectiva.
No caso das pedreiras com as cauções, nos impactos ambientais com o conteúdo das DIAs, incluindo uma frase, que penso que entretanto deixou de constar das DIAs, que dizia que se alguma afectação de valores fosse reconhecida no decurso da execução e operação do projecto mas não no processo de aprovação, e se a sua ausência do processo de aprovação se devesse à má qualidade dos estudos apresentados (há coisas que é impossível verificar sem fazer todo o trabalho dos estudos outra vez, o que é impensável), a responsabilidade era do promotor, incluindo, se necessário e dependendo dos valores naturais em causa, a inviabilidade do projecto.
Esta frase causou probemas enormes de financiamento a alguns projectos e como digo constava de decisões de AIA por minha responsabilidade (resultava de um processo de AIA de uma barragem em que depois se tinha descoberto uma população de margaritifera mas não havia nada a fazer porque o projecto estava aprovado,com a consequente co-responsabilidade da administração na definição da situação de referência) e desapareceu depois, penso eu.
Do mesmo modo insurgi-me neste blog violentamente contra a norma do novo regime jurídico de conservação que permite substituir a responsabilidade dos promotores na execução de medidas compensatórias por pagamentos ao Estado que assim assume essa responsabilidade (onde estavam vocês, os campeões da responsabilização das empresas, que não me lembro de vos ouvir contestar esta norma que é uma porta aberta à corrupção e que penso que já está em uso na barragem de Foz Tua?).
E durante os tempos em que tive responsabilidades em matéria de AIA, fui responsável por chumbar projectos da SONAE, da EDP, do grupo Espírito Santo e por aí fora. Uma das hipótese é eu ser um grande negociante e esse chumbos serem todos para fazer subir o preço dos pareceres positivos (só não funcionou no Freeport em que depois do parecer negativo fui substituído no processo). Outra hipótese é irem ler os processos e verificarem que na esmagadora das vezes estes chumbos se prendiam com a falta de garantias dos promotores quanto à assumpção de responsabilidades pelos potenciais impactos negativos dos seus projectos.
E esta minha obsessão com a responsabilidade das empresas causou-me amargos de boca que bastem, para além de inegavelmente ter condicionado a minha carreira como "civil servant".
Não me queixo disso. Mas tenho bem mais que fazer que aturar acusações de quem nunca fez sequer metade do que eu fiz em matéria de responsabilização ambiental de empresas.
Portanto, meus caros, quando vos vejo tão acirrados em relação à BP por fazer parte do sector petrolífero, ao mesmo tempo que não respondem directamente à pergunta que faço constantemente "por que razão se encarniçam tanto com a EDP, que faz alguma coisa, e estão tão calados em relação à sua concorrente GALP, que não faz nenhum em matéria de biodiversidade" não deixo de ficar perplexo.
E mais perplexo fico quando dizem ou insinuam que esta pergunta tem como objectivo desresponsbilizar a EDP, fazer greenwashing a favor desta empresa porque eu devo ter uns negócios escondidos com esses bandidos que vos fornecem a electricidade que vos permite insultar-me a partir dos vossos computadores.
E se aproveitassem estes dia bonitos de sol para ir dar uma volta para arejar essas cabeças?
henrique pereira dos santos

6 comentários:

José M. Sousa disse...

Pelo amor de Deus, a mim, pelo menos, não me ocorreu acusá-lo do que quer que seja a este respeito.

joserui disse...

Olhe uma coisa... Este post não tem qualquer sentido.
Publica o curriculum que aparentemente quer comparar com o de quem nunca trabalhou na área ou para o Estado. Não diga que o critico sem ter feito metade: é sem ter feito nada. Mas é irrelevante para a discussão anterior e sabe muito bem disso.

Acredite no que quiser, mas uma ideia que fui formando é a da sua honestidade e verticalidade. Além disso, mesmo quando não concordo e sou vocal, faz-me pensar nos assuntos e além da perda de tempo não vejo consequências muito negativas destas trocas mais acesas. Por outro lado, não vejo aqui propriamente multidões a concordar com os seus posts. Deve ser uma maioria silenciosa.

Há picardias? Também da sua parte. Não se responde ao essencial? Também da sua parte, porque o nosso essencial é o seu lateral. Ignoramos altos estudos? Também o HPS e saca só o que lhe interessa. Mas isto onde quer dizer que tem "interesses"? Não gosta do meu estilo... huh... caricatural? Também eu não gosto do seu estilo áspero e com a autoridade de quem fez muito contra quem não fez nada.

Como acaba a discussão anterior a afirmar que o insulto pela segunda vez, tendo inexplicavelmente esperado — sei lá —, 70 comentários de discussão minimamente decente para o fazer, resta-me desejar-lhe uma continuação dae boa tarde e boa sorte. -- JRF

trepadeira disse...

Meu caro Henrique.

Nunca senti grande necessidade de me justificar.Perdoar-me-á,a sua justificação é demasiado longa,só li em diagonal,também por absoluta falta de tempo que,julgo,já se entenderá.
Ficou a última frase "dar uma volta para arejar essas cabeças".
Como todos precisamos,de quando em vez,uns mais outros menos,arejar a cabeça,aqui fica uma sugestão:
A Fundação Trepadeira Azul realiza um concerto NATURALISMOS,amanhã,dia 27 de Junho de 2010,pelas 21,30 horas,na sede,Quinta Santo António-Santa Maria de Porca-Aldeia Viçosa-Guarda.
ENTRADA GRATUITA.
MAIS INFORMAÇÕES www.trepadeiraazul.com

O concerto tem o apoio do Teatro Municipal de Guarda.
Tem o voluntariado de dezenas de anónimos interessados em preservar a natureza,desde o gráfico que elaborou o cartaz ao pequeno comércio tradicional que ofereceu o marcador fluorescente,sem que lhe pedisse,para sinalizar o percurso até à fundação.
Gente que preserva também com o coração,além do entusiasmo e dedicação,sem nada esperar,ou pedir em troca.
Tem também o apoio,como todas as iniciativas da fundação,dos nossos amigos artistas que,sem também nada esperarem ou pedirem em troca,oferecem obras de arte,trabalho e,sobretudo,apoio.
É com esta gente que queremos continuar a caminhada e não com outra.
Reduzindo os custos mas não a qualidade.
Qualidade reconhecida,mesmo pelo gabinete da Senhora Ministra da Cultura,mandando fazer a divulgação.
Cordialmente,
mário

Anónimo disse...

HPS,
Todos temos direito a opinião e a expressá-la. Mas verifico que continua a falar do que não sabe. E muito provavelmente é a isso que se devem alguns comentários.
Tome lá uma diferença enorme entre a EDP e a GALP: uma tem um monumental défice tarifário, e a outra é a maior repartição de finanças do país...
Aprecio e - a maior parte das vezes - concordo com os seus textos sobre o ordenamento do território. Mas noutros temas - como o da BP - já não é assim.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Anónimo,
O que pergunto é porque razão se critica o desempenho ambiental da EDP, que faz alguma coisa pela biodiversidade, e se está calado perante a GALP, que não faz nenhum nessa matéria. Ora isso não tem nenhuma relação com o argumento que usa. Que aliás nem sequer é rigoroso. A EDP não tem défice tarifário nenhum, quem tem é o País, fruto de uma política populista de estabelecimento de uma tarifa energética aos consumidores que é artificialmente baixa.
É verdade que escrevo sobre muitas coisas de que percebo pouco (isto é um blog, nada mais) e com isso aprendo muito quando as pessoas discutem argumentos em vez de discutir pessoas.
Mas garanto que não sou o único a dizer asneiras.
Já agora, quanto à BP não concorda exactamente com o quê, das várias coisas que eu disse?
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro HPS,

Pois é artificialmente baixa! Mas devia ser realmente baixa, e não é!
O custo da energia é fundamental para que o sector secundário seja competitivo. Conhece algum país desenvolvido da dimensão de Portugal onde isto não aconteça?
Ou que tipo de exportações podemos fazer com preços de energia elevados? Já se apercebeu do que sucedeu a toda a indústria do vidro, da cerâmica, da metalomecânica, etc, etc, etc, em Portugal? Sabe que o custo da energia representa mais de 70% de alguns deste produtos? E é melhor nem falarmos da qualidade da electricidade que a nossa rede disponibiliza....

As barragens têm impactes ambientais graves, muito graves até! E as aspirinas proporcionadas pela EDP não passam disso mesmo: aspirinas. Mas neste tema estou convencido que alguns dos colaboradores do blog o podem esclarecer muito bem, e melhor do que eu, sobre este assunto.

E, evidentemente, o plano em curso vai agravar os problemas ambientais e o défice tarifário.

Por outro lado já um (ou vários?) comentadores lhe disseram que a BP tem um registo negro de acidentes. Indicaram exemplos nos EUA. Pois bem: tome lá 3 exemplos portugueses reveladores de um padrão.

1. A BP tem em funcionamento um parque na Ria Formosa em Faro.
2. As especificações de engenharia usadas para a construção da CLC não devem nada à BP, só à GALP e à Shell.
3. As instalações da BP em Cabo Ruivo estavam tão contaminadas como as das outras companhias.

O que aconteceu no golfo é a consequência inevitável de anos de políticas de redução de custos da BP, que aliás é patente no que já se sabe do acidente.

E fico-me por aqui, porque senão ainda deixo de ser anónimo, e não quero deixar de o ser.

Obrigado pela atenção e pelo espaço.