domingo, julho 18, 2010

Perplexidade

Fotografia de L. Seixas, tirada daqui
Vejo hoje na Pública uma professora da Universidade Nova, especialista em desertificação, dizer que o Alentejo o olival intensivo pode conduzir à desertificação (Maria José Roxo faz muita questão de deixar claro que desertificação e despovoamento são coisas muito diferentes, o que até é verdade mas é uma verdade inútil porque o significado das palavras é estabelecido pelas pessoas que as usam e não pelas academias).
No seguimento fala da vocação do Alentejo para outras produções alternativas dando, entre outros, o exemplo da produção de cereais.
Fiquei perplexo.
Alguém sabe de algum estudo comparativo dos efeitos de deplecção da fertilidade do solo com o olival intensivo (ou mesmo super intensivo) e com a cultura de cereais no Alentejo?
O mito de que o Alentejo tem um enorme potencial de produção cerealífera dura há pelo menos 150 anos e tem sido responsável, pelo menos parcialmente, por políticas agrícolas erradas e fortemente degradadoras dos solos do Alentejo.
O olival intensivo (e super intensivo) é matéria que me interessa porque vejo ali ameaças e potencialidades mal estudadas do ponto de vista da biodiversidade e não percebo as afirmações feitas que me parecem mais ideológicas que assentes em medições empíricas.
henrique pereira dos santos

10 comentários:

João Carlos Claro disse...

Caro Henrique
Em primeiro lugar, não entendo a tua antipatia sobre a ênfase na distinção entre “desertificação” e “despovoamento”. Sempre a fiz e faço questão de continuar, apesar de no discurso político e coloquial apenas ser utilizada o termo desertificação. Este, utilizado em agronomia, tem a ver com a perda de fertilidade do solo decorrente directamente da erosão ou da salinização dos solos ou derivada da redução de precipitação. Pelo contrário, despovoamento é um termo da geografia humana, que pode estar ou não dependente dos fenómenos de desertificação. Sendo a nossa língua tão rica, não existe uma razão objectiva para a sua simplificação.

Depois, creio que a tua leitura da entrevista a Maria José Roxo não é a mais correcta. À pergunta sobre o uso do solo, a resposta foi que o olival intensivo / super-intensivo poderá ter consequências que convém equacionar, nomeadamente o incremento de fitofármacos e a contaminação de águas subterrâneas. A alternativa passa pela diversidade de culturas, não apenas de cereais, mas também pelo montado e pastagens. Como sabes, no Alentejo a cultura do olival até há cerca de 10-15 anos estava praticamente limitada a solos de origem carbonatada, nas zonas de Sousel/ Estremoz e de Moura. Os “barros de Beja”, entre Serpa e Ferreira do Alentejo apesar de terem aptidão para o olival, continuaram a ser cultivados com cereal, por ser considerada uma cultura com maior rentabilidade económica. Neste momento, temos grupos empresariais espanhóis e italianos, alguns deles porventura ligados ao sector imobiliário em crise, que aproveitando as generosas ajudas do PRODER e a água barata, estão a produzir de forma intensiva nessas terras, com variedades que começam a produzir ao 3º ano e daqui a 10 ou 15 serão arrancadas. Resta saber em que condições ficarão esses solos e quanto custará ao país esta moda.

Quanto aos cereais de regime extensivo em rotação com pousios, é verdade que culturas mal instaladas geram médio ou elevado risco de erosão. Mas utilizando práticas de sementeira em curva de nível, com sementeira directa ou mobilização mínima, esse risco é diminuído. Para além disso suportam uma elevada diversidade de espécies, cuja riqueza é inversamente proporcional à quantidade de biocidas utilizados. Falta responder à questão porque motivo há tanto empenho e celeridade no financiamento à instalação de olival e tão pouco relativamente às ITI’s e na remuneração dos serviços ambientais prestados pelos agricultores nas áreas de sequeiro.
Já existe um razoável conhecimento sobre espécies dependentes dos sistemas cerealíferos de sequeiro. Ficamos a aguardar os resultados de estudos a serem realizados em olivais intensivos, para responder à tua (e minha) última dúvida.

Henrique Pereira dos Santos disse...

João Carlos,
Nennhuma antipatia mas fico sempre perplexo perante um rigor tão grande na linguagem e alguma condescendência perante a falta de rigor na substância.
Não percebo por que razão falas em grupos italianos e espanhóis visto que um dos maiores investidores em olivais super intensivos no Alentejo é uma parte da família Mello através da Sovena (azeite Oliveira da Serra, um dos líderes de mercado). Não sei o que anda a fazer o Roquette mas suspeito que também tem por aí uns hectares.
O interesse no olival é claro: há mercado crescente que remunera bem o azeite.
A moda dos cereais no Alentejo, se queres pôr as coisas nesses termos, também é relativamente recente (repara no post anterior como a população, e nessa altura estamos a falar sobretudo de população rural, do Alentejo cresce mais de cem por cento de 1874 a 1960, ano em que a descida aliás já começou).
A resposta, e daí a minha perplexidade, fala em vocação do Alentejo para produzir cereais. Ora é isso que tenho as maiores dúvidas. Há alguns sítios que têm de facto alguma vocação nesse sentido (relativa) mas a grande maioria do Alentejo não tem vocação nenhuma para produzir cereais, que como digo é uma moda nova que foi vingando durante algum tempo à custa do consumo crescente de adubos inorgânicos.
Sobre o preço político da água e a falta de vontade da tecno-estrutura do Ministério da Agricultura pagar os serviços ambientais prestados pelos agricultores dispenso-me de me repetir e remeto para os vários posts que fiz sobre isso.
henrique pereira dos santos

João Carlos Claro disse...

A Sovena comprou a Herdade dos Machados ao grupo espanhol SOS. Se pesquisares, podes verificar que esta herdade foi parcialmente vendida em 2008 ao grupo espanhol Âncora. Não disse que todo o olival é explorado por espanhóis, mas foram estes a impulsionarem a sua exploração na forma intensiva.

Quanto à vocação do Alentejo para a produção de cereais, tens aqui a minha opinião:
http://pygargus.blogspot.com/2010/05/o-actual-declinio-dos-cereais-de-outono.html

Luís Lavoura disse...

Excelente post.

Já com os eucaliptos foi a mesma coisa, a dizerem que os eucaliptais iam dar cabo dos solos. Passaram trinta anos, os eucaliptos cá continuam e os solos, também.

De cada vez que vem uma nova cultura, levantam-se logo as vozes ambientalistas-conservadoras.

Luís Lavoura

Carlos Aguiar disse...

Partilho da tua perplexidade. É surpreendente como o conceito de desertificação é um escravo das ideologias dominantes. Argumenta-se com os efeitos, nem sempre comprovadas, da salinização, dos pesticidas e das perdas se solo por erosão; desvaloriza-se a mineralização da matéria orgânica e a depleção de nutrientes, que aliás saltam aos olhos, basta olhar paras as montanhas portuguesas e para as peneplanícies cerealíferas do Baixo Alentejo.
A referência recorrente a uma hipotética elevada diversidade específica das pseudoestepes cerealíferas depende, claro, do referencial. Uma parkland com cereais, olivais e pastagens é incomparavelmente mais diversa (a várias escalas) do que aquilo que vemos em Castro Verde, pelo ao nível das plantas vasculares.

Henk Feith disse...

Caro João Carlos,

Não percebi qual a relevância da nacionalidade das empresas que investem em olivais intensivos. O que entendo das suas palavras é que a mesma cultura com os mesmos impactos ambientais é pior quando é desenvolvido por uma entidade estrangeira. É isso?

Henk Feith

Henk Feith disse...

Caro Luís,

Há uma evidente tendência de estigmatizar espécies em relação com o seu suposto impacte ambiental. Há os eternos bons (os sobreiros, azinheiras, castanheiros etc.), os eternos mais (os eucaliptos, os pinheiros, as acácias etc.) e os que estão a deixar a malta confusa por causa da sua transição de uma cultura extensiva para intensiva (olivais, vinhas, pomares etc).

Acontece que não é a espécie que determina o impacto, mas sim a maneira como é ela gerida. Podemos ter montados de sobro catastróficos em termos de gestão, com impactes negativos muito significativos (não é difícil encontrar exemplos por aí fora) como há eucaliptais sem qualquer impacte significativo e vice versa. Por isso é muito redutor associar uma dada espécie à ocorrência ou não de um impacte ambiental significativo.

Mas admito que dá muito mais trabalho (e esforço mental, agora já) analisar a qualidade da gestão.

Henk Feith

Henk Feith disse...

onde escrevi "eternos mais" deve-se ler "eternos maus", claro.

Henk

Anónimo disse...

Não tem nada a ver com isto, mas mandei um dia destes um email à Sovena a perguntar se vendiam sabão azul e branco em flocos, como os franceses vendem (em embalagens chiquérrimas) sabão de Marselha, e ninguém me respondeu. Se calhar encontro desse sabão de Marselha em embalagens chiquérrimas no Corte Inglés.

IsabelPS

João Carlos Claro disse...

Caro Henk

Não querendo insistir na nacionalidade das empresas e sendo a minha opinião apenas baseada em dados empíricos, apenas quis deixar nota que muitos dos olivais intensivos no Alentejo estão a ser geridos por empresas (estrangeiras ou nacionais) que anualmente têm de prestar anualmente contas a accionistas, logo com investimentos a serem orientados para a maximização de lucros a curto prazo.
É bastante diferente da perspectiva do agricultor individual que pretende tirar proveito financeiro no presente sem comprometer a fertilidade do solo que vai deixar em herança aos seus filhos.
Posso ter uma visão idealista sobre o mundo rural, mas não posso esquecer as imagens de Thierry Roussel no Brejão, com Cavaco Silva ao lado a aplaudir e a afirmar que se tratava uma exploração exemplar.
Assim, nada tenha contra olivais intensivos ou outra qualquer opção de utilização do solo desde que seja garantida a sustentabilidade ambiental.