segunda-feira, julho 12, 2010

Um país milionário

Tenho alguma contenção nos comentários sobre a actuação da actual presidência do ICNB, sobretudo em matérias que foram da minha responsabilidade.
Mas acho que há contenção que a manter-se se transforma em cumplicidade e para isso não estou disposto.
Ao longo do fim de semana fui lendo aqui e aqui e aqui sobre a visitação na RNET.
Talvez valha a pena lembrar meia dúzia de coisas anteriores.
Há já bastante tempo foi lançado um concurso público para desenvolver um estudo sobre a comunicação e visitação nas áreas protegidas.
Esse concurso levou à adjudicação a uma das sete equipas concorrentes (seis delas integrando antigos presidentes e vice-presidentes do ICNB), adjudicação essa que foi ferozmente atacada no Diário de Notícias por suposto favorecimento de antigos governantes do PSD. A jornalista que fez a peça é uma conhecida fretista próxima do PS e nunca conseguiu provar uma única das suas insinuações (mais jornalistas atraídos pelo cheiro a sangue consultaram o processo sem encontrarem uma única irregularidade ou mesmo estranheza no processo de concurso. A única coisa estranha parece ter sido o facto de ser um concurso importante feito de forma linear, transparente e completamente limpo).
Foi pelos vistos o primeiro round do aparelho do PS para conseguir entregar mais algum dinheiro público a gente do regime, mas que circunstâncias particulares impediram que desse resultado.
Não vou falar dos resultados da adjudicação porque estão claramente visiveis na página do ICNB, abertos ao escrutínio de qualquer pessoa.
Mais tarde uma pequena comissão de pessoas do Instituto do Turismo, dos hoteleiros, da equipa do estudo e do ICNB (espero não me esquecer de ninguém) desenvolveu um trabalho de aplicação concreta procurando envolver os principais agentes fundamentais para aplicação do estudo.
Durante todo este processo houve intensa discussão interna e externa sobre as opções de visitação e comunicação do ICNB.
O estudo não é seguramente perfeito e tem opções discutíveis (eu que participei no seu acompanhamento e aprovação seguramente teria meia dúzia de coisas sobre as quais gostaria de ter mais certezas) mas no essencial é um bom estudo, bastante exaustivo e com uma lógica muito consistente.
Mal mudou a Presidência do ICNB o estudo deixou de ser critério para a definição dos investimentos do ICNB nesta matéria, passando a vigorar o altíssimo (e seguramente aberto, transparente e democrático) critério do Director do Departamento respectivo, sem qualquer articulação entre os diferentes directores e os diferentes critérios (mesmo com cada director não é seguro que o critério seja o mesmo para todo o departamento).
De forma insidiosa e sistemática se foi fazendo crescer a ideia de que o estudo não servia, que não tinha sido exaustivo (leiam o link que deixo acima para aferir esta patetice), que as pessoas não tinham sido ouvidas (uma pura mentira, tanto mais indigna quanto era muitas vezes usada por pessoas que tinham estado muito envolvidas no estudo e o conhecem perfeitamente mas que sentindo o vento a mudar acharam melhor mudar rapidamente de cavalo).
Agora vejo que finalmente, sob o alto patrocínio do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Sr. Dr. António Costa, um rapaz sem qualquer influência no PS, parece que vão começar tudo de novo.
Tudo está bem quando acaba bem.
Finalmente o aparelhismo do PS parece estar em condições de conduzir a aplicação do dinheiro público que possa vir a estar disponível para a visitação das áreas protegidas, de forma a que não haja percalços e seja entregue a quem o merece.
Uma manobra que parece ter o também alto patrocínio do Sr. Presidente do Turismo de Portugal, antigo chefe de gabinete de Guterres e Sócrates e, ao que me dizem, um dirigente político que tem conduzido a sua carreira política mantendo a promessa que terá feito quando perdeu a única eleição a que concorreu: a presidência da Juventude Socialista.
Aos anos que isso foi. E a derrota ter-lhe-á sido tão amarga que terá prometido nunca mais concorrer a nenhum cargo electivo (pelo menos daqueles em que a eleição não é garantida, porque há lugares de deputado, por exemplo, que sendo em teoria electivos são na verdade nomeações). O que parece que tem cumprido.
O que o tem habilitado a uma carreira política sempre em ascenção, sem percalços de maior.
É assim, somos um país milionário, que nos damos ao luxo de desperdiçar o dinheiro dos contribuintes apenas para satisfazer birras pessoais e partidárias que todos conhecemos do tempo em que alguns donos da bola só deixavam os outros jogar se fossem eles a escolher a equipa em que jogavam, para terem a certeza de que ganhavam sempre.
E vale a pena acrescentar que se a relação de forças fosse a inversa é bem provável que tudo se tivesse passado apenas trocando PSD e PS onde aparecem escritos no post.
As ONGAs?
Parece que não sabem de nada. Desconhecem o que seja uma área protegida, nunca pensaram que as áreas protegidas precisavam de ser geridas, não lhes passou pela cabeça ter ideias sobre o que deve ser a visitação das áreas protegidas, nunca ouviram falar do programa de visitação e comunicação das áreas protegidas, nunca pensaram que seria bom não desperdiçar recursos na gestão de áreas protegidas, enfim, para sermos francos, seria pedir muito que as ONGAs em Portugal escrutinassem minimamente a gestão das áreas protegidas.
Elas existem para as grandes questões do nosso tempo, não para obrigar o Estado e a Administração a prestar publicamente contas sobre a forma como os interesses das pessoas são garantidos na aplicação dos recursos públicos gastos na gestão das áreas protegidas.
Uma choldra, um pardieiro, um curral, é que isto é. Alguns é que pensam que é um país.
Coitados, vivem amargurados pelas desilusões constantes.
henrique pereira dos santos

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