quarta-feira, agosto 18, 2010

agricultura de subsistência

Imilchil, Alto Atlas marroquino
Agosto de 2010

A mais de 2000 metros de altitude, no Alto Atlas marroquino, aqui e ali, existem pequenas aldeias de camponeses e pastores. Aproveitam para o cultivo a fertilidade das várzeas dos rios e ribeiras que escavam a montanha. E dependem dessa agricultura de subsistência para sobreviverem. Aqui, figura semelhante à nossa Reserva Agrícola Nacional perderia importância. Cada milimetro de terra fértil serve o presente.

Gonçalo Rosa

5 comentários:

Henk Feith disse...

Pois Gonçalo, mas a+i tens um assunto interessante, que permite ser abordado de inverso: porque razão é que os bons solos agrícolas em Portugal precisam de proteção? Se o seu valor fosse reconhecido pela população, pelos mercados e pelos decisores políticos, era irrelevante o seu estatuto de proteção, como acontece no exemplo que dás.

Será legítimo concluir que esse reconhecimento não existe em Portugal ao ponto de assegurar a sua proteção? Nos Marrocos, se a terra não produzir alimentos, a população sofre de fome; em Portugal produz-se milho para rações ou outras culturas secundárias, cuja valorização é determinada em grande parte pela captação de subsídios, frequentemente desligados da produção. Numa sociedade em que se paga para não produzir nada em boas terras agrícolas, como se pode esperar uma defesa dessa mesma terra?

Henk Feith

Carlos Aguiar disse...

O fundo da fotografia do Gonçalo Rosa, tudo que está para trás da veiga, teve certamente um coberto florestal ou arbustivo (depende da relação precipitação/temperatura). A paisagem do Atlas Marroquino de hoje não será muito diferente, por exemplo, da paisagem das áreas mais quentes e secas da Terra Quente transmontana, no final do séc. XIX: encostas escalavradas degradadas por uma longa história de cerealicultura e pastorícia, pontuadas por pequenos oásis de solo agrícola. A agricultura de subsistência não é um sinónimo de sustentabilidade! Infelizmente estas paisagens e o seu significado esvaíram-se da memória colectiva portuguesa.

Os mercados, o vulgar cidadão mais os decisores públicos e privados, não entendem a importância do solo agrícola. A natureza não elástica dos produtos agrícolas, a forma enviesada como interpretamos o passado, a confiança patológica no progresso que caracteriza as sociedades modernas e a dominância de um modo de produção de riqueza que varre para debaixo do tapete qualquer preocupação com a sua sustentabilidade explicam o desrespeito generalizado que partilhamos pelo solo.

Acabei de ler alguns números assustadores. Os EUA entre 1945 e 1975 soterraram com betão e alcatrão uma área de solo agrícola equivalente a duas vezes a superfície de Portugal continental; nos últimos 40 anos cerca de 1/3 da terra arável mundial perdeu-se por acção da erosão. Cada terráqueo é actualmente sustentado por cerca de 0,23 ha (1,5 mil milhões de hectares de terra cultivada/6,5 mil milhões de habitantes). Prevê-se que em 2050 este valor desça para 0,1 ha/habitante. Se antes do uso de adubos e pesticidas as aldeias do norte de Portugal sustentavam grosso modo 2 habitantes/ha dá para perceber que uma qualquer catástrofe será suficiente para nos mergulhar na maior penúria alimentar. Portugal possui ca. de 3-4 milhões de ha de solo agrícola; façam as contas e pensem no que aconteceria se fossemos obrigados a retornar a um sistema orgânico de agricultura de subsistência, como o de há cem anos atrás. Agora escolham os adjectivos que quiserem e apliquem-nos a quem deixou destruir os solos da região saloia ou da Veiga de Chaves, entre muitos outros exemplos. Em Lisboa foram-se os solos e ficou um osso: Monsanto.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Henk,
Tens razão, a Reserva Agrícola justificca-se porque há uma falha de mercado, ou seja, o valor instantâneo do solo agrícola não incorpora o valor mediato que representa a potencialidade de produção e a dificuldade de reversão de solos não fertéis para solos fertéis no caso de ser necessário produzir mais alimentos.
É uma questã de precaução.
Carlos,
Sabes que partilho contigo essa preocupação com o solo e com a sustentabilidade de uso, mas agitar o fantasma de um retorno à auto-subsistência não ajuda: mais rapidamente se reduzia a população por via das guerras e epidemias que se retornaria a uma economia menos globalizada.
O problema da previsão do futuro (é o erro de Malthus) é considerar que as tendências que se verificam hoje se manterão, esquecendo o que era um dos motes da poesia renascentista, usado aqui por Camões "outra mudança faz de mor espanto/ que não se muda já como soía".
henrique pereira dos santos

Carlos Aguiar disse...

Henrique, o argumento que utilizas: "O problema da previsão do futuro (é o erro de Malthus) é considerar que as tendências que se verificam hoje se manterão ...", é aplicável com tanta propriedade aos cornucopianos (não malthusianos) como aos catastrofistas mathusianos, tudo depende do referencial tempo utilizado. Não me alongo mais, fico aguardar por uma boa discussão sobre Malthus quando nos reencontrar-mos.

Carlos Aguiar disse...

Onde se lê "reencontrar-mos" haverá ler "reencontrarmos". Só não acontece a quem não escreve ;(