sábado, agosto 28, 2010

arbustos, matos e ervas


ovelhas pastando
Imilchil, Alto Atlas
Agosto de 2010

floresta de cedros
Ifrane RN (Azrou), Mèknes, Médio Atlas
Agosto de 2010


oliveira
Tizi-n-Isli, Kasba Tadla, Médio Atlas
Agosto de 2010

 eucalíptal
Guermasse, Marrakech
Agosto de 2010

vale de Todra, Alto Atlas
Agosto de 2010


vale de Todra, Alto Atlas
Agosto de 2010
Há alguns dias atrás, publiquei aqui um pequeno post - agricultura de subsistência - amavelmente comentado por algumas pessoas. O primeiro comentário de Carlos Aguiar aquele texto trouxe-me à memória ideia que fui cimentando, ao longo dos dias da minha última viagem por Marrocos, da quase total ausência de sub-coberto florestal de muitas paisagens marroquinas. Registei-o com enorme estranheza, na minha santíssima ignorância. Talvez o sobrepastoreio e o uso do solo para o cultivo de cereais até a exaustão sejam fortemente responsáveis por estas paisagens. Talvez seja apenas obra da "natureza". Talvez estes e outros fenómenos. E talvez o Carlos possa ajudar a compreender estas imagens :)

Gonçalo Rosa

21 comentários:

Anónimo disse...

Falta de água meu caro. O verão português é seco mas o inverno é húmido. Não é assim em Marrocos.

Gonçalo Rosa disse...

Caro Anónimo,
Que a pluviosidade e humidade condicionam a flora, isso eu sei (ignorante mas, caramba, não tanto... :) O que tenho muitas dúvidas é que sejam as únicas responsáveis pelas paisagens que ilustro. Todas elas com escassíssimo sub-coberto.

Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

A fraca pluviosidade/humidade marca o cenário. Estamos num ambiente pre-desértico! As amplitudes termicas elevadas, as chuvas raras e torrênciais que compactam os solos fazem o resto. Pastoreio haverá, limitado pela fraca produtividade primária do meio, mas não é esse o responsável pela ausência de sub-coberto nas fotografias.

Gonçalo Rosa disse...

Caro Anónimo,

De acordo quanto aos aspectos da pluviosidade e humidade, mas é provável que o sobre-pastoreio tenha o seu peso. Em particular no Alto Atlas, é surpreendente o número e dimensão de rebanhos de caprinos e ovinos.

Gonçalo Rosa

Carlos Aguiar disse...

Excelentes fotos, mais uma vez, Gonçalo!
A Marrocos não lhe falta deserto, por definição um bioma com vegetação perene concentrada em vales ou reentrâncias onde a água se acumula; nos restantes relevos as plantas aguardam pela chuva sob a forma de semente o tempo que for preciso. Porém, em todos os territórios que nos mostras chove o suficiente (clima mediterrânico semi-árido a seco) para sustentar uma vegetação potencial arbustiva ou arbórea (por alguma razão os eucaliptos da terceira foto pegaram). Se as árvores e arbustos não aparecem nas fotos ou foram consumidos pelo fogo ou por herbívoros, de uma forma ou de outra sob o olhar atento do homem. As tuas observações claro que fazem todo o sentido.

Anónimo disse...

Caros Carlos e Gonçalo,

Vejo que sucumbem facilmente à tentação de interpretar o mundo pelo prisma dos vossos preconceitos:

1 Foto - Imilchil está a cerca de 200 km a nordeste de Ouarzazate que como sabem está a poucos quilómetros norte das primeiras dunas deserto do Sahara. Esta é uma zona de pré-deserto, extremamente árida (média de 50 mm de chuva por ano). Há anos em que simplesmente não cai uma gota de água no inverno e primavera. A fotografia foi tirada em Agosto, pelo que qualquer âmago de planta anual desapareceu. Mas na realidade, neste clima nem sequer os arbustos abundam. Uma esteva nem sequer pegaria e se pegasse secaria após os primeiros invernos sem água. Aqui, a única vegetação verde é a que nasce em torno do oásis que acompanha o rio a sul de Imilchil e a pequena agricultura de subsistência que bordeja o dito oásis. Haverá arbustos xéricos esparsos que serão comidos pelas ovelhas e cabras mas abandonem o pastoreio e a paisagem não se modificará de sobremaneira. Não existe nenhuma paisagem e clima análogos em Portugal. Os mais próximos estão na região de Almeria mas mesmo aí, chove mais que em Imilchil.

2 Foto - Mèknes é mais a norte. Chove um pouco mais mas como sabem o sub-coberto de florestas de coníferas é parco. Em Agosto já não há anuais e poucos são os arbustos que singram neste ambiente de solos ácidos e áridos. Note-se que fora destas florestas a vegetação volta a ser quase inexistente.

3 Foto - Tizi-n-Isli está a uns 70 quilómetros de Mèknes. Voltamos a encontrar paisagens de pré-deserto. Não há água suficiente para ter paisagens arbustivas ou arbóreas. A germinação das sementes de árvores e arbustos ocorre nos raros anos chuvosos, a taxa de sucesso é baixa e a paisagem resultante é de arbusto e pequena árvore dispersa. Mais uma vez o pastoreio está lá e contribui para a pequenez nas árvores mas a baixa densidade de arvoredo e arbustos é determinada primordialmente pelo clima. No caso da fotografia, acresce que nos encontramos numa vertente inclinada, com solos esqueléticos.

4 Foto - Guermasse, Marrakech, no sudoeste de Marrocos. Chove um pouco mais que nas áreas a leste mas a fotografia mostra bem o fracasso de plantar eucaliptos em áreas próximas da condição de pré-deserto. Algumas árvores da plantação sobreviveram mas se repararem a taxa de mortalidade foi elevadíssima (a densidade do povoamento é baixíssima). Em todo o caso é sabido que os eucaliptos são extremamente resistentes à seca. Perto do seu limite de secura crescem de forma lenta mas não morrem imediatamente.

5 Foto - Todra (perto de Imilchil). Aplica-se tudo o que disse sobre a Foto 1, com a agravante que estamos numa vertente inclinada, logo voltamos a ter solos esqueléticos, etc.

Resumindo, o pastoreio terá o seu impacte aqui como em todo o lado. Mas o pré-deserto Marroquino é pré-deserto mesmo sem pastoreio. A altura das árvores e arbustos pode ser afectada pelo pastoreio mas a baixa densidade da vegetação é controlada fundamentalmente pelas condições edafo-climáticas. Passeiem por vários pré-desertos e a parca abundância de vegetação será a mesma.

Carlos Aguiar disse...

O mundo interpreta-se sempre pelo prima dos nossos preconceitos.
Nos pré-desertos a vegetação potencial é de tipo arbustivo, em Marrocos, no Namibe, na Austrália ou no Sahel. Almeria não é um deserto, embora possa parecer. A ausência de um coberto arbustivo alto mais ou menos contínuo nos territórios pré-desérticos deve-se, invariavelmente, à mão do Homem. Existem alguns exercícios revisionistas - e.g. A.T. Grove & Oliver Rackham. The Nature of Mediterranean Europe - a tentar diminuir o papel do Homem na composição actual das paisagens mediterrânicas, mas as evidências paleoecológica e histórica não as sustentam.
Não vamos espiolhar os dados de precipitação mas digo-lhe que encontrei na net, por exemplo, referenciados para Imilchil 200 a 600 mm/ano, e não 50 mm/ano. Chuva mais do que suficiente para sustentar matagais densos a bosques.
Pode tirar a limpo o coberto vegetal potencial de Marrocos nesta publicação da FAO: http://www.fao.org/ag/AGP/AGPC/doc/Counprof/Morocco/morocco.htm#3.%20CLIMATE%20AND%20AGRO%20ECOLOGICAL. Grosso modo as áreas com precipitação superior a 200 mm (vd. figura 3) suportariam um coberto vegetal dominado por bosque ou matagal não fora o estado de profunda degradação dos solos de Marrocos (e de toda a bacia do mediterrânico, diga-se de passagem).
Façamos o seguinte raciocínio. Em Portugal a vegetação potencial é por regra arbórea. Onde estão os Querci que cobriam o país de lés-a-lés? E de quem é a culpa? Como se pode diminuir o papel do Homem em ecossistemas ainda mais frágeis do que os nossos, como são os matagais semi-desérticos? E em Marrocos o sobre-uso do território não foi interrompido pelo abandono agrícola, como em Portugal ou Espanha!
A desflorestação da bacia do mediterrânico é muito antiga e por isso enganadora. Em Jerusalém chovem ca. de 550 mm/ano, potencialmente poderia estar coberta de bosque, porém, diz-nos Flávio Josefo, que já no ano 70 d.C. os Romanos tiveram imensas dificuldades em encontrar árvores e madeira para reparar os engenhos de cerco.
O mundo é frágil.

Gonçalo Rosa disse...

Caro Anónimo,

Obrigado pelas informações, muito úteis por sinais. Não parta do princípio que tenho preconceitos quanto a esta temática. A minha ignorância quanto ao tema é tal que dificilmente teria ideias suficientemente consistentes para formar preconceitos.

Acrescentei uma última foto. Alguns dias depois de a ter feito, passei outra vez por esta estrade e, no fundo deste vale que agora ilustro, quase tão árido como as encostas ainda que com alguma (muito pouca) vegetação herbácea, pastavam 8 ou 10 rebanhos de cabras e ovelhas em meados de Agosto, cada qual constituído por, pelo menos, cem animais. Surpreende-me como conseguem sobreviver mas o facto é que conseguem, ainda que ponho a possibilidade de serem parcialmente mantidos com forragens vindas dos campos mais a Norte. E conseguem-no fazer em Agosto, porque alguma vegetação (muito pouca, volto a sublinhar) sobrevive até esta época do ano.

Essencialmente gostaria de compreender até que ponto a quase ausência de vegetação de matos e herbaceas se deve a eventual sobrepastoreio.

Não lhe parece admissível que, na ausência de pastoreio parte destas encostas pudesse desenvolver alguma vegetação e outra paisagem se apresenta-se?

Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

Caro Gonçalo,

Não me leu dizer que o pastoreio não afecta a densidade do coberto vegetal. Apenas que em condições de pré-deserto o coberto vegetal é muito escasso pelo que não é preciso invocar o pastoreio (doméstico, bem entendido) para explicar as paisagens que nos mostra. Note que em condições de extrema secura, as plantas quando germinam podem manter-se praticamente inalteráveis durante mais de 100 anos. Obviamente que na hipotética situação de não haver herbívoros, nem fogos, nem períodos prolongados de seca, vegetação poderia crescer e colonizar o solo disponível até criar matagais densos. Simplesmente, estes cenários são hipotéticos.

Anónimo disse...

Caro Gonçalo,

Não me leu dizer que o pastoreio não afecta a densidade do coberto vegetal. Apenas que em condições de pré-deserto o coberto vegetal é muito escasso pelo que não é preciso invocar o pastoreio (doméstico, bem entendido) para explicar as paisagens que nos mostra. Note que em condições de extrema secura, as plantas quando germinam podem manter-se praticamente inalteráveis durante mais de 100 anos. Obviamente que na hipotética situação de não haver herbívoros, nem fogos, nem períodos prolongados de seca, vegetação poderia crescer e colonizar o solo disponível até criar matagais densos. Simplesmente, estes cenários são hipotéticos.

Caro Carlos,

A sua visão assenta numa narrativa muito na voga mas a realidade é que nem o fogo, nem o pastoreio, são invenções humanas. Com homens ou sem eles, estes sistemas frágeis, como refere, seriam sempre sujeitos a pressões de vária ordem e a momentos de extrema secura que impedem a regeneração rápida vegetação. No Nabid, por exemplo, existem Elefantes e Orix que tratam de limiar a expansão dos parcos arbustos que por lá nascem. O mapa da vegetação potencial é teórico. Não tem qualquer relação com a realidade pois a realidade inclui distúrbios e variações meteorológicas que impedem a vegetação de chegar ao ideal teórico. Já para não falar de que a narrativa da degradação destas paisagens pelo homem está exagerada. Ler, por exemplo o texto de Diana Davis "Potential Forests: Degradation Narratives, Science and Environmental Policy in Protectorate Morocco".

Quanto à pluviosidade, lamento mas não é um detalhe. As pluviosidades que refere e que constam no relatório da FAO não são correctas. Se quer dados anuais veja aqui:

http://www.imilchil.adrar.org/web/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Itemid=12

Entre 1996 e 2005 nenhum ano teve precipitações de 600 mm em Imilchil e 2005 teve precipitação anual de 56 mm (houve neve mas essa não chega à maior parte da região). Se reparar bem, esses 56 mm ocorreram em 5 dias de chuva. Este nível de extrema aridez é suficiente para matar árvores e arbustos que não tenham acesso a água do nível freático. Portanto, independentemente das médias climáticas (que variam consoante os anos que se usam para fazer a média) o que caracteriza esta região é a extrema irregularidade da precipitação que pode aproximar-se de zero em certos anos. E isto limita o crescimento da vegetação.

Anónimo disse...

Caro Carlos,

A sua visão assenta numa narrativa em voga mas a realidade é que nem o fogo e nem o pastoreio, são invenções humanas. Com homens ou sem eles, estes sistemas frágeis, como refere, seriam sempre sujeitos a pressões de vária ordem e a momentos de extrema secura que impedem a regeneração rápida vegetação. No Nabid, por exemplo, existem Elefantes e Orix que tratam de limitar a expansão dos parcos arbustos que por lá nascem. O mapa da vegetação potencial é teórico. Não tem qualquer relação com a realidade pois a realidade inclui distúrbios e variações meteorológicas que impedem a vegetação de chegar ao ideal teórico. Já para não falar de que a narrativa da degradação destas paisagens pelo homem está exagerada. Ler, por exemplo o texto de Diana Davis "Potential Forests: Degradation Narratives, Science and Environmental Policy in Protectorate Morocco".

Quanto à pluviosidade, lamento mas não é um detalhe. As pluviosidades que refere e que constam no relatório da FAO não são correctas. Se quer dados anuais veja aqui:

http://www.imilchil.adrar.org/web/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Itemid=12

Entre 1996 e 2005 nenhum ano teve precipitações de 600 mm em Imilchil e 2005 teve precipitação anual de 56 mm (houve neve mas essa chega apenas às terras mais altas). Se reparar bem, esses 56 mm ocorreram em 5 dias de chuva. Ou seja, uma média de pouco mais de 5 mm por dia distribuídos em 5 dias!!! Este nível de extrema aridez é suficiente para matar árvores e arbustos que não tenham acesso a água do nível freático no oásis que está no vale. Portanto, independentemente das médias climáticas (que variam consoante os anos que se usam para as calcular) o que caracteriza esta região é a extrema irregularidade da precipitação que pode aproximar-se de zero em certos anos. E isto limita o crescimento da vegetação.

Anónimo disse...

errata: uma média de pouco mais de 10 mm por dia distribuídos em 5 dias!!

Gonçalo Rosa disse...

Caro anónimo,

Sim, eu sei que são hipotéticos. Mas era isso mesmo que eu queria compreender: se na ausência de gado doméstico o cenário seria muito distinto.

Agradeço as informações e esclarecimentos.

Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

Caro Gonçalo,

Na ausência de gado doméstico continuariam a haver herbívoros nativos que, como se sabe, seriam em maior número não fosse a presença do Homem, fogos esporádicos, períodos de seca acentuada, típicos da região, seguidos de chuvas torrenciais em poucos dias, etc.

Estas são características naturais destes sistemas e não são os humanos com os seus rebanhos que o alteram substancialmente. Apenas substituem uma dinâmica de pastoreio natural por uma artificial, numa região onde a germinação de plantas é difícil e o seu crescimento é extraordinariamente lento.

Haveria condições para que vegetação fosse outra? Sim, se o clima fosse caracterizado por valores médios e não pela sua irregularidade e se não existissem quaisquer outros distúrbios (naturais ou humanos) ao crescimento das plantas. Acontece que não há nenhuma parte do mundo onde os disturbios ao crescimento das plantas não existem e nem todas produzem paisagens que nos ofereceu no seu post.

Luís Lavoura disse...

É sen dúvida muito interessante discutir a ecologia de Marrocos e a sua vegetação "natural".

Eu diria no entanto que isso é irrelevante para Portugal. Em Portugal não há falta, mas sim excesso, de vegetação. E, ao contrário dos marroquinos, o povo português não demonstra especial apetência por comer carne de borrego.

Carlos Aguiar disse...

“A sua visão assenta numa narrativa muito na voga mas a realidade é que nem o fogo, nem o pastoreio, são invenções humanas.”

Caro Anónimo, o fogo a perturbação por herbívoros condicionaram não só a história evolutiva das plantas como a estrutura da vegetação (pristina e actual). A severidade do fogo e do pastoreio, sim, são intervenções humanas (vd. mais adiante).

No último comentário ao Gonçalo, quando escreve: "Estas são características naturais destes sistemas e não são os humanos com os seus rebanhos que o alteram substancialmente ..." admite que os padrões actuais de perturbação da vegetação em Marrocos se assemelham aos prevalecentes na paisagem pristina, e, por essa razão, o coberto vegetal actual não é assim tão distante do do passado. Não controlo a bibliografia paleopalinológica norte-africana, nem tive tempo de a estudar, é aí que estão as provas definitivas. De qualquer modo podemos explorar a sua hipótese de outra forma.

Saberá certamente que o seu raciocínio não pode ser aplicado do outro lado do estreito, na Península Ibérica (PI). Os diagramas polínicos publicados mostram claramente uma acentuada regressão do coberto florestal e uma expansão da vegetação arbustiva e herbácea na PI, por acção do Homem, na segunda metade do Holocénico (as datas e a dinâmica deste retrocesso variam de local para local). Consequentemente é legítimo perguntar: por que razão o modelo ibérico de evolução do coberto vegetal não pode ser aplicado, mais sul, no Norte de África, em ecossistemas mais sensíveis à perturbação, seja ela antópica ou não? Repare que existe um gradiente latitudinal da resistência e da resiliência da vegetação (ao stress ambiental e à perturbação) que cresce do Sahara até aos bosques temperados sobre loess.

O seu raciocínio omite que: 1) na paisagem pristina coexistiam predadores e herbívoros (posteriormente eliminados pelo Homem), o padrão anual da migração dos mamíferos era distinto (dos domésticos) e não ocorria uma intensa gestão antrópica da vegetação pelo fogo para favorecer a vegetação herbácea; 2) a agricultura permite elevar a densidade dos herbívoros domésticos fornecendo resíduos e outros alimentos durante os períodos de escassez; 3) os animais selvagens distribuem de forma mais ou menos regular as suas fezes; os herbívoros domésticos serviam, e servem, para capturar nutrientes das área não cultivadas para os solos agrícolas; este processo ao longo de milhares de anos tem efeitos na regeneração da vegetação natural; 4) o uso agrícola, um tipo de perturbação não natural, potenciou (ultrapassou ?) o impacto da pastorícia no solo e na vegetação (não necessito de aprofundar o efeito erosivo da agricultura de sequeiro de Outono-Inverno em relevos movimentados).

Como pode então admitir que a intensidade da herbivoria e o seu impacto na vegetação eram semelhantes nas paisagens pristina e actual?

Uma das fontes de evidência mais claras do papel do papel do Homem na degradação dos ecossistemas e do Norte África está escrito nos subprodutos da erosão dos solos e do “nutriente mining” ocorrido no período Romano. Custa a acreditar que há dois mil anos atrás o trigo de fluía pelos portos de Cartago a Nova e Útica (Tunísa) em direcção ao porto de Óstia, e que a queda da província norte africana às mãos dos Vândalos ditou o fim do Império Romano.

Repare que a sua hipótese nos empurra para uma espécie de solipsismo ambiental: haja pouca ou muita gente nas aldeias, muitas ou poucas ovelhas e cabras a pastar os Atlas, a taxas da dinâmica regressiva da vegetação, da erosão do solo e da depleção dos nutrientes do solo nunca serão superior ás que ocorriam na paisagem pristina!
(cont.)

Carlos Aguiar disse...

“Com homens ou sem eles, estes sistemas frágeis, como refere, seriam sempre sujeitos a pressões de vária ordem e a momentos de extrema secura que impedem a regeneração rápida vegetação.”

Uma coisa é a regeneração rápida outra é a não regeneração. Claro que o stress ambiental atrasa a regeneração da vegetação (progressão ecológica), assim como diminui a sua resistência e resiliência à perturbação e ao stress ambiental. Aqui estamos de acordo. Repare que a nossa discordância radica no facto do meu caro Anónimo defender que a paisagem actual desprovida de árvores e arbustos característica do Marrocos semi-árido a árido é “natural”, enquanto eu defendo que é uma “criação” humana a partir de formações lenhosas arbustivas ou arbóreas.

“O mapa da vegetação potencial é teórico. Não tem qualquer relação com a realidade pois a realidade inclui distúrbios e variações meteorológicas que impedem a vegetação de chegar ao ideal teórico.”

Os mapas de vegetação potencial a pequena escala referem-se à vegetação climácica de solos zonais, i.e. de solos de declives pouco acentuados, hidricamente não compensados, e não degradados por erosão acelerada. Excluem também solos e litologias especiais. Estes biótopos são geralmente colonizados por tipos peculiares de vegetação potencial. Em ambientes pouco chuvosos a vegetação lenhosa pode ser incapaz de colonizar as tais encostas mais declivosas; a presença frequente de arbustos (ou árvores) nestes biótopos, e a sua ausência ou escassez a meia ou no fundo de encosta são importantes indícios de degradação da vegetação. M. Zohary, um conhecido botânico israelita, autor da “Flora Palestina” e das “Plantas da Bíblia”, conta-nos que o uso pastoril e agrícola do território promovem tipos de vegetação próprios de territórios mais secos, ou característicos das cristas e declives acentuados que acabei de referir. Os ecólogos designam esta constatação por efeito Zohary. É o produto deste efeito que o meu caro Anónimo observa na Palestina ou em Marrocos (e que Flávio Josefo e Tertuliano relatam). O efeito Zohary serve também para explicar porque em Portugal continental, por exemplo, os azinhais têm hoje uma área potencial superior à que deteriam na Idade do Bronze.

Numa paisagem pristina os movimentos de massa e a perturbação pela herbivoria criavam um mosaico flutuante que no semi-árido-árido marroquino incluía vários tipos de vegetação herbácea e, consoante os locais, um ou mais tipos de vegetação lenhosa. Neste mosaico flutuante coexistia o ideal teórico e as suas etapas de substituição. Se é assim na Península Ibérica por que não noutras latitudes da Região Fitogeográfica Mediterrânica? O conceito de vegetação natural potencial é indispensável e descreve algo que é real, e não uma abstracção da nossa mente.

Nos espaços de clima árido a semi-árido os arbustos “repelem-se” (competem pela água no solo, e não pela luz) criando padrões semelhantes às manchas da pele dos leopardos, ou às listas dos tigres. Tudo isso está na bibliografia. Por que razão estes padrões ocorrem noutros territórios com quantitativos de precipitação semelhante a Marrocos e as fotografias do Gonçalo são tão desoladoras?
(cont.)

Carlos Aguiar disse...

“Já para não falar de que a narrativa da degradação destas paisagens pelo homem está exagerada. Ler, por exemplo o texto de Diana Davis …".
Proponho-lhe a leitura de David R. Montgomery, Dirt: The Erosion of Civilizations.


“Quanto à pluviosidade, lamento mas não é um detalhe. As pluviosidades que refere e que constam no relatório da FAO não são correctas. Se quer dados anuais veja aqui: …
Entre 1996 e 2005 nenhum ano teve precipitações de 600 mm em Imilchil e 2005 teve precipitação anual de 56 mm (houve neve mas essa não chega à maior parte da região). ...”

A quantidade de precipitação não é um detalhe, é um controlo essencial da estrutura da vegetação. Não o diminuí. Para entender (explicar) a vegetação importa conhecer as médias e os desvios às médias. Os valores de precipitação que nos mostra para Imilchill são mais do que suficientes para sustentar uma biomassa aérea arbustiva significativa nos solos zonais. Há-de ter séries semelhantes a esta em algumas zonas do Algarve e em Espanha, e ninguém duvida que o extremo sul de Portugal e a Espanha têm uma vegetação natural potencial arbórea ou arbustiva. O ciclo de vida e a resiliência da vegetação de ambientes áridos e semi-áridos são superiores ao efeito de anos extremos (também os temos cá), não nos iludamos.

Caro Anónimo, o tema da nossa discussão recua a Platão e num vai e vem marcado pela ideologia das épocas, oscila entre o dedo acusador e a desculpabilização. As pessoas com uma história académica ligada à ciência da vegetação, temperada pela florística, inserem-se na corrente da “damage landscape”. Os geógrafos, como parece ser o seu caso, geralmente opõem-se a esta visão.

Carlos Aguiar

“Todos os lugares são agora acessíveis, bem conhecidos, e abertos ao comércio. Belíssimas quintas apagaram o rasto do monstruoso desperdício; os campos cultivados substituíram as florestas … Sobrepovoamos o mundo. Os elementos dificilmente nos podem sustentar. As nossas necessidades aumentam e a nossa procura é cada vez mais intensa, e a Natureza não nos pode suportar.” [Tertuliano, 155-122 d.C.]

Anónimo disse...

Caro Carlos,

A minha vida não é isto mas dada a sua paciência ficaria mal se não lhe respondesse.

"(...) admite que os padrões actuais de perturbação da vegetação em Marrocos se assemelham aos prevalecentes na paisagem pristina, e, por essa razão, o coberto vegetal actual não é assim tão distante do do passado"

Não é preciso que sejam muito semelhantes. A dinâmica destas paisagens é tão lenta que uma perturbação mínima cria paisagens como as que o Gonçalo fotografou. Seriam precisos séculos sem perturbações, nem eventos de "stress" extremo (secas e picos de calor que matam as plantas) para que a vegetação destes ambientes áridos e semi-áridos evoluísse para estádios mais avançados da sucessão. Ora como essas condições de "bonança" não acontecem, a vegetação mantém-se num estádio estacionário.

"Saberá certamente que o seu raciocínio não pode ser aplicado do outro lado do estreito, na Península Ibérica (PI)."

Nem tive a veleidade de o fazer. Se reparar, as minha reacção prende-se exactamente com o inverso. Extrapolar a experiência obtida na PI às margens do deserto do Sahara.

"Os diagramas polínicos publicados mostram claramente uma acentuada regressão do coberto florestal e uma expansão da vegetação arbustiva e herbácea na PI, por acção do Homem, na segunda metade do Holocénico (as datas e a dinâmica deste retrocesso variam de local para local)."

O registo polínico mostra variações nas composição do coberto vegetal mas não permite atribuir causas a essa variação. Essas atribuições são meras especulações.

"Consequentemente é legítimo perguntar: por que razão o modelo ibérico de evolução do coberto vegetal não pode ser aplicado, mais sul, no Norte de África, em ecossistemas mais sensíveis à perturbação, seja ela antópica ou não?"

O modelo ibérico que descreveu acima é tudo menos consensual e a sua extrapolação para o norte de África sem descontar as diferenças climáticas entre as duas regiões é especulativa.

Anónimo disse...

"Repare que existe um gradiente latitudinal da resistência e da resiliência da vegetação (ao stress ambiental e à perturbação) que cresce do Sahara até aos bosques temperados sobre loess."

Sim mas esse gradiente começa com areia nua, progride com o deserto de pedras a que se segue uma vegetação de baixíssima densidade representada nas fotografias do Gonçalo. As suas palavras sugerem que logo depois do deserto de pedras, se não houvesse interferência humana, seguir-se-ia uma densa mata de arbustos e árvores. Quanto a mim, é um cenário irreal.

"Os mapas de vegetação potencial a pequena escala referem-se à vegetação climácica de solos zonais, i.e. de solos de declives pouco acentuados, hidricamente não compensados, e não degradados por erosão acelerada."

Portanto uma situação idealizada nada comparável com as fotografias que estamos a discutir.

"Nos espaços de clima árido a semi-árido os arbustos “repelem-se” (competem pela água no solo, e não pela luz) criando padrões semelhantes às manchas da pele dos leopardos, ou às listas dos tigres. Tudo isso está na bibliografia. Por que razão estes padrões ocorrem noutros territórios com quantitativos de precipitação semelhante a Marrocos e as fotografias do Gonçalo são tão desoladoras"

Correcto. Logo, não precisamos de invocar a pressão humana para explicar a desolação das paisagens fotografadas pelo Gonçalo.

"Há-de ter séries semelhantes a esta em algumas zonas do Algarve e em Espanha, e ninguém duvida que o extremo sul de Portugal e a Espanha têm uma vegetação natural potencial arbórea ou arbustiva."

Não nos iludamos. A série que mostrei tem pouco mais de 10 anos. Quando visitei a região os locais falaram-me de um período de 7 anos sem chuva durante o século XX. O regime de precipitações nas margens do Sahara não é comparável com o Algarve. Como não são as condições de humidade relativa do ar (mais baixa no sul e leste de Marrocos) e as oscilações de temperatura (mais elevadas em Marrocos). Em Espanha as regiões mais áridas estão na costa sul (Almeria), ao lado do mar. E mesmo nestas condições de aridez temperada pela proximidade do mar, a vegetação é quase inexistente.

Anónimo disse...

"O ciclo de vida e a resiliência da vegetação de ambientes áridos e semi-áridos são superiores ao efeito de anos extremos (também os temos cá), não nos iludamos."

Se assim fosse os desertos não avançavam. Não se iluda: não temos oscilações de precipitação como as que existem no sul de Marrocos, nem humidades relativas tão baixas, nem uma frequência tão elevada de ventos secos e quentes piores do que os nossos famosos ventos de leste. E mesmo assim, não é preciso sair de Portugal para ver estevas e azinheiras secar, no verão, em anos extremos e em solos esqueléticos.

"Caro Anónimo, o tema da nossa discussão recua a Platão e num vai e vem marcado pela ideologia das épocas, oscila entre o dedo acusador e a desculpabilização"

Platão vivia na Grécia, onde existiam e continuam a existir luxuriantes florestas Mediterrâneas. Insistir nestas comparações é um erro. Não tenho qualquer interesse em desculpabilizar a nossa civilização pelos desastres ambientais que nos antecederam mas não me sinto motivado para alinhar em narrativas acusadoras.

Se quer referências históricas relevantes para a região aconselho vivamente a leitura do artigo referido no meu comentário anterior. Para espicaçar a leitura aqui ficam uns trechos do resumo:

"To date, an astonishingly small amount of this kind of research has been conducted on environmental narratives that concern the Middle East and North Africa. This is even more surprising given that the arid landscapes of this region often are described and defined as deforested and overgrazed environments that have been subjected to centuries of abuse by local peoples. (...) The conventional environmental history of North Africa, still ubiquitous today, was conceived primarily during the French colonial occupation of Algeria, dating from 1830. It is an environmental narrative of decline, of the ruin of a previously fertile landscape by centuries of deforestation and overgrazing by Arab nomads and their livestock herds. Recent paleoecological studies, however, have questioned rates of deforestation described in this narrative as well as the extent of historical forest cover in North Africa, particularly in Morocco. Contemporary research in arid lands ecology and pastoral studies likewise has questioned the destructiveness of traditional land uses assumed in this declensionist narrative.

Most environmental policy in colonial Morocco outside of urban and agricultural areas was developed in or strongly influenced by a single key sector: forestry. That is, most land not under cultivation or built upon came under the purview of the forestry department (Service des Eaux et Forêts) or was strongly affected by this department. The forestry department was developed by one man who directed it for decades. The influence of this man, Paul Boudy (1874–1957), and his conviction that Morocco was severely deforested, cannot be overestimated. Boudy, deeply imbued with the conventional environmental narrative of North Africa, identified traditional livestock grazing as the most significant cause of deforestation and environmental degradation in the protectorate. He presided over the creation of the Moroccan forest code and several amendments to it, as well as the development of new laws and policies, all of which restricted and regulated grazing in forested areas. Under his leadership, even non-arboreal areas, such as the immense alfa grass pastures in eastern Morocco, were brought under the control of the forestry department."