Esta pergunta já motivou algumas trocas de argumentos nas caixas de comentários deste blog.
Para mim é a pergunta chave para testar os modelos de interpretação do fenómeno dos fogos em Portugal e, consequentemente, definir linhas de política de gestão de fogos consistentes.
Mariana Oliveira, na sua peça de Domingo que ecoa a perfeita estratégia de comunicação do Governo sobre esta época de fogos (e quando digo que ecoa não estou a dizer que Mariana Oliveira está a fazer um frete ao Governo, estou só a constatar um facto cujos fundamentos não discuto) diz no sub-título de um destaque:
"Valor económico poupa Pinhal Interior"
Para afirmar isto Mariana Oliveira (corrijo, embora peça principal seja de Mariana Oliveira, esta caixa sobre o pinhal é de Helena Geraldes) serve-se de alguns factos (nenhum deles directamente relacionado com o valor económico do Pinhal Interior) e de declarações de dois especialistas: Paulo Fernandes seguramente um especialista de fogo, e Helena Freitas, uma especialista de botânica (desconheço os seus trabalhos sobre fogo mas admito que existam. Este comentário não contém nenhuma crítica ao facto de se ouvirem outras pessoas que não os especialistas, é simplesmente o reflexo da minha perplexidade pela facilidade com que muitos jornalistas recorrem à autoridade de especialistas ao falar de um assunto, convidando especialistas que o são, sem dúvida, mas noutros assuntos).
Paulo Fernandes reafirma o que aqui tem dito e de que eu tenho discordado: a meteorologia não está a ajudar o Pinhal Interior. O Paulo tem a seu favor o facto de saber muito mais que eu do assunto e ter muito mais informação. Eu tenho a meu favor o atrevimento da ignorância e o facto de ter previsto que com as condições de vento que via nas previsões meteorológicas o Pinhal Interior não me parecia que fosse arder.
Quanto ao meu argumento há factos que o prejudicam: essas condições de vento só são relevantes na medida em que traduzem condições meteorológicas específicas, o que se deveria reflectir nos dados das observações meteorológicas, o que não me parece que esteja a acontecer.
Sigamos portanto a argumentação do Paulo Fernandes que parece ter mais razão que eu nesta discussão.
O Paulo fala sobretudo dos índices, não tanto dos elementos meteorológicos elementares (passe o pleonasmo). Ora os índices contêm em si uam interpretação dos fenómenos que valoriza uns elementos e desvaloriza outros. No caso em concreto vamos então admitir que os índices traduzem o risco de fogo e tentemos então explicar por que razão sendo eles mais altos não ardeu o Pinhal Interior.
Diz o Paulo, por interposta jornalista Mariana Oliveira (corrijo, Helena Geraldes):
"O investigador tirou as conclusões depois de analisar o número de ignições por cada 10 km quadrados a partir de Julho. Os distritos do Pinhal Interior, Castelo Branco e Santarém, tiveram apenas duas ignições cada. "Uma diferença enorme em relação a Aveiro, com 16 ignições", por exemplo. O Porto registou 79 ignições."
Confesso que fiquei surpreendido com esta argumentação do Paulo que repetidamente tem dito que não há qualquer relação entre área ardida e número de ignições.
E acho que esta argumentação não cola. Vejamos este gráfico que fiz:
Este gráfico contraria frontalmente a argumentação de Helena Freitas ao não identificar uma grande diferença de fogos por habitante do pinhal interior para o Norte:
"Ao contrário do que acontece no Norte, os concelhos do Pinhal Interior têm hoje a percepção do valor económico da floresta e criaram mecanismos de prevenção". A Região Centro tornou-se "a mais apetecível" para novos valores florestais, como por exemplo a biomassa, ao passo que o Norte enfrenta uma situação de "abandono [da floresta] gravíssima".
Independentemente de eu não perceber onde foi a Helena Freitas buscar a ideia de que em cinco anos a floresta do Pinhal Interior ficou muito mais bem gerida que a do Norte, com base aliás em dois não factos (não existe nenhuma utilização de biomassa séria na região e a floresta do Noroeste é muito mais lucrativa que a da generalidade do Pinhal Interior) e na impossibilidade de mudar estruturalmente uma floresta em cinco anos (para cuja verificação basta um passeio na região, pelas áreas ardidas em 2003), a verdade é que a relação das populações com as ignições não se mede no número de fogos por hectare, mas sim no número de fogos por habitante.
É essa a linha verde mais grossa do gráfico, que identifica uma clara anomalia em Viana do Castelo (o distrito que melhor traduz a zona que está a arder), um pico secundário em Vila Real mas com um nível semelhante de ignições por habitante em Braga, Porto e Viseu e um nível um pouco mais baixo no limite Sul da região que está a arder (Aveiro, Guarda e Castelo Branco) e depois níveis mais baixos.
Se alguém me conseguir explicar as diferenças entre os Minhotos do Norte e os do Sul que justifiquem a anomalia do número de fogos por habitante, eu dar-me-ei por vencido.
Até lá eu tenho de concluir, que tal como resulta da análise das variações diárias e etc., é na meteorologia que estão as diferenças.
Ontem, numa conversa telefónica com outro dos especialiastas do fogo em que eu tentava perceber melhor o que se está a passar, ouvi contar que um meteorologista tinha feito uma pergunta inteligente: se 97% dos fogos resultam de causas humanas, como se explica que se verifique uma tão grande associação aos factores meteorológicos? A resposta parece ser que o território está saturado de ignições, como diz o Paulo Fernandes no artigo que aqui comento, apenas para o Noroeste, mas penso que é válido para todo o território, pelo que nunca são factor limitante para os fogos. Os factores limitantes são de facto as condições meteorológicas.
O que nos conduz a uma questão: ou os índices não reflectem o verdadeiro risco meteorológico de incêndio (que é o meu ponto de vista, ainda que não tenha nada de mais consistente a apresentar em alternativa que não seja a direcção do vento), ou o número de ignições por habitante pode ser explicado por diferenças culturais e, consequentemente, se verifica mesmo noutras condições meteorológicas, hipótese que me parece absurda face aos dados existentes.
Resumindo: o Pinhal Interior não ardeu por estes dias porque condições de meteorológicas que não sei definir não se verificaram.
Corolário: quando entrar vento Leste a sério no Pinhal vai arder, se entretanto não ouver programas de gestão de combustiveis sérios, consistentes e alargados.
henrique pereira dos santos
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23 comentários:
Henrique,
Limitei-me a apresentar à jornalista os nºs de densidade de ignições (os mesmos que surgem nos comentários a um post prévio, e que no jornal aparecem erradamente por 10 km2 em vez de por 100 km2) no Noroeste e no Pinhal Interior. Reconheço que a diferença se atenua ao fazer as contas per capita.
Mas isto não obsta ao essencial: se mais fogos escapam à 1ª intervenção (e crescem para lá de 1 ha), mais fogos se podem potencialmente tornar grandes (>100 ha). Se calhar não o deixei explícito antes, e a influência meteorológica é mais forte, mas foi o que resultou da análise estatística que fiz para 2001-2005. Da mesma forma a proporção de fogos>1 ha depende do nº de ignições, da meteorologia e da época do ano. Estas variáveis estão na tabela 2 do meu texto no "Incêndios florestais - 5 anos após 2003", mas se quiseres posso enviar os modelos propriamente ditos.
PFernandes
Paulo,
Estou inteiramente de acordo em considerar que se mais fogos existem, mais fogos fogem à primeira intervenção, logo mais probabilidades têm de se transformar em grandes fogos.
A minha única e teimosa insistência é reafirmar que existirem mais fogos, fugiram mais à 1ª intervenção ou desenvolverem-se mais facilmente são tudo filhos da mesma mãe meteorológica, ao contrário da doutrina oficial que considera o primeiro filho das mães (e dos pais) de nós todos.
Ou seja, número de ignições e condições meteorológicas são variáveis redundantes.
A razão da minha insistência?
É que ser uma coisa ou outra muda completamente a abordagem a ser feita ao assunto, tornando muito menos importante a sensbilização (em que se tem gasto um ror de dinheiro) e reforçando a gestão de comsbustiveis, onde se gastam migalhas.
henrique pereira dos santos
Sim, são razoavelmente redundantes porque 80% do nº ignições é explicável pela meteorologia. Mas nota que se por hipótese uma campanha de prevenção resultasse numa redução substancial de ignições a sua ocorrência no tempo continuaria a depender da meteorologia, apenas haveria menos fogachos e portanto menos fogachos a passar a fogos e menos fogos a passar a "conflagrações" como dizem nos EUA.
PF
Este teu comentário deixa-me baralhado.
Tu próprio tens explicado que bai~xando as ignições não baixa a área ardida na mesma proporção.
De qualquer maneira eu nisto não estou de acordo porque um grande fogo não é um fenómeno do medioquistão mas do extremistão (terminologia do livro o cisne negro). O seja, o que se lhe aplica não é uma estatísca gaussiana, de distribuição normal, mas sim as regras associadas aos extremos: fenómenos de baixa probabilidade mas elevado impacto.
Se baixares as ignições, mesmo que isso tivesse um efeito real e visível na área ardida, apenas estarias a criar condições para que uma ingnição improvável tivesse um efeito ainda mais devastador.
E tenho ideia que tu próprio tens insistido nisto.
henrique pereira dos santos
A primeira resposta que me ocorre é curta e simples, o Pinhal Interior não tem ardido mais este ano, PORQUE TEMOS TIDO SORTE!
Temos tido um número muito reduzido de ignições e ainda por cima com uma taxa de simultaneidade muito baixa. Os incêndios têm ocorrido um de cada vez, o que tem permitido deslocar todos os meios disponíveis para o ataque inicial.
Considero que, a correlação entre n.º de ignições e área ardida é muito baixa. No entanto, a ocorrência de varias ignições simultâneas com a natural dispersão dos meios de combate, cria condições facilitadoras para o descontrole da situação, facilitando o aparecimento de grandes incêndios.
Segundo, o Pinhal Interior foi muito atingido nos últimos anos, por essa razão existem muitas áreas ainda de reduzida perigosidade, ainda que as áreas de 2003 já apresentem também uma enorme carga combustível.
No essencial esta região apresenta um risco estrutural tremendo, com enormes cargas combustíveis acumuladas e contínuas, as intervenções na floresta tem sido praticamente nulas. Foram construídas algumas faixas de gestão de combustíveis, mas de modo alguns lhe podem ser assacadas os resultados obtidos.
Quanto as ZIF- Zonas de Intervenção Florestal, aqui como no resto do pais, apesar do enorme trabalho realizado de sensibilização dos proprietário, bem como de planeamento, ainda não tiveram qualquer hipótese de sair do papel. Está iniciado o trabalho, estão efectuados os planos… mas em virtude da falta de apoios financeiros disponíveis (apesar dos milhões do PRODER), praticamente nada foi feito em termos de terreno. Ee a culpa neste caso não é dos proprietários nem das suas Associações.
Quanto a questão do Vento Leste, tem razão em muito do que vem dizendo, efectivamente a probabilidade do Sistema de Combate colapsar nessas condições, é substancialmente maior, porque o aumento do risco, é muitas vezes avassalador.
Saliento que na semana passada, apesar do vento que se fazia sentir em Mação e nesta região, ser Noroeste, foi acompanhado sistematicamente de temperaturas máximas em redor de 38º e humidade na casa dos 15% (ou seja, tivemos vento “Suão” vindo do Norte)…
Mas importa salientar, que em virtude do enorme estado de degradação na nossa paisagem, que apresenta actualmente uma carga combustível verdadeiramente “explosiva”, e níveis de resiliência extremamente baixos, não são necessários os valores característicos do vento Leste nem sequer temperaturas muito elevadas para ter condições para ocorrência de incêndios catastróficos.
Em 2003 em Mação, durante o mês de Junho e Julho tivemos 2 grandes incêndios, o calor durante o dia não era nada de extraordinário mas durante a noite não se conseguia estar sem um bom casaco, no entanto, no primeiro arderam 1200 ha e no segundo 6000 ha.
Depois no dia 2 de Agosto, já com Vento Leste, tivemos trovoada seca, 12 raios a provocar incêndios simultâneos…e mais o incêndio de Nisa que saltou o Tejo… e foi o que se conhece… mais 14000 há.
Quanto a ilações que se possam tirar dos resultados até ao momento no Pinhal Interior, e que possam estender ao Pais é muito simples…
“ Mesmo tendo um risco estrutural enorme, mesmo não tendo feito nada de significativo com impacto na paisagem, ainda que aconteçam uma serie de dias com temperaturas muito elevadas e muito baixa humidade atmosférica, se não acontecerem muitos incêndios simultaneamente, E tivermos SORTE, parece que o problemas dos incêndios esta resolvido”
Resumindo: o Pinhal Interior não ardeu por estes dias porque tivemos SORTE.
Corolário: quando entrar vento Leste (outro qualquer também pode servir) a sério no Pinhal vai arder, se entretanto não houver programas de gestão de combustíveis sérios, consistentes e alargados.
Antonio Louro
António Louro,
É sempre bom ter leitores e comentadores que falam de coisas concretas e conhecimento de causa.
Duas perguntas:
Quando fala em humidades atmosféricas na ordem dos 15%, isso significa quantas horas nas 24do dia? Pergunto porque verifico que sempre que entra o vento Leste disparam as ignições e a área arddia, portanto há três hipóteses: ou esta verificação está mal feita; ou é magia; ou há um factor físico que não estamos a identificar na forma como olhamos para a meteorologia. Ora uma das hipóteses é o número de horas seguidas de humidade atmosférica abaixo de um determinado limite, e as baixas humidades atmosféricas nocturnas parecem muito ligadas ao vento Leste (ao contrário desse vento Noroeste, que até poderá ter humidades mais ou menos pontuais de 15% mas também julgo que terá muitas horas com humidades substancialmente superiores. O que significaria que não se daria a secagem contínua dos combustiveis finos (e sobretudo médios) mas um vai e vem de humidade nos combustiveis que os manteriam dentro de gamas relativamente aceitáveis de secagem. Isto explicaria por que razão no primeiro dia de vento Leste as coisas se agravam, mas é verdadeiramente a partir de três dias seguidos que a coisa se torna infernal.
Segunda pergunta: alguma das ZIFs tem no seu horizonte usar rebanhos no controlo de combustiveis? Nãio se trata da pastorícia tradicional, trata-se de desenvolver um serviço específico de remoção de combustiveis com recurso a gado e fogo controlado? Se sim, quais, se não, porquê?
henrique pereira dos santos
Henrique,
Subscrevo todo o teu comentário anterior, e basicamente também o do António Louro. Mas uma coisa não invalida a outra. Aquilo que referi nos comentários anteriores resulta de análises de dados que mostram relações causa-efeito à escala da semana ou do dia. As consequências dessas relações apreciadas noutra escala temporal podem contribuir para eventos menos prováveis e mais devastadores, como dizes, e como eu também tenho dito. Aliás, isso pode estar já a acontecer e poderia ser testado com uma analise da distribuição do nº de fogos por classe de tamanho desde os anos 80.
PF
Paulo,
Como sabes eu não sou investifador e muito menos desta área (quer dizer, agora estou a fazer um doutoramento mas onde esta área é marginal).
Não tenho por isso bases de dados sólidas nem capacidade para as tratar.
Mas será complicado verificar se ao vento Leste correspondem efectivamente mais horas seguidas abaixo de 35% de humidade, abrangendo inclusivamente períodos nocturnos?
henrique pereira dos santos
Henrique,
Corresponderão certamente, uma forma de procurar percebê-lo é consultar os dados meteorológicos do Inag, que estão online para qualquer um.
PF
O pinhal interior não ardeu porque ainda não teve tempo de crescer, após ter sido queimado nos anos transatos.
Deixai passar mais uns anitos e vão ver se os incendiários não vão voltar ao ataque.
É tudo só uma questão de tempo.
ARPires,
O Pinhl Interior tem neste momento condições para arder, não precisa de incendiários para nada, bastam-lhe condições meteorológicas favoráveis ao desenvolvimento do fogo.
Mas já agora, os incendiários quereriam que o Pinhal Interior (ou outra região qualquer do país) ardesse para quê?
Que há uns quantos incediários, com certeza, de maneira geral pessoas com perturbações mentais e um ou outro que tem uma querela qualquer com a vizinhaça, agora incendiários que andam a ver quando regiões inteiras estão em condições de arder, por favor, isso é uma história da carochinha.
henrique pereira dos santos
Caro Henrique, o vento leste é sempre mais seco, nem é preciso fazer estudos ou analisar dados, tem a ver com o trajecto das massas de ar, sobre terra ou mar.
No nosso caso (Portugal) os ventos com componente oeste (qualquer quadrante) são de proveniência marítima, sempre mais húmidos comparativamente, e os de leste de proveniência continental, sempre mais secos.
Se no Verão correspondem a massas de ar mais secas e mais quentes, no Inverno, correspondem a massas de ar mais frias, mas igualmente secas. Ironicamente, as grandes ondas de frio, também estão associadas a entradas de nordeste, continentais. E aí, as ondas de frio mesmo a sério (já não temos nenhuma a sério há uns bons anos), são incrivelmente secas, com baixa humidade. Geograficamente Portugal tem ainda o importante pormenor de as montanhas do norte de Espanha reterem bastante humidade e precipitação se tivermos uma entrada de nordeste por exemplo.
Começo por responder à primeira pergunta, em relação ao uso dos rebanhos nas Zif.
Em Mação antes de 2003, existia um grande trabalho realizado na área florestal. A Câmara Municipal tinha construído uma boa rede de Pontos de Agua para apoio ao combate, melhorado os caminhos florestais e mantinha um excelente sistema de vigilância - 3 postos Vigia fixos) e Primeira intervenção - 4 carrinhas 4x4 equipadas com Kit de 600 litros de agua, que também faziam vigilância móvel. Paralelamente tinha sido o concelho com maior área de projectos Florestais de áreas agrupadas de plantações do Pais.
Mação era um aluno exemplar da filosofia então dominante em termos nacionais, no combate aos incêndios - bons caminhos, disponibilidade de água, boa vigilância, primeira intervenção rápida e eficaz e boas comunicações – existe uma rede de rádio municipal usada então também pelos bombeiros.
Apesar de tudo isto em 2003 (arderam em três incêndios 21.000 ha, dos 41.000 do concelho) ficou claro para todos que… tudo o que estava feito era necessário e importante, mas não era de modo algum suficiente.
O problema são os grandes incêndios, o concelho está coberto de um manto tal de combustível que quando um incêndio não é controlado de imediato à nascença, nasce um monstro imparável.
Para controlar combustíveis e gerir um território de 41.000 ha dividido em 80.000 propriedade, chegamos rapidamente a necessidade das Zif.
As “Zif condomínio”, pouco mais pareciam oferecer do que aquilo que já tínhamos tentado no passado – infraestruturas, vigilância e projectos de reflorestação em que se planta e depois ninguém cuida. Não se fazem aceiros porque não há forma de compensar os proprietários dessas áreas. E acima de tudo, de nada adianta ter um bom condomínio quando depois ninguém cuida do interior das casas…
Nós necessitávamos de planear milhares de hectares de uma nova paisagem mais resiliente, parecida com a que tínhamos há 50 anos, mudar usos de solo, criar descontinuidade, retirar áreas à floresta, promover e manter novas áreas destinadas à Agricultura e à Pastorícia. E queríamos fazer tudo isto numa zona em que a propriedade média tem 0,5ha…, tudo isto tinha que ser rentável e sustentável ao longo do tempo e ser aceite pelos proprietários.
As áreas em questão foram percorridas 2 vezes por incêndios de grandes dimensões nos últimos 25 anos, o rendimento destas áreas para os seus proprietários foi praticamente zero nos últimos trinta anos. Para além disto a grande maioria dos proprietários já não reside sequer no concelho. Os que restam estão envelhecidos e ou poucos jovens que restam têm os seus empregos. Todos mantêm uma forte ligação à “sua” Terra, em todos os sentidos.
Estabelecemos que o Limite mais correcto da Zif, seria a área de Influencia da aldeia (aqui é muito clara) cada aldeia tem uma área envolvente em que a esmagadora maioria das terras pertencem aos naturais da aldeia, estudámos a comunidade humana (as vezes é constituída por mais que uma aldeia), são as pessoas que foram à mesma escola primaria, que vão à mesma igreja, que construíram o Centro cultural e recreativo… e propusemos-lhe tentar resolver o problema deles com os incêndios – Fazendo “gestão total” do território. A terra continuaria propriedade de cada um mas seria gerida em conjunto, em termos funcionais. O rendimento dos eucaliptos a plantar seria para todos, assim como a espera pelos sobreiros, ou o risco de continuar com tanta área de pinheiro bravo. Assim para o proprietário é indiferente o que se encontra plantado na sua propriedade, mesmo que seja tudo um aceiro, ou uma área de protecção, ele recebe uma parte equivalente à sua área de adesão em todas as culturas.
Na pratica a Zif de Gestão Total – funcionará como uma sociedade dos habitantes da aldeia, em que cada um detém uma quota correspondente à sua área de adesão ao projecto (muito mais próximo de uma sociedade anónima do que de uma cooperativa) e a Associação florestal só aceita a gestão desde que se constitua uma comissão de gestão (a Associação não gere sozinha, mas apoia tecnicamente a gestão da Comissão de Gestão composta por três proprietários eleitos pelos proprietários, um técnico e um Director da Associação.
Qualquer proprietário pode entrar ou sair quando entender, é feita uma avaliação do estado da propriedade e das mais ou menos valias a que tem direito.
A Associação de Proprietários evoluiu para Associação de Zif e foram estabelecidas regras adequadas, Pretende-se que funcione como centro de recursos técnicos e logísticos, centro congregador de interesses mas ao mesmo tempo, respeite as especificidades de cada zif e lhe garanta a autonomia necessária para que sejam concorrenciais entre elas. E tudo isto sem a sobrecarregar com custos.
As actividades agrícolas tanto podem ser feitas pela Zif - directamente, ou até preferencialmente concessionadas à troca de uma renda a pagar a Zif.
Quanto aos proprietários interessados em gerir as sua propriedades… nada a opor, desde que se submetam e cumpram o plano de ordenamento (zonagem das culturas e espécies) da Zif, bem com o plano de gestão dessas áreas.
E foi então que aconteceu o que toda a gente dizia ser impossível… os proprietários perceberam o que estávamos a propor e aceitaram… Rapidamente concluímos os processos de constituição de cinco Zif. São hoje quase 7.500 ha… e mais de 1500 proprietários aderentes. Conseguimos até convencer a tutela a colocar a “Gestão Total“ no diploma que rege a constituição e funcionamento das Zif.
Colocámos aos proprietário a fasquia muito alta, porque já não há em Mação força para brincar ao “faz de conta” ou fazer “qualquer coisa”, apenas porque é “difícil” fazer o que deve ser feito. Estabelecemos como necessidade redesenhar a paisagem, diminuir a área florestal dos 93% para 70%... decidimos reunir as últimas forças para uma derradeira tentativa…
Planeamos as áreas de conservação, áreas destinadas ao eucalipto (as mais produtivas), estabelecemos as áreas de recuperação dos povoamentos de pinheiro bravo, escolhemos as áreas com aptidão para olival e vinhas bem com áreas significativas e com aptidão para o mirtilo, framboesa, e várias outras culturas do género, o objectivo foi usar a agricultura para compartimentar as áreas florestais, promovendo descontinuidade.
Planeamos ainda novos caminhos, faixas de baixa densidade de combustível etc. E desde o inicio percebemos a necessidade de a Zif ter um rebanho de cerca de 150/200 ovelhas para controle e aproveitamento de pastagens. Apesar da Cabra pastorear melhor em mato, tratando-se de uma zona recentemente ardida, de inicio seriam ovelhas. Do rebanho espera-se pouca rentabilidade, mas muita eficácia a controlar combustíveis finos. A receptividade dos proprietários foi grande. E á Zif, cabe a parte difícil… arranjar pastor, vedações e instalações, as áreas de pastagem são de todos os aderentes…
É possível em algumas das Zif que venha a ser “concessionado” o direito de pastagem se houver alguém interessado nessa actividade.
Todo o trabalho de organização da ZIF – de Gestão Total, tem por fim criar condições em territórios de minifúndio para que se possam viabilizar acções que “não são do interesse de ninguém” mas “interessam muito a todos” como voltar a ter um rebanho com dimensão suficiente para controlar o desenvolvimento de combustíveis.
Já estivemos mais perto… tarda a ajuda financeira essencial, bem como o apoio político necessário para uma figura com esta importância para o desenvolvimento rural.
Ao contrário de outros países em que existem ajudas para o desenvolvimento territorial… as nossas medidas do Proder, não são adequadas… Sabemos que nada do que estamos a tentar fazer é fácil… Mas há mais algum Caminho?
Anónimo,
Estou inteiramente de acordo consigo, mas se reparar, os índices de severidade meteorológica continuam a indicar o pinhal interior como de maior risco. O que estou a tentar perceber é qual é o parâmetro meteorológico que os índices estão a desprezar e que provavelmente está associado ao vento Leste. Porque niveis de secura muito acentuada existe em várias condições atmosféricas, o que pretendo perceber é se a duração dessa condições de secura é muito evidentemente diferente (sobretudo a variação diária). Eu intuo que sim, mas não consigo convencer ninguém com a minha fé, tem de ser com a minha racionalidade expressa em coisas que toda a gente perceba.
Tive oportunidade de apresentar este trabalho das Zif de gestão total de Mação na Galiza… ADORARAM!!! Fui convidado 12 vezes consecutivas para o apresentar nas mais variadas situações pela Conselharia do Mundo Rural – do Governo Regional da Galiza bem como pelo pólo da Universidade de Santiago em Lugo. Alguns meses depois fui Convidado de Honra, na Primeira apresentação pública das UXFOR – Unidades de Gestion Forestal, que são o conceito das nossas zif aplicados à realidade da Galiza.
António Louro
António Louro,
Um bom programa e uma boa antecipação do que o que o país vai ter de fazer (e uma boa demonstração de que em 2003 já era evidente que o caminho não era por onde estamos a ir).
Em todo esse programa parece-me que há um ponto fraco: em toda a descrição apenas falou da produção, nunca dos mercados. Um programa desse tipo tem capacidade para criar valor a partir da diferenciação. Quer envolvendo os restaurantes da região na colocação dos produtos e na sua valorização, deixando bem claro que consumir esses produtos é contribuir para a gestão do fogo, quer usando a diáspora de Mação para valorizar o que pode ser valorizado para lá do eucalipto (quer sejam borregos, quer sejam queijos, quer sejam cogumelos, quer sejam visitação e turismo, por aí fora).
Percebo que se foque no Estado e nos apoios que deviam vir daí, mas há um mercado de doadores nas empresas que levam a responsabilidade social a sério, e há um mercado de consumidores nessas mesmas empresas, que podem ter algum significado quando se fizerem contas no fim do ano (vender azeite a granel ou vendê-lo no quadro da gestão do fogo pode bem valer 100% do preço. No azeite é mais fácil introduzir diferenciação, mas noutras coisas, mesmo sendo 10 ou 20%, pode ser a diferença entre a viabilidade ou a inviabilidade da produção).
Mas fico muito satisfeito de ver coisas destas no concreto a serem desenhadas e aplicadas.
henrique pereira dos santos
Caro Henrique, quanto ao número de horas por dia com valores de humidade de cerca de 15%, penso que o melhor é disponibilizar-lhe os dados.
Sempre entendi que o conhecimento das condições locais de vento é essencial para realizar o planeamento do combate nos grandes incêndios pelo que temos vindo a tentar ter uma rede de estações no território do concelho que disponibilizem informação em tempo real.
Pelo que, hoje foi inaugurada uma nova etapa, os dados, das primeiras 2 estações estão finalmente disponíveis online em http://mail.cm-macao.pt/~servicos/meteo/index.php , consulte o período de 25 de Junho a 1 de Agosto por exemplo, o resto ainda nem vi…
Mas há valores de temperatura de 27.C as 5 da manhã… e humidades de 20ª
Apesar da longa apresentação que fiz das ZIF de Gestão Total, como é natural foi apenas uma breve introdução ao enorme trabalho que tivemos que desenvolver, há toda uma fileira de concentração, transformação e comercialização que não foquei, por não ser essencial para a discussão.
Mas dada a dimensão das áreas e volumes de produção, existe uma grande necessidade de extravasar a região.
Uma das componentes que considero de maior importância é a questão do financiamento, não é espectável que o “estado” pague tudo… Pelo que o modelo tem que ser muito robusto para permitir soluções financeiras como os Fundos de Investimento…
Estudamos e estamos a trabalhar na envolvência de parceiros nas diferentes vertentes, sejam Universidades, Empresas de Celulose, Biomassa etc..
Mas…
Não sou especialista de incêndios mas acompanho há mais de duas décadas situações no terreno por questões profissionais e é nessa condição que dou aqui o meu contributo.
Tenho acompanhado os “post” sobre o assunto dos incêndios aqui na ambio e subscrevo muito das opiniões aqui formadas pelo HPS, pelo Paulo Fernandes e o António Louro. No entanto, relativo ao Pinhal Interior, considero principalmente relevante a explicação do António Louro: “Temos tido um número muito reduzido de ignições e ainda por cima com uma taxa de simultaneidade muito baixa. Os incêndios têm ocorrido um de cada vez, o que tem permitido deslocar todos os meios disponíveis para o ataque inicial.
Considero que, a correlação entre n.º de ignições e área ardida é muito baixa. No entanto, a ocorrência de varias ignições simultâneas com a natural dispersão dos meios de combate, cria condições facilitadoras para o descontrole da situação, facilitando o aparecimento de grandes incêndios.”
Não sei se estatisticamente o nº de ignições é tratado de forma a estabelecer alguma correlação entre o seu nº num determinado período de tempo e os incêndios florestais de grandes dimensões. Talvez aí se encontre algum padrão. Acrescento ainda ao debate as diferenças de povoamento entre o Pinhal Interior (mais concentrado) e o Norte do país (mais disperso) o que, em meu entender, é factor relevante tendo em conta a dispersão de meios, sobretudo nas situações em que ocorrem em simultâneo várias ignições ou incêndios.
Da minha experiência com incêndios de grandes dimensões, que deflagraram e progrediram com ventos de Leste, pude constatar e observar as dificuldades do seu combate, física e psicológica, pelo que na formação e na preparação dos meios operacionais, designadamente os humanos, é necessário deixar bem claro que os riscos nestas condições meteorológicas são substancialmente mais elevados do que em condições de ventos marítimos. Relembro particularmente um incêndio na serra de Aire que atravessou por duas vezes todo o planalto de São Mamede e de que nada valeu os bons acessos aí existentes, onde se inclui a A1 que por duas vezes foi transposta pelo incêndio. Durante 15 dias o padrão do vento era o seguinte: ventos de leste que começavam ao início do dia aumentando de intensidade até às 15:00 – 16:00 horas mudando repentinamente para nortada mantendo-se a partir daí até às 20:00-21:00 horas. Por várias vezes observei que os meios de combate que estavam dispostos no combate ao incêndio não contemplavam esta mudança de vento, que era cíclica. O desgaste psicológico que provocava nos bombeiros era elevadíssimo, pelo que durante a noite eram libertados recursos criando deficiências no rescaldo e combate nocturno, período em que, na minha opinião, se verificavam as melhores condições para a extinção do incêndio com aquelas condições meteorológicas. No dia seguinte a história repetia-se…
LAF
Descobri neste blogue algo de surpreendente:
Para o Sr. Henrique Pereira dos Santos os incêndios existem, só e somente porque existem condições meteorológicas favoráveis.
Não é necessário haver quem por maldade ou seja lá por que motivo for não active a chama, perdão quero dizer ignição, pois é muito mais académico, logo científico.
Pelo conhecimento que tenho, empírico ele é, existem duas formas de activar fogo e elas são de forma natural ou artificial.
A forma natural pode ser ou através de um qualquer relâmpago ou lava de um qualquer vulcão activo, não conheço outras, agora de forma artificial elas são várias e escuso-me a dizer quais, pois são conhecidas de todos.
Em resposta a outra questão por si levantada e não por mim, pelo que sei e vem nos livros existem pirómanos e estes incendiários são-no só pelo prazer mórbido de ver a arder, logo qualquer local lhes serve.
“agora incendiários que andam ou não a ver quando regiões inteiras estão em condições de arder, por favor, isso é uma história da carochinha.”
Isto sim já é romancear e pode ser o início da história da carochinha, pois das minhas palavras só alguém com uma grande imaginação pode deduzir assim.
Espero bem e faço votos de que para o próximo ano tudo o que se está para aqui a dizer e a escrever possa ser um grande monte de disparates, era bom sinal, só que eu já não acredito. Muito se tem dito, algo se tem feito, os resultados estão à vista de todos, os pirómanos continuam à solta e o país continua a arder, não temos vulcões activos nem me consta que tenha havido trovoadas, o resto é por culpa de todos nós.
Luís António,
Esqueci-me de lhe responder e depois pensei que já tinha respondido.
A argumentação do número de ignições não me satisfaz. É uma possibilidade, mas a verdade é que no distrito da Guarda ardeu que se fartou com número de ignições semelhantes aos de Castelo Branco. A a Sul da serra da Estrela não ardeu.
Porquê? Não sei.
Mas a justificação das ignições não é válida em situações semelhantes, portanto registo, mas até ver não acredito.
ARPires,
97% dos incêndios têm origem causas humanas e o número de ignições está muito relacionado com a densidade populacional. E sim, há incendiários. Mas nenhuma destas informações vale de grande coisa para resolver o problema dos fogos, porque nenhuma é determinante como são as condições meteorológicas (que não controlamos) e a acumulação de combustível (que podemos controlar, se quisermos).
henrique pereira dos santos
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