sexta-feira, junho 03, 2011

Trabalho

Há trabalho que gosto mais e menos de fazer.
Este, desta fotografia tirada no Domingo passado, é dos que melhor me sabem.
Em grande plano, António Alexandre, o verdadeiro artista deste projecto.
Atrás da máquina fotográfica, Luis Jordão, da Desafio das Letras, um parceiro fundamental nos últimos desenvolvimentos do projecto.
E algures na cozinha, fora do ângulo de visão, a Ângela, da Moinho da Serra, o parceiro mais recente.
A concepção inicial do projecto foi feita durante a minha colaboração com a ATN e já falei sobre ele, por exemplo, aqui.
Mais tarde, através da Desafio das Letras, o projecto integrou uma componente de formação para restaurantes locais e a acção levada a cabo deu também origem ao livro "O gosto de Sicó".
Nesta altura o projecto está a desenvolver-se para as Aldeias do Xisto e a fotografia é da primeira acção concreta, que decorreu no Domingo, integrando duas novas valências: a abertura da formação para o público em geral (de manhã, para o público, à tarde para profissionais de restauração, que é o que retrata a fotografia do post) e a capacitação de agentes locais que possam ter um efeito multiplicador, nomeadamente usando o conceito "experience nature", um produto de turismo de natureza da Desafio das Letras.
O meu papel no projecto acaba por ser limitado, tenho sobretudo que produzir informação sobre a paisagem que se trabalha e a forma como isso se relaciona com a alimentação.
Como colaboro com a Aguiar Floresta, também interessada na valorização de produtos que garantam sustentabilidade à gestão do território, estamos a conversar sobre a possibilidade de estender o projecto à zona de Vila Pouca de Aguiar e Vila Real.
O simples facto dessa possibilidade existir influencia já o trabalho que fazemos (neste caso, o António Alexandre): ao discutir a hipótese de trabalho e o contributo que se poderia dar para a valorização dos produtos locais, foi-nos referido que os restaurantes locais usam menos o cabrito do que gostariam (e do que seria desejável para a valorização do produto e a produção dos serviços de ecossistema associados à pastorícia) por uma razão prática de gestão.
Se ao fazer um bacalhau cozido o prato não sair tão bem, qualquer restaurante aproveita as refeições que não foram vendidas, mas que foram meias preparadas, para uns pastéis de bacalhau ou umas pataniscas, mas se for cabrito, que na região só se serve ou assado ou em ensopado (penso que se trata de uma adaptação a tempos modernos, o mais natural é que tradicionalmente fosse em caldeirada ou com castanha) não sabem o que fazer ao cabrito que tenha sido cozinhado e não servido.
António Alexandre, com as batatinhas que se vêem na fotografia, e muitas mais coisas, preparou uma deliciosa salada de borrego (pode ser de cabrito, pode ser de coelho), com uma vinagreta de frutas (de manhã framboesas, à tarde, cerejas, mas pode ser outra qualquer, eu fiz ontem com damascos, e se eu fiz, qualquer nabo na cozinha consegue fazer) que permite aos restaurantes variar e gerir mais eficientemente, com menos desperdício económico e ambiental, os produtos locais.
O efeito multiplicador deste tipo de projectos é muito difícil de medir, mas duas das pessoas que atentamente seguem a formação (não vêem só, mexem, temperam, cozinham, discutem alternativas) são elas próprias formadoras em escolas técnicas locais.
Como digo, este é, de entre os trabalhos que faço, um dos que melhor me sabem.
E fico com a nítida sensação que mais pessoas hoje sabem como tirar partido de produtos locais e de elevado conteúdo de biodiversidade.
Parece-me um caminho (caminhito, pequenino, é certo) bem melhor que o que tem conduzido a situações como esta o nosso mundo rural e a gestão da nossa biodiversidade.
henrique pereira dos santos

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