Quando procurava uma imagem para o post, escrevi "academia" no google, à espera de, por exemplo, ver a Academia de Atenas, de Rafael, que aqui reproduzo. Mas não, as dezenas de imagens que me surgiram eram todas sobre ginásios, bícepes e coisas que tal. O google tem uma ideia da academia eventualmente mais acertada que a minha
Esta é a comissão de especialistas que começa a discutir uma nova lei de bases do ambiente: Carlos Pimenta, Carlos Borrego, Luísa Schmidt, Catarina Palma Roseta, Cláudia Dias Soares, Fernando Santana, Filipe Duarte Santos, Helena Freitas, Rodrigo Proença de Carvalho, Vasco Pereira da Silva e Viriato Soromenho Marques.
É assumidamente uma comissão de académicos (Carlos Pimenta deve lá estar por especial deferência em relação ao seu papel na actual lei de bases do ambiente, sendo o único não académico).
A coisa está certinha, com especialistas em todas as áreas, economistas, juristas, filósofos, conservacionistas, aquistas, alteristas climáticos, sociólogos, enfim tudo o que faz falta.
Mas com todo o cuidado em fazer a comissão de especialistas para rever a lei esqueceram-se do essencial: desenhar um bom modelo de decisão.
Cada uma destas pessoas é muito estimável (conheço metade e presumo que a outra metade deve regular pela mesma bitola), e cada uma delas com certeza tem coisas razoáveis e sensatas a dizer sobre uma eventual lei de bases do ambiente, mas pô-las todas juntas numa comissão para definirem os princípios de uma lei de bases do ambiente é uma péssima forma de governar.
Não vou discutir se precisamos ou não de uma lei de bases do ambiente, mas se a queremos fazer, sejam quais forem as razões para isso, o processo não pode ser juntar uns académicos que nunca na vida aplicaram a lei existente no concreto (quem aplica a lei é a administração nas suas decisões, é a polícia na sua fiscalização e os tribunais na administração da justiça), nem, na sua maioria, foram objecto das decisões sobre o assunto (os cidadãos e os agentes económicos são maioritariamente os objectos da decisão) e esperar que dessa comissão saia alguma coisa útil.
Sairá qualquer coisa muito consistente, muito consensual, muito sustentada no melhor conhecimento disponível (leia-se, no que está publicado em publicações com revisores e indexadas numas listas muito importantes) mas nunca sairá dali nada de muito útil.
Eu sei que depois vai para a Assembleia da República onde os representantes do povo (uma grande parte profissionais da política que nunca na vida aplicaram uma lei e são especialistas em situações de excepção quando são objectos da sua aplicação) farão uma lei fantástica, corrigindo os eventuais excessos sonhadores dos nossos académicos.
Mas numa democracia adulta um governante não estaria a dizer que quer discutir a lei com todos os partidos.
Numa democracia adulta simplesmente se desenharia um modelo de decisão que integrasse os que aplicam a lei e os que são objectos da sua aplicação, para além dos académicos e dos representantes do povo.
Os empresários, os vigilantes, os magistrados, os técnicos que lidam todos os dias com o concreto da gestão ambiental estariam na primeira linha da discussão.
É complicado? É. Demora mais tempo? Demora. É mais caro? É.
Mas não tenho qualquer dúvida de que o resultado teria uma probabilidade muito maior de ser útil.
Fui ontem ao lançamento do novo livro do Porfírio Silva "Podemos matar um sinal de trânsito?". A apresentação foi feita por um dos sábios da comissão cuja constituição, nos termos em que é feita, classifico neste post como uma má decisão do Governo, Viriato Soromenho Marques. Nessa apresentação o Viriato chama a atenção para um cortador de relva referido pelo Porfírio.
Pois foi à procura dessa chamada de atenção que li: "Queremos dizer, com estas considerações acerca de normas e tempo: o que é permitido ou proibido nem sempre é fixado como quem usa um interruptor, que só pode estar ligado ou desligado. Uma regra que serve o propósito de coordenar várias pessoas numa comunidade de acção não é coisa que se ligue e desligue com a facilidade com que se acende e apaga a luz. O uso ou a falta de uso de uma regra importa muito à sua existência" (enfim, leiam o antes e depois no livro e aprofundarão o que aqui se transcreve, nomeadamente a sua relação com o cortador de relva, que ao contrário das normas sociais, se degrada com o uso em vez de se fortalecer).
Estas pessoas desta comissão são excelentes para dizer onde e quando se deve acender ou apagar a luz.
Mas isso não resolve o problema da definição da melhor regra, isto é, daquela que pela sua perfeição formal, aceitação social e capacidade de ser aplicada pelos mecanismos normais de regulação social se fortalece a si mesma pelo uso frequente. A ideia comum de que em Portugal existem leis muito boas, não são é aplicadas, é uma ideia intrinsecamente contraditória, porque a lei boa é a que é aplicada, a outra degrada-se todos os dias pela falta de uso e provavelmente nunca foi boa (escrevo "provavelmente" por escrúpulo intelectual. Todas as leis que se diziam boas mas poucos aplicadas e que tive de aplicar eram mesmo más porque se preocupavam muito pouco com as condições concretas da sua aplicação).
Para nos aproximarmos de melhores regras o melhor mesmo é ir buscar à realidade social o que é e não é comum ou o que as pessoas comuns tendem a ver como o que deveria ser comum.
A academia procura a verdade, mas a "comunidade de acção" procura simplesmente uma forma simples de cada um ir atrás da sua verdade sem com isso criar conflitos irresolúveis entre os membros da comunidade.
Um governo que substitui a representação social pela academia é um mau Governo. Mesmo que depois minimize a substituição alargando-a à representação partidária.
henrique pereira dos santos
6 comentários:
Bem verdade. Excelente post, Henrique.
Gonçalo Rosa
Ao contrário do Henrique, acho a comissão má, com uma componente demasiado importante de Alarmismo Climático (Filipe Duarte Santos, Luisa Schmidt e Viriato Soromenho Marques), com alguns moderados na mesma temática à mistura (Carlos Borrego e Carlos Pimenta). Na generalidade concordo com o que escreveu. Gostava de ver outras componentes mais modernas envolvidas nesta comissão, com outra visão, e não pessoas de ideias já gastas e de competência nesta área duvidosa (Viriato Soromenho Marques e LS por exemplo.
Anónimo,
Acho de mau gosto fazer apreciações pessoais sem assinar por baixo.
A sua opinião sobre a comissão não é contrária à minha porque me limitei a dizer que era uma comissão com tudo certinho (digo-o com boa vontade e com vontade de evitar discussões corporativas, porque a paisagem está pura e simplesmente omissa nas competências destas pessoas todas). Não me pronunciei, nem vou pronunciar, se é boa ou má. Qualquer escolha de nomes deste tipo terá vantagens e desvantagens. Não são por isso os nomes e as pessoas que me preocupam mas o método de decisão.
henrique pereira dos santos
Qual é o mal de se fazerem apreciações pessoais e não se assinar por baixo? É a minha opinião, vale o que vale. O Henrique achou que estava tudo certinho na Comissão e eu não acho, o que significa que tenho uma opinião contrária à sua exclusivamente neste aspecto, nada mais. Em tudo o resto concordo em absoluto com o que escreveu.
Caso a educação e o bom tom se mantenham elevados, não vejo onde está o mau gosto em não assinar um comentário num qualquer blog. Era o que mais faltava!!
Caro Henrique,
Gostei de ler este texto. Choca-me é os seus cuidados para fugir a polémicas! ;-)
Preocupa-me um pouco a vaidade das pessoas que aceitam fazer parte deste tipo de coisas sem primeiro se perguntarem exactamente do que estão a fazer parte e para quê.
Tão pouca sanidade na net ultimamente, um prazer ler os seus textos.
Rui Pedro,
tenho a agradecer-lhe este princípio de dia. Ainda não parei de rir com a ideia de que alguém fique chocado com os meus cuidados em fugir de polémicas.
henrique pereira dos santos
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