sábado, outubro 27, 2012

Novas histórias do lobo mau


Um dia um pastor, a quem a idade ia já pesando, lembrou-se de declarar mais uma cabra para subsídio.
"Mais cabra, menos cabra, a eles tanto lhes dá, e a mim sempre me ajuda a passar a velhice".
Com o tempo a passar, foi aumentando o negócio: o rebanho ia diminuindo no campo e aumentando no subsídio.
"Mais cabra, menos cabra, que mais dá?".
Vendendo uns cabritos aqui, comendo umas chanfanas acolá, e rebanho ia minguando, mas o dinheirito ia sempre aumentando, que no papel o rebanho  prosperava e "eles" pagavam, que bem tinham com quê.
Um dia veio uma inspecção e perguntou-lhe pelas 200 cabras. Aqui estão vinte e uma, mas ali para cima, lá pelo monte, andam aquase duzentas, que algumas até me esqueço de as meter ao subsídio.
Mas quê, o homem da inspecção queria vê-las, tinha de registar os números dos brincos, e sem isso não recebia o dinheiro da inspecção.
O pastor coçou a cabeça, foi à adega ao presunto, trouxe um caneco valente, e sentou-se a conversar com o inspector, dizendo-lhe que esperasse que as cabras já tornavam para baixo.
Vai da broa, vai do presunto, o caneco ora vazava ora enchia, mas o raio do homem que não se calava com os números dos brincos.
O vinhito não era mau, mas já se vê, uma espécie de verde, que ali era mais para o frio, era difícil ter mais de sete de grau, os homens até lhe chegavam bem, mas a coisa não se resolvia.
"As cabras já vão chegando, eu pelo menos já vejo umas quarenta, mas esta cabeça já não está tão boa como quando chegou, volto daqui a dias para ver as outras cabras, por agora vou-me embora que me parecem os números todos turvos."
O pastor dava voltas e voltas na cama para saber como resolver o assunto.
Ele bem sabia onde andavam as cabras, nos tachos e panelas deste e daquele e o problema é que ainda lhe pediam que voltasse a entregar o dinheirinho que estava gasto.
A mulher, farta de o ver às voltas a dizer que se ia desgraçar, sempre lhe disse: "és sempre o mesmo cabeça no ar, deixa-me dormir sossegada, diz ao homem que o lobo te levou os animais na semana passada".
E foi assim, depois do sono dos justos, que o homem passou os dias seguintes a dizer em tudo quanto era aldeia e vila, que andavam feras no monte a roubar-lhe os animais.
Não sei o que me deu para escrever esta história completamente absurda.
Só se foi este post do melhor surrealismo que tenho lido em Portugal desde o António Maria Lisboa.
henrique pereira dos santos

1 comentário:

MViana disse...

A SIC fez há poucos dias a mais vergonha reportagem que eu vi nos últimos tempos. Afirmaram que foram feitos repovoamentos de lobos na serra em questão, apresentaram um ex caçador de lobos como um justiceiro que infelizmente está proibido de fazer justiça. E não colocaram sequer a hipótese de certas cabras desaparecerem por causa de matilhas de cães assilvestrados, roubos, ou até por nunca terem existido.