quinta-feira, dezembro 06, 2012

As elites e o ordenamento do território

Uns pobres de espírito que desconhecem o mundo maravilhoso do licenciamento zero e da ausência de REN na decisão de ocupação do território a queixarem-se de terem caído uns pingos de água em vez de glorificarem os maravilhosos ganhos económicos previamente obtidos
Ao passar à porta de um café vi Ribeiro Telles sentado a ler os jornais do dia.
Quem tem lido o que escrevo sabe que, de maneira geral, onde estiver Ribeiro Telles eu estarei na oposição.
Mas nunca confundi as minhas divergências de opinião com a genuína simpatia que tenho por Ribeiro Telles pelo que, apesar do tempo contado, entrei no café e fiquei por ali dez minutos a conversar sobre o projecto da Faia Brava ou sobre o que estamos a fazer em Vila Pouca de Aguiar com o controlo de combustíveis através do pastoreio dirigido.
Como sempre a curiosidade de Ribeiro Telles, as perguntas que faz, o interesse pelo que desconhece é cativante e saí dali, atrasado (coisa que me incomoda profundamente) mas a achar que tinha valido a pena.
Vem isto a propósito da coincidência de ter ouvido, ao princípio da tarde do mesmo dia, uma intervenção de José Gomes Ferreira para uma plateia de empresários e gestores.
No meio de muitas certezas sobre economia e um ataque cerrado aos banqueiros (cai sempre bem em qualquer demagogo que se preze e é uma constante de todas as épocas de crise, não deixando eu de me lembrar a queima de Jacques de Molay para resolver os problemas financeiros de Filipe, o Belo) aparece um tópico sobre a RAN e a REN, como uma questão magna para libertar a economia nacional.
José Gomes Ferreira não é uma pessoa qualquer, desinformada e que lê o Correio da Manhã no café da esquina. É inegavelmente um membro das elites portuguesas.
O que ele disse, aliás, não se afasta muito do que têm sido posições dominantes das elites satisfeitinhas consigo próprias e distantes da curiosidade e interesse em ouvir de Ribeiro Telles (outro membro das elites em Portugal, claro, mas frequentemente desalinhado do pensamento dominante).
É inacreditável a quantidade de asneiras sobre ordenamento do território ditas por José Gomes Ferreira. Falo de asneiras factuais, não falo de opiniões, que dariam mais meia dúzia de posts.
José Gomes Ferreira diz que os PDMs foram feitos para integrar 90% em RAN e REN e deixar apenas 10% para a urbanização, de modo as que os lobbies (financiados pelos bancos, sempre os maus da fita) pudessem especular com o preço dos terrenos devido à escassez de oferta.
A quantidade de informação factual errada nesta tese é impressionante, mas não satisfeito José Gomes Ferreira continua, argumentando que se os PDMs previssem 50% de RAN e REN e 50% para a urbanização se acabaria com o poder dos funcionários que prejudicam os empresários com os seus pareceres (uma versão soft da tese da máfia verde já aqui tratada várias vezes) e a economia poderia prosperar, defendendo uma coisa chamada licenciamento zero.
Resumindo, José Gomes Ferreira não sabe que o uso urbano, em qualquer país normal, não passa dos 3% (talvez na Holanda seja um pouco acima, não sei), não sabe que os PDM em Portugal prevêem duplicar a área construída (um aumento de 100% não chega para travar a especulação provocada pela escassez com uma população estagnada?), não sabe que talvez a Alpiarça tenha 90% do concelho em RAN e REN, e até talvez haja um ou outro concelho onde isso aconteça (eu tenho as minhas dúvidas de que, a existirem, eles sejam mais de meia dúzia) mas que a generalidade dos concelhos em Portugal têm muito menos de 90% da sua área m RAN e REN, não sabe que há mais mundo que RAN e REN e urbanização nos zonamentos dos planos, não sabe que o negócio não é especular em 10% do território por escassez de oferta de terreno urbanizável, mas sim comprar terreno não urbanizável e conseguir as decisões administrativas para o tornar urbanizável, de maneira geral com base em argumentos semelhantes (mas falsos, na maioria das vezes) aos de José Gomes Ferreira, não conhece as ineficiências de uma localização dispersa da habitação, indústria e equipamentos, desconhece os custos para os contribuintes em investimento estrutural e operação do fornecimento de bens básicos, como esgotos, água, electricidade, correio, transportes, etc., etc., etc..
E não sabe também das ineficiências estúpidas a que estas conversas de treta das elites sobre estas matérias têm conduzido, como à inefável plataforma logística de Castanheira do Ribatejo, que continua vazia, apesar dos investimentos privados imensos (dívida privada, falta de crédito, sufoco financeiro, imparidades bancárias nos activos imobiliários, alguém saberá de onde virão estes problemas?) e, até agora, inúteis, e investimentos públicos absurdos em acessibilidades e isenção de taxas (dívida pública, austeridade, crowding out, será que alguém saberá de onde vêm estes problemas).
Mas acima de tudo, José Gomes Ferreira aceita ter opiniões definitivas sobre esta matéria sem que até hoje exista um único estudo que demonstre a influência negativa da RAN e da REN na economia do país, embora exista abundância evidente do preço a que nos está a ficar o recente peso excessivo do sector da construção na economia do país, em grande parte à custa destes jeitinhos de ajustar as regras ao sector, em vez de ajustar o sector às regras, bem dos custos sociais que nos estão a ser cobrados pelo ajustamento que consiste em reduzir o peso da construção e afins dos seus 30% da economia para os saudáveis 6 a 7% a que teremos de chegar.
E estamos a falar de uma pessoa que tem obrigação de estar especialmente bem informada.
Imaginemos o que vai na cabeça de pessoas com informação média, filtrada por estas elites bem informadas.
Estamos feitos.
henrique pereira dos santos

12 comentários:

Anónimo disse...

Pois...

Conelho

Conselho

Concelho

É içço memo!

Henrique Pereira dos Santos disse...

Está corrigido (espero eu que não haja mais).
Obrigado
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Eu ouvi algumas vezes o José Gomes Ferreira com interesse sobre a política deste Governo porque me parecia que ele sabia os números e do que estava a falar. Depois comecei a achar que o discurso era um bocado sempre o mesmo, razoavelmente demagógico e pouco fundamentado em factos e números verificáveis.
Depois acabei por perder completamente o respeito por ele por uma razão (completamente?) diferente: ouvi-o num programa (para gente nova e, supostamente, mais informada sobre novas tecnologias do que sobre política e economia) mencionar o facto de ter entrevistado por duas vezes um Secretário de Estado que ele sabia que tinha endividado o país por 70 anos com PPP e só no fim da segunda entrevista ele ter reconhecido o facto. Nunca disse o nome do Secretário de Estado (nem o entrevistador lho perguntou).
A versão sofisticado do tão português "Agarrem-me senão eu mato-o!".
IsabelPS

Nuno disse...

Excelente resposta...

A parte mais frustrante é que ao JGF basta dizer um breve bitaite com convicção para imediatamente capturar uma audiência nacional (o seu objectivo principal) mas para o refutar ponto por ponto de forma fundamentada é preciso um texto comparativamente longo como este, que (infelizmente) poucos vão ler.

Nuno Oliveira

Anónimo disse...

O Henrique tem andado ultimamente muito anti-elitista.
Será que finalmente se rendeu ao elixir do proletariado e das massas exploradas tão queridas pela elitista Isabel Jonet?
Agora deu-lhe para assumir a oposição a Ribeiro Teles, mas apoiando a RAN e REN contra as diatribes liberais e desreguladoras do jornalista José Gomes Ferreira.
Note-se - para quem não saiba - que a RAN e a REN foram criações do próprio Ribeiro Teles !!!
Vá-se lá perceber o paradoxo henriquino!!!

Anónimo disse...

Nada que já não sabíamos:
Henrique Pereira dos Santos mostra ter uma visão ultrapassada sobre os temas do ambiente.

O vice-presidente do PSD Jorge Moreira da Silva considerou hoje que o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, manifestou uma visão ultrapassada sobre o ambiente:
http://www.ionline.pt/portugal/moreira-da-silva-ministro-da-economia-mostrou-visao-ultrapassada-sobre-ambiente

Henrique Pereira dos Santos disse...

Estamos de acordo: o henrique pereira dos santos é uma besta.
Agora, quanto ao artigo, tem alguma coisa a dizer?
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Sim, tenho a dizer que o artigo é um chorrilho de contradições disparatadas, porque:

a) critica as elites actuais, ao mesmo tempo que apoia e sustenta a elite actual (passe a redundância)!!!
b)assume a oposição a Ribeiro Teles, ao mesmo tempo que apoia a RAN e a REN, criações de Ribeiro Teles
c) defende o liberalismo económico e ao mesmo tempo que critica a desregulamentação liberal defendida pelo jornalista José Gomes Ferreira
d) critica a demagogia, ao mesmo tempo que confunde demagogicamente as coisas para defender o politicamente correcto!!!

Carlos Aguiar disse...

Os artigos do HPS ou de qualquer outro contribuinte da AMBIO não precisam de claques ou de dedinhos para cima ou para baixo, estilo FACEBOOK. Precisam sim de quem polemize com a justa intenção de rebater opiniões, de clarificar pontos, de progredir nas ideias. Ninguém tem que concordar com ninguém, e ninguém está proibido de assumir e expressar o que pensa (este é o segredo da sociedade aberta e do seu maior guardião, a internet).

Algo de desagradável, porém, se está passar nesta lista. Os anónimos, um, dois ou n, não sei quantos são, estão a degradar a qualidade da lista, a enfadar os seus leitores e a insultar os seus autores. A linguagem trauliteira, este terrorismo baixo e azedo, escondido na cobardia do anonimato, demovem a boa intenção e estão a perigar a utilidade da AMBIO.

Quem escreve na AMBIO, fá-lo em liberdade. E é essa liberdade que incomoda. Desapareçam ou assumam quem são.

Anónimo disse...

Pois, pois.
A auto-vitimização é típica dos fracos.
Não espanta, por isso, a congénita tendência dos seguidores de mitos (dos mercados e dos amores perfeitos, por exemplo ) para apelidar de terroristas as vozes críticas e livres.

Quanto ao anonimato, o Carlos Aguiar peca por ignorância grosseira, pois é justamente o anonimato que promove e estimula mais liberdade de expressão.
Aliás, a maioria dos comentários na Internet é feita essencialmente de forma anónima, o que segundo um parecer oriundo da Universidade de Estocolmo(http://people.dsv.su.se/~jpalme/society/anonymity.html), gera justamente maior liberdade de expressão. Muitos websites e a própria Wikipedia é escrita de forma cooperativa e partilhada por autores anónimos.

Forçoso é pois de concluir que já não é apenas o Henrique Pereira dos Santos que está ultrapassado em questões de ambiente, também o caríssimo Carlos Aguiar se mostra completamente ultrapassado em matéria de liberdade de expressão!

Coitado do liberalismo «verdejante» (!?) com fiéis desta qualidade!

Carlos Aguiar disse...

Sabe, anónimo, são muitos anos e já conheço os truques de retórica da sua agremiação. O sr. omitiu propositadamente o essencial. É que essa internet que se constrói no anonimato segue códigos de ética, que, ao mesmo tempo, são códigos de honra. Experimente não os cumprir na Wikipedia, ou até no DN que não modera comentários.
Não se preocupe, anónimo, deixo para si o último comentário. Divirta-se a digitar boutades contra o ambientalismo de mercado (e implicitamente contra a democracia liberal) no seu telemóvel de última geração. É natal.

Anónimo disse...

«Divirta-se a digitar boutades contra o ambientalismo de mercado (e implicitamente contra a democracia liberal) no seu telemóvel de última geração» ( Carlos Aguiar)

Eu já previa! Os pseudo-liberais e pseudo-ambientalistas acabam sempre por misturar liberdade com telemóveis!!!