Os charcos (ou ribeiras ou poços ou tanques ou qualquer outro ponto de água, natural ou artificial) são repletos de vida. Lembro-me, enquanto miúdo, de passar horas à beira de um "sloot" (canal de pequena dimensão nas lezírias neerlandesas) a admirar as rãs e que invariavelmente falhava ao tentar apanhá-las. Mais tarde, já integrado num grupo juvenil de estudo da natureza, e equipado com redes e chaves dicotómicas, apanhava libélulas, coleopteras e outros grupos de animais e não descansava até determinar as espécies. Nos tanques da quinta dos meus pais, admirava as aranhas subaquáticas, as alfaiates e o meu campeão, o escaravelho Dytiscus marginalis, brutal predador que terrorizava o tanque todo.
Hoje em dia, os charcos são um "spearpoint" na estratégia europeia da conservação da biodiversidade, com projetos um pouco por todo o continente europeu. Acontece que essa relevância conservacionista ganha uma dimensão extra nos paises com clima mediterrânico como (partes de) Portugal, onde os charcos são autênticos hotspots de biodiversidade e refúgios para inúmeras espécies que dependem deles para a sua sobrevivência.
Acontece que há charcos e outros pontos de água um pouco por todo o lado. Ninguém sabe com rigor quantos há em Portugal. O projeto Charcos com Vida procura preencher esse vazio através do Inventário de Charcos. É mais um exemplo de Citizen Science que permite a qualquer citadão contribuir para o aumento de conhecimento sobre um tema. Não é preciso conhecimento especializado, basta juntar curiosidade, vontade e um pouquinho de tempo para introduzir um charco, sim, aquele lá logo ao virar da esquina da sua casa.
O projeto Charcos com Vida já conta com uma série de parceiros e ele próprio é parceiro do projeto Biodiversity4All. Espero que estes projetos, tal como tantos outros que estão interligados, não o são exclusivamente pela intenção, mas que trabalhem em rede, com reais e constantes fluxos de informação entre eles. Espero que os levantamentos de espécies ao abrigo do Charcos com Vida acabem na base de dados da Bio4All e que os habitats aquáticos identificados no Bio4All acabem no Inventário de Charcos do Charcos com Vida. E por aí fora.
Outro dia, contei a um amigo a atração do meu filho por anfíbios (e outra bicharada, tudo menos aranhas) e ele respondeu-me que as crianças gostam de coisas nojentas. Respondi-lhe que se calhar elas ainda não "aprenderam" isso, de ser nojento quero dizer, e que simplesmente se deixam encantar pela bicharada. E sabe tão bem, uma pessoa adulta e responsável e respeitável e tal, sentir de vez em quando aquele "jazz" de miúdo, a espreitar o fundo de um tanque onde uma rã se escondeu por baixo de uma folha submersa.
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