sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Off topic...


... ou talvez não.
Recapitulando: Durante muitos anos Portugal viveu comprando mais que o que vendia, o que não seria grave se por qualquer motivo (por exemplo, remessas de emigrantes) entrasse dinheiro na mesma ordem de grandeza da diferença entre vendas e compras. A partir de certa altura Portugal passou a suportar essa diferença em dívida. De cada vez que alguém tentava inverter este rumo, o que implicaria vender mais (que em grande parte não está nas mãos dos governos) ou comprar menos (que tem custos políticos elevados), os sectores empregadores, com destaque para a construção (em sentido lato) erguiam-se em protesto, apoiados na inevitável subida da taxa de desemprego. Para resolver o desemprego os governos, com especial destaque para os do PS (a esquerda, esta, moderada, e a outra, imoderada, conseguiu pôr um inveterado esquerdista como eu a fazer campanha pela direita só para ver se se introduzia um mínimo de racionalidade na gestão da coisa pública) resolveram pedir mais dinheiro emprestado para fazer mais obras que iriam, um dia, melhorar o desempenho económico do país. A partir de certa altura eram as famílias, as empresas, os bancos e o governo a pedir dinheiro emprestado para manter uma ficção económica que se resolveria amanhã. No meio desta suave descida aos infernos, uma crise financeira mundial absorveu os abundantes meios financeiros que suportavam as dívidas de má qualidade (ou seja, as que dificilmente seriam um dia pagas, mas que se esperava que fossem sendo geridas) e Portugal foi confrontado com uma dificuldade grande de acesso a dinheiro que pagasse a diferença entre o que vendia e o que comprava. O que fez então o governo incumbente? Aprofundou o modelo económico anterior e, dementemente, endividou-se desesperadamente para suportar, pelo menos até à eleição seguinte, a ficção económica em curso, despejando a dívida que ia arrancando a ferros e a custos progressivamente maiores, sobre os sectores protegidos, em especial a inevitável construção civil que alimentava uma miríade de pequenos negócios ineficientes a jusante e montante, segurando artificialmente a taxa de desemprego. Até ao dia em que um golpe de Estado orquestrado pela banca (em risco de falência) e executado pelo seu ministro das finanças, obrigou o primeiro ministro de então a pedir a intervenção externa antes que a bolha do endividamento rebentasse descontroladamente, com um inevitável cortejo de falências, desestruturação do sistema financeiro, disparo do desemprego e miséria, muita miséria. Os representantes dos credores estabeleceram então um programa para resolver os desequilíbrios externos fundamentais (isto é, equilibrar compras e vendas) e, por essa via, criar confiança suficiente para que o dinheiro para gerir a dívida retornasse ao país. Inevitavelmente esse programa consistia em reduzir drasticamente a despesa do Estado e as compras ao exterior, visto que aumentar as vendas é um processo complexo que resulta essencialmente do desempenho das empresas. Inevitavelmente o sector da construção estoirou, o sector financeiro não estoirou porque foi amparado (o seu papel numa economia é equivalente ao papel do sistema circulatório num corpo, e se sobrevive a uma amputação de um braço, não se sobrevive à amputação do coração) e os milhares de negócios ineficientes a montante e jusante da construção faliram. A necessidade de resolver os problemas do sector financeiro obrigou a uma contracção brusca do crédito que acentuou os problemas das empresas no limiar da sustentabilidade. Inevitavelmente o desemprego disparou e o nível de rendimento baixou drasticamente, acentuando os problemas das empresas que viram os seus mercados contrair-se rapidamente. Acresce que as famílias, assustadas com o cenário que se desenhava, não reduziram o seu consumo apenas na proporção do rendimento disponível mas aumentaram essa redução para garantir a poupança, o que se facilitou o processo de reestruturação do sector financeiro e diminuiu a necessidade de endividamento, aumentou a retracção dos mercados das empresas. Surpreendentemente, o ajustamento externo foi muito mais rápido que o previsto, com as exportações a subirem mais que o previsto e as importações a diminuírem mais que o previsto, o que, se resolveu mais rapidamente os desequilíbrios estruturais, aumentou as dificuldades de financiamento do défice do Estado porque as exportações são menos taxadas que o consumo. Pois bem, três a quatro anos depois do início do processo de ajustamento (começou antes da tróica na economia, com as exportações a crescerem rapidamente, embora menos que as importações) hoje estão essencialmente resolvidos os desequilíbrios estruturais e está, no essencial, garantido o financiamento da economia. Ou seja, a questão essencial do programa de ajustamento financeiro está resolvida (embora precariamente, é certo). Podemos, portanto, desviar a prioridade e o foco da necessidade de assegurar o financiamento e evitar a bancarrota para a necessidade de reforçar o ajustamento com maior criação de riqueza, sem que isso signifique maior endividamento do Estado. O que conclui a oposição, os jornais e etc., sobre essa evidente viragem do governo e da tróica? Que é a demonstração do falhanço do programa e que os que disseram que isso do endividamento era um problema menos central que os de manter as taxas de desemprego baixas sempre estiveram certos, fazendo tábua raza das alterações estruturais que permitem a mudança de foco. É por isso, pela profunda estupidez e falta de seriedade que vejo nisto tudo que eu, esquerdista impenitente e com verdadeiro desprezo pela forma como Passos Coelho obteve o poder, sou obrigado a continuar a apoiar um governo de direita, dirigido por uma pessoa a quem não reconheço grandes qualidades, acolitado por outra a quem reconheço tantas qualidades como faltas de carácter, com ministros que não escolheria certamente para trabalhar comigo nem a distribuir panfletos, e, vá lá, com outros que aceitaria pacificamente, eventualmente gosto, como meus chefes. É simplesmente porque é um governo que fez o que precisava de ser feito, mesmo que o custo social seja, como é, muito elevado. Mas certamente muito menos elevado que manter o absurdo económico anterior, da mesma forma que por mais dramática que seja uma amputação (e é sempre) é infinitamente melhor que deixar lavrar a gangrena por falta de coragem para decidir sobre a amputação imprescindível.

7 comentários:

José Cardoso disse...

" o sector financeiro não estoirou porque foi amparado (o seu papel numa economia é equivalente ao papel do sistema circulatório num corpo, e se sobrevive a uma amputação de um braço, não se sobrevive à amputação do coração)"

Temo que esta sua observação enferme do mesmo mal que corrói a (falta de) visão do governo sobre o assunto. Para usar a sua imagem: um coração doente não se amputa mas pode sempre recorrer-se ao transplante. A não ser assim o argumento que usa não passa de uma total desresponsabilização do sector financeiro

Henrique Pereira dos Santos disse...

Sim, sim, mas um sistema circulatório não se transplanta, e um coração não se amputa.
Se o que está a dizer é que se deve deixar falir bancos, não poderia estar mais de acordo, o que é diferente de deixar estoirar o sistema financeiro.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

«(…) hoje estão essencialmente resolvidos os desequilíbrios estruturais e está, no essencial, garantido o financiamento da economia (…)» (HPS)


A narrativa que o Henrique constrói para explicar a conjuntura económica portuguesa é uma verdadeira história da carochinha para crianças.

A linguagem rasca do texto é reveladora dos lugares comuns que enxameiam o rascunho. A cegueira é imensa e acaba até por ficcionar o comunismo de interesses entre a economia portuguesa e os seus credores.
Mas o cúmulo da ficção delirante encontra-se bem estampado na frase acima transcrita. Na verdade, quem escreve uma coisa daquelas não sabe o que diz, apenas acredita no que lhe dizem.

Quantas vãs ilusões alimentadas pela propaganda austeritária governamental !

Já agora, indico abaixo alguma leitura séria sobre o assunto:

João Ferreira do Amaral. “Estes programas de ajustamento da troika são um erro brutal”

http://www.ionline.pt/portugal/joao-ferreira-amaral-estes-programas-ajustamento-da-troika-sao-erro-brutal

João Ferreira do Amaral vê "bloqueio total" da economia

http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO102003.html?page=0

Para quem quiser ler uma análise económica da situação actual pode consultar o documento apresentado na recente Conferência “Economia Portuguesa: Propostas com Futuro” realizada na Fundação Gulbenkian no passados dia 16 de Fevereiro

http://www.keepandshare.com/doc/5765739/economia-com-futuro-portugal-no-contexto-europeu-final-1-pdf-525k?da=y

Anónimo disse...

" O que fez então o governo incumbente? Aprofundou o modelo económico anterior e, dementemente, endividou-se desesperadamente para suportar, pelo menos até à eleição seguinte, "

"Dementemente" e obrigado pela União Europeia que ordenou que os países gastassem o que tinham e o que não tinham para evitar outra Grande Depressão. Por muito que aquelas mentes bem pensantes nos tentem convencer que foi Sócrates sozinho que planeou isto tudo, ele era apenas mais um entre uns quantos dementes.

Henrique Pereira dos Santos disse...

reescrever a história é uma tentação muito grande de todos os demagogos.
Apesar de muito discretamente, toda a gente viu como sócrates tinha uma pistola encostada às costs, empunhada pela união europeia, quando já em plena fase de resgate e dias antes de deixar o poder, assinou o contrato do tgv.
E toda a gente sabe como a parque escolar era na verdade uma central europeia de espalhar capital, embora disfarçada de empresa pública portuguesa.
Ora, ora, ora.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Deixo abaixo dois links que é um pequeníssimo contributo para o Henrique Pereira dos Santos aprender a não dizer tantas barbaridades quer sobre a economia quer sobre o ambiente.

Por favor, meu caro, não polua mais o ambiente mental do país.
Um conselho sincero: a sua real vocação está nos desportos radicais e na caridade à Xonet.

Até nas suas escolhas musicais o Henrique bem quer dar uma de amador, e mostrar alguma graça, mas só consegue reproduzir o que há mais de canónico no mainstream.

Acredito, todavia, nas suas capacidades de regeneração. É tudo um questão de mudança de mentalidade e de valores. Portugal precisa de cultura e inteligência …


Economistas falam sobre a crise
http://www.ionline.pt/dinheiro/economistas-falam-ao-i-sobre-crise-europa

Marcelo: Passos tem de reconhecer que falhou, persistir é «suicida»
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=617638

Anónimo disse...

Antes de me despedir, quero desejar boa sorte para si e para os seus admiradores.
Até sempre.

António Silva