sábado, julho 06, 2013

Conversemos então, Pedro


Depois do meu espalhanço anterior com a previsão dos fogos (de que ainda me estou a recompor, ou seja, a tentar perceber, tendo como hipótese base o facto de Este e Nordeste que entrou em Portugal, chegar ao Norte da Península vindo do Norte, e não do Sul, como é costume), tive uma pequena troca de argumentos com o Pedro Vieira sobre o que iria acontecer nesta semana em que estamos.

No essencial o Pedro dizia que o país ia estar em chamas por causa das temperaturas muito altas (e depois na conversa explicava que as minhas previsões falhavam por ser necessário pelo menos 15 dias sem chover para que haja grandes fogos, coisa de que discordo).

Eu dizia que não tinha a certeza de que ardesse assim tanto porque as temperaturas não são o factor essencial.

Claro que as temperaturas têm alguma importância, mas não me parece que seja o factor determinante.

O que temos então até agora?

Alguma razão para o lado do Pedro no sentido em que está a arder mais que na semana que eu previ. Alguma razão para o meu lado, no sentido em que está a arder, sim, há alguns (poucos) incêndios preocupantes, mas nada que se assemelhe aos dias de inferno.

Ou dito de outra maneira, até há bastantes incêndios, mas conseguem apagar-se quase todos em fases iniciais e os que ganham alguma dimensão apagam-se ao fim de algumas horas.

Ora é exactamente esta a diferença fundamental entre os dias de inferno, ou seja, os menos de quinze dias do ano em que arde 80% da área do ano, e os dias como aqueles a que estamos a assistir.

Note-se que não há dúvida de que as temperaturas estão especialmente altas, mas isso não se traduz num cenário limite do ponto de vista dos fogos.

Há alturas no Inverno, com temperaturas francamente baixas, em que é mais difícil apagar fogos que nestes dias de temperaturas brutais em que estamos.

É do factor que faz essa diferença, que está seguramente relacionado com a secura, não dos combustíveis (por isso o Pedro e eu discordamos dos tais 15 dias prévios sem chuva, a transição tem sido quase imediata em alguns casos) mas da atmosfera (que se traduz depois na secura dos combustíveis, em especial dos finos) que estou sempre à procura.

Que está relacionado com a vento Leste, não tenho a menor dúvida, mas que há mais tipos de vento Leste que os que pensei, também não tenho, hoje, a menor dúvida.

Já não é mau ter consciência da ignorância.
henrique pereira dos santos

10 comentários:

Anónimo disse...

Estas vossas discussões são algo redutoras, já que os tais dias de inferno surgem quando se conjugam vários factores, incluindo de ordem mais local e que não vou mencionar. Tem que haver combustível em quantidade razoável (e esta disponibilidade para arder depende também da chuva recente) combinado com vento seco. A temperatura é claramente um factor secundário. Em 2007 houve um incêndio em Viseu de quase 17000 ha com temperatura do ar ao 1/2 dia de 13ªC ...
O grau de seca é importante porque condiciona o que pode arder, apesar de ser um factor que satura rapidamente (especialmente em matos). Eu diria que neste particular o Pedro tem razão, ou seja são improváveis grandes incêndios antes de 2 a 4 semanas sem chuva. Mas a seca funciona também como um interruptor que pode alterar a escala do incêndio. Ou seja, manchas de vegetação que funcionariam como barreira deixam de o ser.
Uma influência que é incompreendida é a da humidade da vegetação viva. Este ano, com toda a chuva que houve, as plantas estarão ainda bem hidratadas, o que constitui um travão a grandes fogos.
Há um factor à escala diária que é importante: o nº de ignições. Combinado com a meteorologia-seca determina o que pode ou não ser apagado e com o decorrer dos dias é influente como factor bola de neve. Este ano o nº de ignições está claramente abaixo do expectável para a meteorologia que temos tido.

Paulo Fernandes

Pedro Almeida Vieira disse...

Henrique, eu penso que este fim-de-semana será uma espécie de teste: no fim-de-semana há sempre mais gente a ter atitudes negligentes (ou intencionais) que causam maior número de ignições. E depois também temos o factor psicológico: quando as coisas (no caso de tal suceder) começarem a descambar, com alguns incêndios de grandes dimensões, não sei o que vai suceder. 40 graus durante vários dias vai complicar muito, muito as coisas, sobretudo se as noites forem quentes e secas. Aliás, em Sever do Vouga (reacendimento hoje de manhã) já não devem estar fáceis. Penso que é o primeiro incêndio com mais de um dia de duração. Acompanhemos o fim-de-semana. Abraço

Henrique Pereira dos Santos disse...

Paulo,
Com certeza, estamos todos de acordo em que os dias de inferno existem quando se conjugam vários factores.
Acontece que esses factores correspondem a condições meteorológicas razoavelmente bem definidas.
E é isso que é importante clarificar.
Quando incluis aqui o número de ignições estás a incluir um factor redundante que só serve para baralhar. Nos últimos dias as ignições têm estado baixas pelas mesmas razões que fazem com que seja razoavelmente fácil apagar fogos (mesmo o fogo de Sever não foi especialmente grande, nem especialmente difícil de apagar).
Admito a história das plantas bem hidratadas, mas rapidamente desidratam, com ventos secos. Ou não?
Pedro,
As temperaturas continuam brutais, os fogos normais. Isto é, fáceis de apagar.
henrique

Anónimo disse...

Henrique,

Estava-me a referir aos tecidos vivos, cuja humidade é controlada fisiologicamente e que normalmente correspondem a pelo menos 2/3 da biomassa arbustiva fina. Nesta época andam ainda pelos 100-200% de humidade, dependendo da espécie. O crescimento do ano está mais hidratado e este ano foi abundante, aumentando o teor de humidade global. Choveu muito, o que aumenta a hidratação da biomassa "antiga".
Como dizia, não se sabe o suficiente sobre o efeito quantitativo do combustível vivo e sua humidade do comportamento do fogo, mas tudo indica que esse efeito se está a sentir. Foi este aliás o prognóstico que fiz alguns meses atrás, ou seja, muita chuva atrasa a época de fogos.

PF

Henrique Pereira dos Santos disse...

Registo o argumento, que me parece sensato, embora seja um argumento diferente do do Pedro. No sentido em que o que está em causa não é o intervalo entre as últimas chuvas e os fogos, mas sim o grau gloal de humidade nos tecidos vivos (suponho que nos solos também) porque o que dizes é que embora vá secando, há uma reposição fisiológica, se bem percebo.
Esse argumento explicaria que alguns dias de chuva no Verão possam ser quase irrelevantes na medida em que não repõem essa humidade global no sistema, certo?
Parece fazer sentido e vou ficar atento a essa possibilidade.
henrique

Anónimo disse...

Vejo que o debate tem andado animado e cordial sobre este tema dos fogos, mas sinceramente faz-me bastante impressão como anda tudo a falar em redor de palpites e empirismos em vez de se preocuparem em provar as teorias com experimentação científica. Qualquer uma destas teorias seria verificável. Quem quer fazer-se ouvir como especialista ou ter visibilidade sobre algum tema devia poder fundamentar através de resultados científicos. E eu gostava de saber os resultados.

Anónimo disse...

A minha argumentação não é, evidentemente, baseada em palpites e empirismo, mas em conhecimento básico do efeito que as variáveis ambientais têm no comportamento do fogo, e que consta dos manuais da especialidade.
Mas vamos a um pequeno teste. A hipótese é a de que o estado de hidratação da vegetação com actividade fisiológica tem um efeito na área ardida. Os efeitos da velocidade do vento, temperatura do ar, humidade relativa e precipitação, dominantes, serão portanto modulados pelo teor de humidade do combustível vivo, que é uma % importante da biomassa "ardível" nas florestas e matos portugueses.
Para testar a hipótese modelei o efeito estatístico daquelas variáveis à escala diária, expressas pelos índices de perigo meteorológico de incêndio ISI (efeito combinado da humidade do combustível morto e do vento) e DMC (efeito da humidade do combustível morto na manta morta florestal. Para tal socorri-me de uma base de dados para o período 2001-2011. Como substituto para o efeito da humidade do combustível vivo, que varia lenta e sazonalmente, usei o mês do ano.
Os resultados suportam a hipótese. Por exemplo, no distrito da Guarda e em igualdade de condições meteorológicas a área ardida toma os valores de 17% (Maio), 20% (Junho), 33% (Julho) e 82% (Agosto) do valor máximo (Setembro). Não é no entanto possível uma leitura literal destes resultados como sendo um efeito exclusivo da fisiologia/fenologia da vegetação já que outros factores estarão a interferir, nomeadamente a variação do esforço de combate e a variação no nº de fogos, que não é totalmente explicada pela meteorologia.

Paulo Fernandes

Luís Lavoura disse...

a secura da atmosfera

Pois. A minha impressão é precisamente que, embora tenha estado bastante quente, a atmosfera não esteve tão seca quanto é requerido. Não tenho dados meteorológicos, mas a minha sensação pessoal é que a humidade do ar ainda está razoavelmente alta.

Luís Lavoura disse...

Um fator que o Henrique subvaloriza é a preparação das populações contra os fogos.

Por exemplo, os grandes incêndios no Algarve, na serra do Caldeirão, foram em grande parte consequência de a população algarvia não estar habituada aos incêndios e, por esse facto, ter a floresta totalmente descurada - cheia de matos, etc.

Na minha região, na Bairrada, as pessoas já estão muito habituadas a incêndios e têm uma enorme sensibilidade social para a necessidade da prevenção. A generalidade das florestas estão limpas e há uma pressão social no sentido de que os proprietários limpem as matas. Por isso, hoje em dia grandes fogos já são ali raros.

À medida que os anos passam o povo vai, lentamente, aprendendo, tanto a prevenir o fogo como a combatê-lo. Como na canção dos Beatles, it's getting a little better all the time.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Luís,
Eu não sub-valorizo o que está dito no último comentário, bem pelo contrário, tenho metros de texto escrito a tentar demonstrar que o que está nesse comentário é um erro com consequências trágicas e responsável pelos maiores desastres.
Como acontecerá, inevitavelmente, na Bairrado mais cedo ou mais tarde, quando as condições forem propícias ao fogo naquele sítio.
henrique pereira dos santos