sexta-feira, novembro 08, 2002

Ecologia Politica e o papel do Partido da Terra

João Santos pergunta-nos se o MPT (Partido da Terra) é credível e se pode constituir alternativa de governo. Perguntas simples, respostas complexas.

Relativamente à primeira parte da pergunta é justo distinguir a credibilidade dos membros do MPT e credibilidade da mensagem política que estes poderão veicular. Contrariamente ao “partido dos verdes” o MPT é constituído por pessoas genuinamente envolvidas na causa ambiental. Alguns deles com provas dadas ao longo de uma vida de dedicação. Logo, eu não colocaria em dúvida a questão da credibilidade, ou melhor dizer, da legitimidade dos seus membros.

O problema é, no entanto, mais complexo e merece alguma contextualização.

As democracias contemporâneas são sustentadas por partidos de dois espectros ideológicos distintos. Os chamados partidos de esquerda e direita. As diferenças entre umas forças e outras podem-se resumir a um eixo de abcissas (x) e ordenadas (y). Em x estão os diferentes posicionamentos face ao papel da apropriação privada dos bens de produção. Em y estão os diferentes posicionamentos face ao papel do Estado como produtor de bens. Para simplificar observe-se a figura abaixo:



Produção..............A.................B
Tutelada.................................
Pelo Estado...........C.................D
Apropriação privada dos benefícios

A esquerda radical sustenta que os bens de produção devem ser maioritariamente tutelados pelo Estado e que a apropriação desses mesmos bens é feita pelo colectivo, ou seja, não é feita pelo privado. Esta é a estratégia A. A direita radical sustenta o inverso, i.e., que os bens de produção devem estar a cargo de empresas privadas e que a apropriação dos benefícios deve ser privada. Esta é a estratégia D.

Hoje em dia poucas pessoas se revêm nestes extremos. Quer a esquerda quer a direita aceita que existem bens de cariz fundamentalmente público que devem enquadrar-se na estratégia A (p.ex. a defesa, a polícia, a [radio?] difusão de informação). Também se aceita que a produção e apropriação de outro tipo de bens (produção de tapetes, ou genericamente o comércio a retalho) são melhor enquadráveis na estratégia D.

Logo pode-se dizer que o debate político actual se centra em como gerir os bens semi-públicos (p.ex. saúde, educação, cultura, transportes colectivos). Os seja, as estratégias B e C. A estratégia B está associada à cultura política de centro-esquerda, afiliada à Internacional Socialista, e tradicionalmente praticada em França e países Escandinavos. Neste contexto grande parte dos bens semi-públicos são tutelados pelo Estado ainda que uma parte importante da apropriação do benefício seja individual. É o caso das universidades públicas patrocinadas pelo estado mas em que o beneficiário é o receptor do bem fornecido, i.e. a educação.
No lado oposto encontra-se a estratégia C que é frequentemente associada às políticas de centro-direita oriundas de uma cultura anglo-saxónica. Os chamados liberais. Esta corrente defende que os bens semi-públicos devem ser produzidos com baixa tutela do Estado e que os benefícios de tais actividades devem ser reduzidos também. Mais uma vez o caso paradigmáticos das Universidades Privadas.

Recentemente vislumbra-se uma terceira via, a chamada esquerda pragmática, ou melhor os pragmáticos, protagonizada pelo Primeiro Ministro Britânico, Tony Blair, que defende que ambas as estratégias são aceitáveis e que as decisões devem variar entre um polo e outro consoante as circunstâncias.

Bom, e para que serve esta teorização política? Para chegar à pergunta fundamental que os eleitores farão no dia em que tenham de decidir votar num partido ecologista:

“São os ecologistas de esquerda ou de direita?”

A resposta é simples. Poderão ser ambas as coisas.

Na realidade não há nada no ideário ecológico que faça pender as decisões a favor da esquerda ou da direita, moderadas, ainda que as opções de um e outro espectro político sejam fundamentais na definição das inclinações de voto actuais.

Qual é então a perspectiva ambiental na política? Na minha opinião o ambientalismo incorpora uma terceira dimensão, chamemo-lhe eixo z, que resume as estratégia de utilização sustentável dos recursos naturais. A esquerda e a direita contemporâneas não incorporam nenhuma preocupação particular pelas gerações futuras, ou seja, por aquelas a quem importará o eixo z. A esquerda e a direita preocupam-se com a repartição da riqueza entre as gerações actuais. O ambientalismo preocupa-se com a repartição da riqueza com as gerações futura.

Necessitaremos de criar um partido de governo para representar as gerações futuras? Penso que não.

Não havendo um posicionamento ideológico definido no contexto das preocupações habituais da esquerda e da direita, os ecologistas nunca poderão constituir-se como alternativa credível ao governo de uma nação. Poderão e são-no cada vez mais, uma voz respeitada. Como fazer, então, com que estas preocupações de equidade inter-geracional entrem no discurso e práticas governativas?

Uma possibilidade é criar um partido ecologista de oposição seguindo a tradição política de Petra Kelly. Este partido para ter influência deve pautar a sua acção pela qualidade das suas análises. Ser menos panfletário e mais analítico. O seu papel não é angariar votos mas fazer pedagogia política e influenciar a agenda dos outros partidos pela via do exemplo.

Outra possibilidade é os ecologistas aderirem aos partidos tradicionais do poder. Seguindo, naturalmente, a sua inclinação relativamente à estratégia B e C referidas anteriormente.

Pessoalmente creio que esta última possibilidade é mais eficaz. Mas entendo que as pessoas se sintam coibidas de aderir aos partidos tradicionais, especialmente em Portugal onde estes e seus lideres chegaram a um nível de qualidade próximo da taberna da esquina.

Em qualquer caso, porém, me parece adequado os partidos ecologistas se apresentarem como alternativas ao poder. Na realidade não o são. E quando fazem coligações estratégicas para viabilizar governos minoritários acabam por fazer concessões ao nível dos objectivos nobres que poderão estar subjacentes a sua constituição. Excepção para as eleições locais onde na realidade não é necessário optar por estratégias de esquerda ou de direita para se ter um programa de governo coerente.

Miguel Araújo

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