Por Henrique Pereira dos Santos
Ex-Vice Presidente do ICN e Arquitecto Paisagista
Do meu ponto de vista há claramente três níveis de actuação, correspondendo ao que penso serem as três fragilidades mais relevantes do ICN:
O nível da liderança que implica que a escolha das chefias seja feita com métodos claramente diferentes do que tem acontecido. Parece evidente que não é possível liderar uma organização de forma eficaz quando não se acredita nela e se a considera ingerível. Gostaria de lembrar os casos da TAP e da RTP como organizações durante anos a fio consideradas inevitáveis sorvedouros de dinheiro e que hoje, com base em lideranças realmente interessadas nas organizações, têm uma saúde organizacional razoável.
Ao nível da visão estratégica da missão do ICN. O ICN deve claramente assumir-se como a Direcção Geral da Biodiversidade, recentrando toda a sua actividade em função de objectivos de conservação da biodiversidade. A actual amálgama de boas intenções que se consideram a missão do ICN é de tal maneira alargada e abrangente que sob o seu chapéu se pode fazer tudo e o seu contrário. Ainda a este nível o ICN deve confiar em novos e fortes agentes de conservação, criando alianças estratégicas sólidas, sobretudo com o sector primário, mas também com outros sectores económicos e sociais assumindo-se cada vez mais como a autoridade nacional de conservação, mas não necessariamente como o executor de todas as acções de conservação. Basta lembrar que a forma de aplicação da PAC pode fazer mais pela conservação num ano que dez anos de actividade do actual ICN.
Ao nível da organização a linha base de qualquer reestruturação deve ser o reforço da responsabilização interna e da abertura ao exterior. Tal significa reforçar os mecanismos de planeamento, avaliação, fiscalização e auditoria ao nível central e reforçar a autonomia na execução. Embora extensível a toda a administração pública, o princípio básico do cumprimento das regras estabelecidas, hoje completamente menosprezado, é vital para qualquer hipótese de sucesso na gestão do ICN.
O estado de fragilidade actual da instituição não decorre de dificuldades de modelo mas mais prosaicamente de más práticas de gestão como o que se conhece dos resultados da avaliação no PN da Arrábida parece demonstrar. Práticas de incumprimento reiterado da lei, de que o mais mediático exemplo é o sistemático adiamento da aprovação de planos de ordenamento, mas que se estende a toda a actividade da instituição, começando pela aplicação da lei-quadro das áreas protegidas (dl 19/ 93), velhinha já de quase 12 anos, mas que ainda hoje não se aplica a um conjunto significativo de áreas protegidas porque não foram reclassificadas, e que não se aplica a todas as outras porque os órgãos de gestão ou não são convocados (o que acontece com várias comissões directivas de áreas e com todos os seus conselhos consultivos), ou porque sendo-o, não respeitam a lei no seu funcionamento. O facto de nem um só dos responsáveis do ICN ser responsabilizado por estas práticas (que são apenas uma face visível do desprezo pelas regras estabelecidas que se verifica no quotidiano) é bem demonstrativo do grau de dissolução da autoridade do Estado decorrente da mais completa ausência de prestação de contas aos cidadãos.
Não tenho dúvidas de que o ICN tem bons e maus gestores mas as suas práticas de gestão rudimentares não permitem distinguir uns dos outros, o que só será possível com avaliação, avaliação e mais avaliação.
A permanente discussão acerca dos escassos recursos disponíveis tem servido sobretudo para criar uma cortina de fumo em relação às responsabilidades concretas que cabem a cada dirigente do ICN na situação actual (que é sobretudo de má utilização dos recursos), embora abra aqui uma excepção em relação aos meios de vigilância e fiscalização que são uma pedra de toque basilar a reforçar sem qualquer margem para dúvidas.
Alguns comentários pontuais aos textos já existentes no blog.
A questão financeira, que sem dúvida existe no ICN, não pode ser analisada apenas pelo lado da receita, pelo contrário deve ser seriamente auditada pelo lado da despesa. Não tanto na óptica da legalidade dos procedimentos, mas sobretudo na óptica da sua racionalidade face a objectivos estratégicos. Acredito que os recursos disponíveis, com excepção dos meios de vigilância, são basicamente suficientes, embora pontual e transitoriamente a questão dos recursos para o funcionamento e pagamento de salários deva ser objecto de um “contrato programa” entre o Ministério das Finanças e a Direcção do ICN. Apenas uma nota para o facto completamente absurdo de ser mais fácil obter informação financeira detalhada de qualquer parque americano na Internet que a de qualquer área protegida em Portugal, mesmo estando dentro da própria instituição.
A questão do planeamento é vital (incluindo no ciclo do planeamento a avaliação) mas esta é mais uma consequência da falta de cumprimento da lei: existem regras claras e boas sobre planos e relatórios de actividades mas nunca são cumpridas.
Naturalmente existem contas bancárias em todas as áreas protegidas, a questão central é de procedimento contabilístico e mais uma vez de responsabilização. A conta de gerência do ICN é da responsabilidade do seu conselho administrativo, e os seus membros (Presidente, Vice-Presidente e Director de Serviços Administrativos e Financeiros) são pessoalmente responsáveis pela legalidade de todas, repito, todas as acções nela contidas. Assim sendo os responsáveis intermédios podem cometer irregularidades ou ilegalidades (a contabilidade pública é complexa e cheia de normas absurdas) que a responsabilidade final por esses actos é sempre das três pessoas citadas. Percebe-se pois a sua posição balançando entre a evidência da melhoria de eficácia resultante de uma descentralização de procedimentos e o risco do abrandamento dos mecanismos de controlo central da legalidade.
A dissociação entre o futuro da conservação da natureza e o futuro do ICN parece-me uma questão prévia central para a utilidade do debate. Felizmente quem faz conservação todos os dias são os agricultores e pastores, mais que quaisquer outros e esses dependem pouco do ICN. A este respeito deixo aqui a minha perplexidade pela aparente calma social com que se aceita que o mesmo Instituto (incluindo as áreas protegidas que sistematicamente se demitem dessa responsabilidade nos seus planos de actividade) que gasta o que gasta a fazer centros de interpretação, recuperação de castelos ou moinhos ou pedreiras, portos de pesca, estacionamentos, etc. etc., seja simultaneamente devedor de milhares de euros a pastores que sustentam a nossa população de lobos. A inexistência de qualquer alarme social em relação a esta evidente imoralidade é para mim um sintoma claro de que o problema não é apenas interno ao ICN, mas que o ICN reflecte uma sociedade civil abúlica e pouco exigente.
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2 comentários:
O meu nível de actuação é o de trabalhador no ICN, que corresponde ao que penso ser, um cavador sem enchada.
HPS, concordo com o que diz e reforço a nota, a fragilidade mais relevante do Instituto é a "indirigência".
Estando há três dias sem telefone, peço que se organizem, que nos "deixem trabalhar".
António Carvalho
Acho HPS que tem razão principalmente quando afirma que a escolha das chefias deve ser feita com metodos mto diferentes do q tem acontecido...para bom entendedor
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