quarta-feira, maio 25, 2005

caracóis, bichos móis

Estes títulos que usei não são meus. Tomei-os de empréstimo a uma interessante canção alentejana que começa exactamente com estes dois versos (o do primeiro título e este título de agora) seguindo por uma longa enumeração de "coisas do campo" para acabar num último verso que foge à enumeração e lhe dá sentido: "cada vez há mais". Naturalmente a canção tem uma letra desactualizada...
Mas voltemos ao tema respondendo a algumas questões colocadas por Pedro Vieira.

Diz Pedro Vieira que é um facto que a área está no PDM como sendo de vocação turística, mas, ao mesmo tempo, diz que o PDM estabelece a obrigatoriedade de se cumprir a lei do montado. O que o Pedro não diz, e para mim é isso o essencial, é se acha essas disposições razoáveis quando o montado já lá está no momento em que se determina a sua vocação turística.

Esta forma de se ir decidindo em Portugal, decidindo coisas contraditórias ao mesmo tempo, para agradar a Gregos e Troianos, é que é objecto da minha crítica, e o facto de se falar apenas no despacho de fim de linha que resolve o imbróglio criado, apenas serve para desviar a atenção do essencial: a nossa política de ordenamento foi abandonada pela administração central e o bom técnico é o que arranja a solução formal que permite aprovar o plano, mesmo que essa solução seja uma contradição nos termos (naturalmente potenciadora da prepotência e da corrupção).

Há centenas de exemplos destes nos nossos planos de ordenamento ou nas nossas Declarações de Impacte Ambiental, por exemplo.

Quanto à discussão da raridade ou não do sobreiro e azinheira, que Pedro Vieira diz ser uma discussão absurda, parece-me razoável que chegados a uma situação de impasse e sendo necessário ponderar os diferentes interesses em presença, se olhe para os fundamentos da lei procurando apoio para a decisão. Se estivéssemos perante uma situação limite de conservação evidentemente que todo o enquadramento seria outro.

Por último uma questão difícil e que seria bom que pudesse ser tão simples como é posta por Pedro Vieira: a definição de interesse público. Há várias leis cuja aplicação depende dessa definição e não há volta a dar: o interesse público é definido pela lei e, quando ela o permite, pelos órgãos legítimos do Estado. O caso limite dessa discussão é um projecto inteiramente privado, digamos de uma fábrica de sapatos, que cria 50 postos de trabalho numa zona de elevada taxa de desemprego. Há ou não interesse público nessa criação de emprego por via desse projecto inteiramente privado. Eu tenderia a dizer que sim, mas o que defendi é que esse tipo de decisões devem permitir a discricionariedade necessária à definição da melhor solução concreta mas, ao mesmo tempo, ter mecanismos acrescidos de transparência e, penso que Vital Moreira falou nisso um dia destes, de dilacção no tempo que permita o escrutínio público. Por exemplo, este tipo de despachos só teriam pleno efeito 30 dias depois de publicados, o que permitiria desencadear os mecanismos normais de contestação e suspensão da sua eficácia, nomeadamente por recurso aos tribunais.

Ora independentemente de achar muito bem que se investigue a forma como foi tomada esta decisão (e sobre essa forma critiquei a falta de transparência nas relações com privados mas defendi a substância da decisão, dados os antecedentes) a verdade é que centrar toda a discussão nesse ponto deixa de fora o essencial que é perceber por que razão se chegou ao ponto a que se chegou.

1 comentário:

Ponto Verde disse...

Os regimes de excepção são o primeiro passo para a generalização do que é excepcional recorrendo a instrumentos corruptivos.Mas há uma novidade , e ela vem do Seixal que é a desculpa de os autarcas "não saberem" da existência de àrvores protegidas...logo vale tudo veja-se em www.a-sul.blogspot.com !