É cada vez mais óbvio que os tempos que aí vêm não serão de vacas gordas. Talvez não seja pior. Talvez por via da necessidade se imponham políticas mais reflectidas, mais estratégicas. Quando não se pode actuar recorrendo ao bolso, não resta mais que actuar recorrendo à cabeça. E os resultados poderão ser mais acertados.
No que diz respeito ao ambiente é tempo abandonar as “listas de compras” de medidas avulsas, sejam elas de cinquenta ou mais medidas. É preferível apostar em 3 ou 4 grandes linhas estratégicas de actuação do que dispersar recursos escassos por mil e uma medidas mal planeadas e ainda pior executadas. Assumindo o risco de proceder a uma hierarquização de prioridades, quicas não partilhada por todos, divulgo aqui o que julgo constituírem os três grandes desafios da governação em matéria de ambiente. Se este Governo der passos seguros e eficazes no sentido das propostas que aqui se avançam estou certo que teremos um ambiente mais qualificado assim como uma economia mais robusta. São estas as políticas da água, energia e conservação da natureza.
Política da água
Se algumas das projecções climáticas apadrinhadas pelo IPCC estiverem correctas (por exemplo do “Hadley Centre”) a matriz climática que nos espera no futuro próximo é de um aquecimento médio das temperaturas e uma redução de precipitações, sobretudo nos meses de inverno. Existe uma incerteza inerente a estas projecções sendo que alguns modelos globais de circulação da atmosfera (por exemplo do “CSIRO”) prevêem aumentos médios de precipitação associados a uma maior variabilidade da sua distribuição anual. O futuro é incerto mas mesmo mantendo-se os padrões actuais de precipitação é um facto indiscutível que somos um País vulnerável. Considero também que a resposta ao problema tem sido infeliz. Estou a referir-me, em concreto, à política de construção de grandes barragens assim como os transvases associados. Com ou sem alterações climáticas as grandes barragens terão o seu período de vida limitado pelo que mais tarde ou mais cedo regressaremos à estaca zero ou a uma situação pior já que o paliativo das barragens deixará de ser opção.
É tempo de abandonarmos a política de “bombeiro” e pensarmos de forma prospectiva e inteligente. Grande parte da água que necessitamos não está em terra, está no mar. Em boa hora o Primeiro Ministro Zapatero abandonou o Plano Hidrológico Espanhol do Governo anterior, baseado nos famosos transvases dos rios do norte para o sul, optando por uma lógica mais racional: a dessalinização da água do mar para suprir as crescentes necessidades hídricas do “Levante”. A tecnologia existe, é mais barata e os impactes ambientais, até prova em contrário, são francamente menores. E claro, o recurso “água do mar” é quase inesgotável tendo tendência para aumentar.
Qualquer atraso no sentido de avançar com a planificação e construção de centrais dessalinizadoras em locais estratégicos da nossa costa representa mais investimento em soluções sem futuro e o agravar das nossa vulnerabilidade a períodos de seca prolongada.
Política de energia
Quando a Grécia decidiu investir na energia solar, Portugal optou pelo investimento no gás natural. Terá sido a opção certa? Tenho dúvidas. Onde não me restam dúvidas é no facto de o sol ser o recurso energético mais constante e com maior potencial de crescimento. Portugal tem uma dependência energética superior a 80% da energia consumida. Grande parte da energia importada é de origem nuclear. Será coerente recusar a sua produção em Portugal para depois utilizar a que é produzida em França? Não me parece. Será sustentável do ponto de vista económico? Menos ainda.
Então porque razão se vão adiando, de Governo para Governo, as medidas estruturais que toda a gente sabe serem necessárias para por cobro a esta situação? Porque se continua a permitir a construção de edifícios ineficientes do ponto de vista energético?
Porque não se incentiva a instalação de painéis solares nos edifícios abrindo assim o mercado da produção de energia eléctrica aos produtores privados? Na Alemanha, País com uma incidência de radiação solar muito menor que Portugal, os Estado, com apoio dos bancos, criou linhas de crédito bonificado para que os proprietários privados iniciassem a produção de energia eléctrica nas sua residências. A companhia eléctrica Alemã compra essa energia nas horas de ponta, quando a energia é mais cara, vendendo-a aos produtores nas horas de consumo mais baixo, quando a energia é mais barata. Ou seja, a energia produzida entra directamente no circuito nacional e só por essa via no circuito doméstico. O consumidor transforma-se em produtor reduzindo ou amortizando mesmo a sua conta da luz e o País torna-se menos dependente do exterior. É o que se chama em Inglês um “win-win business”.
A imposição de medidas de eficiência energética na construção dos edifícios e o fomento da produção domestica da energia eléctrica, por via solar, são as duas medidas, de carácter estrutural, mais importantes no que diz respeito à política energética e ambiente. O que esperamos para as implementar?
Conservação da natureza
A conservação da natureza tem sido a cinderela da nossa política de ambiente. E a razão é simples. O argumento para conservar tem sido de ordem fundamentalmente ética, sendo que a sociedade em que vivemos não partilha dos valores que se procuram veicular. A resposta a este problema tem sido: É necessário investir na educação ambiental. Quanto à necessidade de apostar na educação, seja ela ambiental, cívica ou geral, estamos e estaremos sempre de acordo. Onde não estamos de acordo é na utilização da educação para resolver os problemas que são actuais. Pura e simplesmente não temos tempo. Assim, impõe-se pragmatismo.
E o pragmatismo leva-nos a concluir o seguinte: a maior parte das batalhas de conservação têm sido perdidas porque é difícil, em Portugal, contrapor argumentos de ordem ética (sobretudo quando estes não são partilhados pela maioria dos Portugueses) com argumentos económicos, por muito pobres, ou mesmo discutíveis, que estes sejam. Qual a solução para este problema? Valorizar economicamente a conservação da natureza.
Valorizar a conservação da natureza implica – e digo isto com alguma dificuldade pois as minhas raízes são as de um ambientalismo puro, romântico, e quase selvagem – aprender a vende-la melhor. As áreas protegidas não podem ser apenas redutos de conservação. Têm de ser, sempre que possível, escaparates de valor natural, fonte de inspiração para o mais insensível dos Portugueses, local de recreio para os que mesmo não apreciando o cheiro da flor e o voo da águia apreciam uma escalada na montanha, o desafio da descida de um rio em canoa, o sossego de um canto isolado de um bosque, ou o simples passeio de domingo rodeado de “verde”. Não me entendam mal. A minha fonte de inspiração não é a bandalheira da Arrábida nos meses de verão, nem a anarquia do Parque Natural da Costa Sudoeste e Vicentina. O que me inspira é o mesmo que inspirou o Presidente Roosevelt quando, no dia 24 de Abril de 1903, inaugurou o Parque Nacional de Yellowstone com a seguinte frase:
“This Park was created and is now administered for the benefit and enjoyment of the people...it is the property of Uncle Sam and therefore of us all.”
As medidas práticas para alcançar este objectivo serão discutidas noutra ocasião mas avanço desde já que não passam pela privatização dos serviços centrais do ICN (que tem uma função de fiscalização e planificação de políticas que não deve nem pode ser alienada) mas pela eventual entrega da gestão das áreas protegidas a consórcios privados, cooperativos, ou municipais.
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2 comentários:
Estranho o último parágrafo do texto. Porquê falar agora de privatização de sreviços centrais do ICN, hipótese que tanto quanto sei nunca esteve em cima da mesa? O que está em cima da mesa, e pode ter gerado essa confusão, é a clarificação da organização a partir de três funções: regulamentadora, a função do Estado por excelência e que não pode ser alienada, a função de infra-estruturação do sistema, em que se deverá discutir o peso directo do Estado e o peso dos privados, e a função de operação do sistema, que como o Miguel aponta pode ser muitas vezes privada. Mas antes de tudo a questão entre Estado ou privado (não conheço nenhum país onde os equivalentes ao ICN sejam privados) mas sim qual a melhor organização do Estado para dar resposta às necessidades de gestão da política de consrevação da natureza, nas condições conretas de Portugal.
A resposta a' pergunta do Henrique encontra-se na noticia do Expresso aqui abaixo. Obrigado pelas clarificacoes ja' a forma com que o artigo esta' escrito da' azo a confusao.
ICN pode ser transformado em empresa
A TRANSFORMAÇÃO do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) numa «empresa pública» é uma das ideias que está a gerar polémica dentro e fora do instituto. O Ministério do Ambiente, porém, diz que nada está decidido.
O modelo de reestruturação em discussão visa um ICN ao estilo de «instituto empresarializado, como o das Estradas de Portugal, mas ajustado à realidade das áreas protegidas», afirma o seu presidente, João Menezes. Enquanto recebe contributos internos e externos sobre o assunto (tem havido reuniões com técnicos, académicos e ambientalistas), Menezes diz «aguardar orientações da tutela».
Na base do conceito de gestão está o projecto «Parques XXI» elaborado por uma equipa do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), dirigida por Menezes entre 2002 (uma encomenda do então ministro Isaltino Morais) e Novembro de 2004, altura em que foi convidado por Nobre Guedes para presidir ao ICN. Com Isaltino, a ideia era municipalizar as áreas protegidas e com Nobre Guedes era transformar a conservação da natureza numa SA (sociedade anónima).
Modelo Parques XXI.
João Menezes - que conta com a confiança do actual ministro Nunes Correia - afirma que «não se deve ir para um extremo, nem para o outro», tendo em conta que a própria lei de bases do ambiente define objectivos públicos para a conservação da natureza. Mas sublinha que «é preciso tornar o ICN operacional».
Para alguns técnicos e directores de conservação da natureza, a ideia de «empresarialização» não faz sentido, uma vez que «passa a haver uma espécie de conselho administrativo que legisla e dá pareceres longe do terreno, eliminando as direcções das áreas protegidas e transformando-as em meras unidades executantes».
Por outro lado, não percebem como pretendem, por exemplo, cobrar taxas nos parques naturais quando a maioria dos terrenos é privada.
O secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, procura acalmar os ânimos. «Nada está definido», diz. E acrescenta que «o modelo apresentado pela presidência do ICN é para ser debatido e não para ser imposto». Quanto à hipótese de regionalização das áreas protegidas, o governante reitera que «não está no horizonte do Ministério do Ambiente alienar a conservação da natureza, sendo esta um valor supranacional e supra-regional». Aliás, o Governo aprovou esta semana um decreto-lei que retira às autarquias qualquer poder sobre a nomeação dos directores dos parques naturais.
Sem dinheiro para nada
. O orçamento do ICN (PIDDAC 2005) desceu 56% face a 2004, baixando de 26 milhões de euros para 11,5 milhões. O dirigente de um dos parques naturais confidenciou ao EXPRESSO que «a execução não chega a 1% e estamos quase a meio do ano». Se a situação não for alterada, Portugal pode ser obrigado a devolver as verbas comunitárias, por não concretização de projectos devido à falta da contrapartida nacional. O presidente do ICN admite esta hipótese e confirma que seria «necessário um orçamento cinco vezes superior ao actual» para realizar todos os projectos de conservação enunciados.
Entretanto, João Menezes encomendou a um gabinete de advogados uma nova Lei Quadro da Conservação da Natureza. Foi igualmente assinado um protocolo com a Faculdade de Economia da Universidade Nova para a definição de um Fundo de Financiamento, para «operacionalizar» o instituto.
«Estamos atentos aos problemas financeiros do ICN», afirma Humberto Rosa, que lembra pretenderem cumprir o programa de Governo, «defendendo a reorganização do ICN, dando-lhe dignidade e suprimindo o estrangulamento financeiro em que se encontra».
Carla Tomás
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