Luís Silva Reis (mensagem enviada para a lista ambio)
Fruto do diálogo profícuo estabelecido nesta conferência [a lista ambio], relevei a existência de um conjunto de ideias que contribuem para uma visão que, quanto a mim, se encontra distorcida da realidade dos serviços florestais portugueses (SF), nas suas diversas formas da 2ª metade do século XX, bem como da sua contribuição para o desenvolvimento da floresta portuguesa.
Muito embora, o interesse do assunto “floresta” seja ciclíco, acompanhando desgraçadamente o cíclo dos fogos florestais, decidi um pouco “a contracíclo”, apresentar um conjunto de dados que possam providenciar-vos uma outra leitura. Estes dados devem contribuir para reflectir sobre as questões: o que foram/são os SF e de que forma a sua actuação condiciona a situação presente?
As dúvidas subjacentes a estas perguntas são naturais face ao teor das discussões que ocorreram, em torno do malfadado e recorrente fenómeno trágico.
Pensei, numa 1ª fase de preparação desta mensagem, reunir um conjunto mais vasto de dados sócio-económicos que, aliás, já estavam semi-trabalhados no âmbito das análises que vou fazendo regularmente mas, em virtude, do tamanho que esta mensagem iria assumir, resolvi cingir-me aos dois indicadores que abaixo se apresentam (dois dos mais importantes, do ponto de vista global).
Não vou alongar-me em muitas interpretações/comentários pessoais porque estes dados farão parte de um conjunto mais alargado, que será apresentado futuramente com outro enquadramento, e porque devem gerar, em si mesmo, espaço para discussão.
Assim, o que apresento como complemento à discussão, é o seguinte:
1) Evolução dos valores de produção lenhosa e não-lenhosa (período 1950-2000);
2) Evolução dos valores de área total arborizada (hectares) (período 1950-2000);
Alerto ainda para o seguinte:
A- Os valores que vos apresento são médias de conjuntos de cinco anos (na generalidade).
Assim, no caso de 1960, os valores de produção ou de áreas arborizadas são a média dos verificados, para os cinco anos anteriores (1956-1960);
B – Os valores monetários apresentados (em contos) foram todos objecto de actualização, estando reportados ao ano de 2004 (correcção financeira este ano);
C – O universo de actuação dos SF corresponde ao das áreas submetidas ao regime florestal parcial (Perímetros Florestais) e ao regime florestal total (Matas Nacionais) sob gestão/jurisdicção do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e Pescas. Embora este património público e comunitário (que se encontra sob gestão dos SF nas diferentes formas institucionais que foi assumindo entre 1950 e o presente) tenha variado em quantidade ao longo do período de tempo atrás referido, em média, assumi um referencial de 500.000 hectares (50.000 de MN e 450.000 de PF).
O quantitativo de área vai crescendo desde o início do século XX, estabiliza numa 1ª fase na década de 60 (quando os SF finalizam a fase de demarcação de PF), varia entre 1974-1980 (nomeadamente, aquando das “entradas” – e posteriores saídas - de áreas privadas e da passagem de uma fracção significativa de áreas para a esfera do actual ICN), para se tornar finalmente estável em torno dos referidos 500.000 hectares, a partir de
1985.
1 . EVOLUÇÃO DOS VALORES DE PRODUÇÃO LENHOSA E NÃO-LENHOSA
1.1 Exploração lenhosa
Ano de 1955 – venderam-se 33.918 m³ de madeira torada (diâmetros acima dos 30 cm) e 1.087.924 varas de diâmetros entre os 10 e 30 cm. Em média, os SF obtêm um rendimento anual de 2,007 milhões de contos;
Ano de 1960 – 52.065 m³ e 826.763 varas. Os SF obtêm um rendimento anual de 1,912 milhões de contos;
Comentário: Por esta altura, a quase totalidade das MN e uma fracção significativa de PF já se encontrava arborizada e a sua exploração florestal ia em crescendo, fruto das arborizações efectuadas na fase final do séc. XIX (MN) e na 1ª metade do séc. XX (MN e PF).
Ano de 1965 – 119.204 m³ e 1.588.705 varas. Os SF obtêm um rendimento anual de 3,883 milhões de contos;
Ano de 1970 – 168.497 m³ e 1.668.095 varas. Os SF obtêm um rendimento anual de 5,166 milhões de contos;
Ano de 1975 – total de 469.789 m³ de madeira torada e de varas. Os SF obtêm um rendimento anual de 4,771 milhões de contos;
Comentário: Costumo definir o período que decorre da décaca de 60 até 1974, como a “época dourada”; os SF tinham a sua implantação local assegurada, fruto da obra de
arborização efectuada até então, bem como de edificações variadas (nomeadamente, postos de vigia, viveiros, casas de guarda e infra-estruturas viárias). Toda esta experiência permitiu a acumulação de um know-how (técnico) assinalável e fez com que se tenham umas centenas de milhares de hectares em plena fase “de colheita de rendimentos”.
Ano de 1980 – total de 460.332 m³ de madeira torada e de varas. Os SF obtêm um rendimento anual de 3,678 milhões de contos;
Comentário: o final da década de 70 marca para mim, uma “esquina (importante) da História” dos SF - o momento crucial (falhado) para a redefinição dos SF com base em premissas técnicas e organizativas adequadas aos tempos que corriam. O modelo político aplicado e subjacente ao período anterior ao 25 de Abril encontrava-se esgotado. O surgimento na década de 70 dos serviços de Fomento Florestal cria uma importante vertente da extensão florestal (ao nível público e privado) que vêm dar um dinamismo temporário, o qual deveria ter servido de buffer temporal para a evolução. Facto que não
ocorreu.
Ano de 1985 – total de 410.002 m³ de madeira torada e de varas. Os SF obtêm um rendimento anual de 2,386 milhões de contos;
Ano de 1990 – total de 481.917 m³ de madeira torada e de varas. Os SF obtêm um rendimento anual de 2,036 milhões de contos;
Ano de 1995 – Volume não apurado, embora os SF tenham obtido um rendimento nesse ano de 1,030 milhões de contos;
Entre 1995 e 2004, não tenho conhecimento de dados públicos que permitam aferir o volume e montantes apurados. Neste período, com a regionalização dos SF, passa-se a ter 7 dimensões de análise (em vez de uma), em virtude da integração nas Direcções Regionais de Agricultura.
Estou em crer que, a ter havido diminuição, quer em volumes transaccionados quer nos respectivos montantes, é provável que não tenha sido muito acentuada.
Provavelmente, a diferença que existirá, em relação aos anos 60 a 80, é que se passa a comercializar uma fracção de madeira ardida significativamente maior (em vez de madeira cortada no âmbito da execução dos planos de ordenamento e de cortes estabelecidos para as MN e PF), com a implicação, igualmente provável, de alguma depreciação por m³ vendido.
1.2 Exploração não-lenhosa
Não me foi possível trabalhar dados de forma tão exaustiva como para a exploração lenhosa. Mesmo assim aqui vão alguns.
Entre 1990 e 1995:
A venda de plantas, sementes, peixes, animais, etc, provenientes dos viveiros florestais, aquícolas e cinegéticos dos SF - cerca de 181.000 contos anuais;
Comentário: Constata-se que apesar de serem significativamente menores que os “valores lenhosos”, os rendimentos da exploração não-lenhosa, efectuada no âmbito dos seus domínios de actuação dos SF, não só não eram negligenciáveis, como estou em querer que foram subindo entre a década de 70 e a de 90, quer em montante efectuado quer percentualmente em relação ao total de receitas obtidas pelos SF.
Abro um parêntesis para acrescentar que uma fonte de receitas muito importante para os SF, entre os finais dos anos 70 e a década de 90, decorre da sua actividade de licenciamento da actividade cinegética e da pesca em águas interiores, em todo o território português (e não só no âmbito das MN e PF). Durante este período, os valores relativos a todo este licenciamento foram gradualmente subindo. No início da década de 90, os valores anuais obtidos eram assinalavelmente superiores aos da exploração lenhosa.
2. EVOLUÇÃO DOS VALORES DE ÁREA TOTAL ARBORIZADA (hectares) (período 1950-2000)
Os valores que abaixo apresento referem-se ao total de área semeada e de área plantada e, relembro, são médias anuais, tendo em conta períodos de 5 anos.
Os valores de custo total dessas arborizações são também uma média anual.
Ano de 1955 – (média 1940 a 1955) - arborizados cerca de 6.700 ha anuais, com um custo anual de 498.000 contos.
Acrescento que entre 1940 e 1955, a prestação foi sempre subindo entre 4900 e 10.182 ha anuais.
Ano de 1960 - arborizados cerca de 20.000 ha anuais, com um custo anual de 1,309 milhões de contos.
Comentário: a máquina técnica e humana dos SF, tendo em vista a arborização do património público e comunitário, foi enrobustecendo-se, atingindo o auge na “época dourada”, durante a qual envolve dezenas de milhar de jornaleiros florestais, distribuídos por todo o país, um parque de máquinas importante, uma assinalável controle do que é feito via as centenas de Guardas Florestais que estão no terreno, etc.
Relevo, ainda, a construção de uma rede de viveiros florestais de dimensão assinalável que por volta desta época, contava com 48 unidades espalhadas por Portugal continental e que produziram milhões de plantas/sementes para estas arborizações.
Ano de 1965 – arborizados cerca de 17.000 ha anuais, com um custo global de 1,064 milhões de contos;
Ano de 1970 – arborizados cerca de 11.500 ha anuais, com um custo global de 0,817 milhões de contos;
Comentário: A época “dourada” marca também o período de tempo (1960-1974), durante o qual a área florestal portuguesa mais cresceu, a par, talvez, com o período 1985/1994. É nestes períodos, na 2ª metade do século XX , que a floresta portuguesa ganha maior expressão.
Ano de 1975 – arborizados cerca de 5.046 ha anuais (dados incompletos), com um custo global de 0,161 milhões de contos;
Ano de 1980 – arborizados cerca de 17.000 ha anuais, com um custo global de 0,643 milhões de contos;
Ano de 1985 – arborizados cerca de 16.500 ha anuais.
Comentário: na década de 70, os SF ganham um 2º e importante fôlego de arborização com a entrada em cena dos serviços de Fomento Florestal. Fruto de uma estrutura mais agilizada, com implantação local e apoiada por fundos do Banco Mundial, estes serviços passam a arcar com a grande maioria das acções de arborização, efectuadas no âmbito das MN e PF, e mantêm elevado o valor anual de área arborizada.
Ano de 1990 – arborizados cerca de 11.000 ha anuais
Comentário: A acção quase auto-suficiente dos serviços de Fomento Florestal termina no final da década de 80. À época, a restante parte dos SF já se encontrava politicamente mais talhada para o apoio ao desenvolvimento do sector florestal privado, em consequência da adesão de Portugal à então CEE, e, na prática, não era possível, face ao tipo de estrutura técnica que passa a existir, manter o tipo de prestação já registada no passado. Assim, os esforços de arborização dos SF descem apesar de, nesta década, as
pirotragédias passarem a ter uma relevância, no âmbito das MN e PF, que não tinham tido globalmente até então.
Inicia-se um ciclo durante o qual os SF apresentam um grau de dificuldade crescente em repor o que vai ardendo.
Ano de 1995 – arborizados cerca de 3.500 ha anuais.
No âmbito do QCA (Quadro Comunitário de Apoio) 1 e 2, assistiu-se, no decorrer do PAF (Plano de Acção Florestal) 1ª e 2ª Fase, a um esforço assinalável de aplicação ao universo de áreas em questão, ocorrendo arborizações em nº significativo. Acrescente-se que, especialmente na 2ª fase do PAF, dá-se um maior enfoque a projectos de beneficiação florestal (especialmente das áreas que tinham ardido na década anterior),
repercutindo-se isto num total de área beneficiada substancialmente maior do que a área arborizada.
2000 a 2005 – Embora não tenha dados completos, tudo aponta para que a área arborizada anual nesta década, seja inferior a 2.000 ha, de acordo com dados que apresentei no V Congresso Florestal Nacional (Maio 2005, Viseu).
Comentário final: É-me claro que a floresta portuguesa na sua totalidade, tendo em conta períodos de 10 anos, não teve um desenvolvimento sustentável na última década, fruto essencialmente do fenómeno “incêndios florestais”, embora pontualmente, nos anos finais do século passado, existam alguns nos quais o balanço “floresta arborizada – floresta ardida” seja ainda positivo.
A “prova dos 9” vai ser obtida pelos próximos valores de Inventário Florestal Nacional (a sair em 2006).
Mas o que me parece de realçar, é que a “floresta pública portuguesa” está em perda, há cerca de 20 anos, apesar dos esforços desenvolvidos, fazendo com que o balanço referido no parágrafo anterior, para o período 1985 -2005, só não é mais complicado porque, a dinâmica de florestação privada (especialmente das empresas de celulose portuguesas) esteve a padrões elevados, até meados da década de 90.
Luís Silva Reis
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1 comentário:
Estes são os números da nossa floresta pública.
Observar esta realidade é, infelizmente, muito fácil. Basta visitar qualquer uma destas áreas e verificar o abandono existente. Matagais impenetráveis e zonas ardidas onde as árvores queimadas continuam à espera que alguém as retire, para que o prejuízo não seja maior.
Mas, será que não é também culpa de se ter “acabado” com os Serviços Florestais, integrando-os nas Direcções Regionais de Agricultura e retirando os Técnicos (e restantes funcionários) de junto da floresta?
AMI
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