segunda-feira, outubro 17, 2005

Gripe das Aves



Em virtude da importância do assunto, tomo a liberdade de divulgar um comunicado emitido pela SPEA. Neste comunicado discute-se a alegada [baixa] probabilidade de o vírus H5N1 chegar a Portugal através das aves migradoras. Tal não deve, no entanto, reduzir o espírito preventivo que deve anteceder riscos de pandemia.

Não será demais recordar que muitos especialistas consideram possível um cenário de pandemia semelhante ao verificado com a chamada “gripe Espanhola” que, em 1918, matou 50 and 100 milhões de pessoas. Os mesmos especialistas alertam para o facto de a chamada “gripe das aves” (ou H5N1) ter a possibilidade de se transformar numa pandemia de proporções gigantescas podendo, no caso de mutação do vírus, dizimar mais de 40% da população do planeta.

Para mais informação sugiro a leitura de artigo na prestigiada revista Norte Americana “
Foreign Affairs”, em particular do seu número especial de verão publicado sobre o possível aparecimento de uma nova pandemia associado ao H5N1.


Comunicado da SPEA

O comité de especialistas veterinários da UE considera remota a possibilidade da estirpe H5N1 do vírus da Gripe Aviária, actualmente na Sibéria, chegar a Portugal via aves migradoras. Este cenário é remoto porque o número de aves infectadas com capacidade de voar mais de 8.000km deverá ser diminuto, os contingentes de espécies invernantes em Portugal que podem constituir risco são reduzidos e o contacto entre estas populações e as aves domésticas é pouco frequente.

O que torna o mecanismo da migração das aves tão atraente aos olhos Humanos? Em parte, será uma inquietude inata e uma vontade de viajar presentes em muitos de nós, projectadas nos extraordinários movimentos dessas pequenas e frágeis criaturas. A Gaivina-do-Árctico (Sterna paradisea), por exemplo, uma ave com cerca de 100g de peso, realiza duas vezes por ano uma jornada contínua de dois meses, na qual percorre mais de 20.000 quilómetros sobre o mar, entre o Árctico, onde nidifica, e o Antárctico, onde passa o Inverno. Recentemente, com o surgimento de um surto de Gripe Aviária altamente patogénica na Sibéria, instalou-se o receio de que os movimentos migratórios das aves possam trazer a doença até nós. Por isso, são relevantes os seguintes esclarecimentos:

1. As populações de aves selvagens, e em particular as aves aquáticas, são depósitos naturais de muitas estirpes da Gripe Aviária (são conhecidas 135 estirpes dos subtipos H e N). Normalmente, estas estirpes são inofensivas para a espécie Humana e de baixa patogenicidade para as aves. No entanto, em resultado da extraordinária capacidade de mutação deste vírus, podem surgir estirpes altamente virulentas para aves e outros vertebrados, incluindo o Homem. Foi o que aconteceu em 2003, no Sudeste Asiático, com o aparecimento da estirpe H5N1, que já matou 62 pessoas, mais de 125 milhões de aves de capoeira e um número indeterminado de aves selvagens. Não se sabe ao certo se esta estirpe surgiu nas aves selvagens ou nos aviários da região. Sabe-se sim, que existe uma enorme promiscuidade entre as populações de aves de capoeira e as populações de aves aquáticas, fruto do deficiente confinamento e das elevadas densidades nos aviários, que, aliadas a deficiências sanitárias generalizadas, tornam muito fácil a transmissão da doença às aves migradoras.

2. Em Julho deste ano a estirpe H5N1 foi detectada em vários distritos da Sibéria e dos montes Urais (Federação Russa), saindo pela primeira vez da região onde apareceu em 2003. Este surto já provocou a morte de mais de 120 milhares de aves de capoeira. Mas, apesar dos elevados prejuízos económicos, não matou, até à data, nenhuma pessoa. Não se sabe ao certo como é que a doença chegou à Sibéria, nem qual o papel das aves aquáticas migradoras neste processo. Uma coisa é certa, as localidades mais afectadas foram aquelas junto de lagos e zonas alagadas, salientando uma vez mais o contacto entre os bandos de aves de capoeira e de aves selvagens como um factor responsável pela propagação da doença localmente. O H5N1 “viajou” 5.000km entre o Sudeste Asiático e a Sibéria, infectando todos os países que se encontram no meio (China, Kazaquistão e Mongólia), será possível viajar mais de 8.000km até à Europa Ocidental? Qual poderá ser o papel das aves migradoras neste processo?

3. Um comité veterinário constituído por especialistas de todos os Estados Membros da União Europeia (UE) reuniu-se no passado dia 27 de Agosto e concluiu que o risco imediato das aves migradoras transportarem o H5N1 da Sibéria até à UE é remoto ou baixo, dependendo dos países em questão. Portugal estará na situação de risco remoto, porquê?

4. Primeiro, de acordo as observações realizadas nas populações selvagens, a doença é muito virulenta e auto-limitativa. Ou seja, pouco tempo após a infecção muitas aves morrem, mas a doença não alastra a toda a população. Isto parece garantir que os indivíduos infectados com o H5N1 acabam por não ter a capacidade de se deslocar grandes distâncias.

5. Em segundo lugar, a percentagem de aves aquáticas siberianas invernantes na Europa que se instala na metade Ocidental da Península Ibérica é reduzida (cerca de 10% do total). A maior parte das aves aquáticas provenientes do Árctico que invernam em Portugal, vêm pelo corredor mais Ocidental da chamada “East Atlantic Flyway”. É um corredor quase rectilíneo, de Norte para Sul, com início na Gronelândia, estendendo-se por toda a costa Ocidental Europeia e Africana até à África do Sul. As aves provenientes do extremo norte de Sibéria (que são as que chegam a Portugal) deslocam-se ao longo da costa, num movimento Nordeste-Sudoeste, via Escandinávia, Mar Báltico e Mar de Wadden; as aves provenientes do Interior da Rússia, onde se situa a região actualmente afectada pelo H5N1, fazem um movimento Norte-Sul, para o Médio Oriente e Costa Leste Africana.

6. Os anatídeos (cisnes, gansos e patos) são o principal grupo de risco na transmissão da Gripe Aviária. Em Portugal não invernam cisnes, mas invernam 3.000 gansos de uma única espécie e 50.000 patos de 11 espécies. Por outro lado, na Holanda, um país com metade da superfície de Portugal, invernam 29.000 cisnes de 3 espécies, 1.050.000 gansos de 6 espécies e 1.450.000 patos de 17 espécies. O risco que as populações destas espécies invernantes possam representar em Portugal é ínfimo, quando comparado com as populações da Holanda, Alemanha e Reino Unido, só para citar algumas. A promiscuidade entre as aves selvagens e as aves domésticas é muito maior naqueles países.

7. O comité veterinário da UE considera que a proibição generalizada da manutenção das aves de capoeira no exterior é uma medida exagerada, relativamente ao risco actual de introdução da doença via aves migradoras. Ou seja, deixa esta proibição ao critério dos Estados Membros, que considerem recomendável fazê-lo, como é o caso da Holanda. Compreende-se a posição do governo holandês, tendo em consideração os milhões de aves aquáticas que invernam no seu território.

8. Por último, convém referir que o comité veterinário da UE recomendou um reforço da vigilância das populações de aves selvagens e das populações dos aviários; o cumprimento rigoroso das medidas de proibição das importações de aves vivas, carnes cruas e penas não esterilizadas com proveniência das regiões afectadas; e também o reforço das medidas de biossegurança e sanitárias nas explorações avícolas. Tendo em atenção que foram estes procedimentos que falharam e permitiram que a Gripe Aviária atingisse mais de 6 países no Sudeste Asiático, Portugal deve implementar estas recomendações de forma exaustiva e generalizada.

9. Portugal, tal como os outros Estados Membros, deve também possuir um plano de emergência para o caso do H5N1 chegar à UE. Para além dos riscos para a saúde pública associados às explorações avícolas, este plano deverá acautelar outros sectores de risco, talvez não tão evidentes noutros países da Europa. Exemplos desses sectores são a actividade cinegética, que envolve um elevado número de pessoas em contacto com aves (219.000 licenças de caça, das quais 83.000 licenças específicas para as aves aquáticas), os repovoamentos cinegéticos com aves de cativeiro (perdizes, patos, etc.) e as grandes populações de pombos assilvestrados que povoam as principais cidades do nosso país.


A SPEA reserva-se o direito de alterar qualquer das opiniões que aqui expressa, caso surjam novos dados e factos que o justifiquem.

5 comentários:

Anónimo disse...

Aos administradores deste blog:
Penso que posts tão longos como os que na gerneralidade pude ver hj, não tornam este blog tão convidativo como o tema subjacente deixaria prever.
Na minha opinião pessoal, textos objectivos e concisos promoveriam bastante mais a discussão dos temas.
Bem hajam!

Miguel B. Araujo disse...

Agradeco o ultimo comentario. Esta questao ja' tem sido discutida varias vezes entre os os "bloggers" deste espaco. A dicotomia e' entre ter um blog composto por "posts" rapidos e actuais, ou ter um blog mais com menos posts mas posts maiores e mais trabalhados.

Ate' a' data a escolha tem recaido sobre a ultima opcao. Os motivos sao dois:

1. Este blog acompanha a lista ambio. Esta lista de discussao cumpre de certa forma o primeiro formato com a vantagem de ser perfeitamente horizontal, i.e., qualquer um pode escrever quando bem lhe aprouver.

2. Estimamos que fazia mais falta um blog de referencia sobre temas ambientais do que um blog reactivo e mais mediatico. Ja' existe um bom numero de blogs sobre ambiente e pensamos que o "nicho" ocupado por artigos maiores e por vezes mais densos estaria menos ocupado.

No entanto nada como receber os comentarios dos que nos visitam. Se continuarmos a receber comentarios como este ultimo talvez sejamos forcados a repensar o blog.

Anónimo disse...

Agradeço ao Miguel o seu esclarecimento, penso que foi bastante bem fundamentado.
O meu repto aos administradores nunca pretendeu ser uma crítica, mas apenas uma sugestão. Aproveitaria para lembrar ao/à "pensamentos" que a capacidade de escrever sobre um tema de forma resumida é uma arte que nada tem a ver com superficialidade de abordagem e muito menos com um carácter reactivo.
Bem hajam.
Alexandra (a anonymous do 2º comment)

Geosapiens disse...

...muito bom este esclarecimento...aliás o teu blog está muito bom...um abraço...

Gonçalo Taipa Teixeira disse...

O H5N1 não é assim tão virulento para a espécie humana. O perigo de pandemia está numa eventual mutação desta (ou até de outra) estirpe, que assim possa adquirir características que tornem o vírus transmissível entre seres humanos. Mas aí já seria outra estirpe viral, não é?. A questão com o H5N1 é que este já é imune às actuais vacinas, mais nada. Não existem provas (nem fortes indícios) de que a famigerada estirpe se transmita entre humanos.
PS: E se a pandemia vier, virá. É tão impossível prevê-la como pará-la. É a Natureza...