quinta-feira, janeiro 19, 2006

Relatório sobre seca

Acaba de ser publicado o relatório sobre a seca entre o período de 2004 e 2005. A primeira nota que gostaria de salientar é que o relatório revela, de forma marcante, as deficiências técnicas e cientificas dos grupos de apoio do Ministério do Ambiente. Uma deficiência que, mais uma vez, sugere a necessidade de constituir-se um organismo técnico e científico, de cariz estatal, para apoiar a componente analítica das políticas de ambiente, ordenamento do território e qualidade de vida dos Portugueses (como aliás foi sugerido pelo ainda Presidente Jorge Sampaio por ocasião de uma Presidência Aberta sobre Ambiente). Devemos ser dos poucos Países da Europa que não possui tal organismo sendo o mais próximo o LNEC (laboratório de Engenharia Civil) que, claramente, não cumpre essa função de forma satisfatória.

A parte de diagnóstico do relatório é meramente descritiva e não analítica o que talvez seja indicador da deficiência ou inexistência dos mecanismos de colecta de dados e monitorização do espaço biofísico em Portugal. Ou seja, sem dados não se podem fazer análises. Mas também pode ser indicador de alguma falta de “expertise” na elaboração deste tipo de relatórios.

Assume-se, no principio do documento, que a seca é uma consequência normal do nosso regime climático (que é verdade) mas ignora-se por completo a possibilidade de ser um fenómeno com tendência a tornar-se mais frequente de acordo com relatórios nacionais (SIAM) e vários estudos internacionais (alguns deles referidos neste Blog). Neste sentido o relatório adopta uma postura “business as usual” que pode ser interpretado como indicador de alguma negligencia na gestão da causa pública, especialmente quando o Governo, pela palavra do seu Ministro do Ambiente, emite sinais junto do público de que encara com seriedade as alterações climáticas.

Além de meramente descritivo o diagnóstico é profundamente incompleto. Para dar um exemplo leiam-se as secções que pomposamente levam o titulo de “biomassa e biodiversidade”. Uma única espécie - o peixe Saramugo - é referida como possivelmente (e salienta-se o "possivelmente" pois não são apresentados dados de séries temporais que consubstanciem o diagnóstico) ameaçada pela seca. Depreende-se, portanto, que nem outros peixes nativos, nem os anfíbios, nem as aves, nem os mamíferos são afectados pela seca o que vai ao arrepio do que hoje se sabe sobre os efeitos do tempo e do clima sobre a biodiversidade.

Finalmente as medidas preconizadas parecem ser genericamente correctas (salvaguardando o facto importante de assumirem um pouco defensável cenário de “business as usual”) mas falta, como é costume, o “quem é quem”, o “quem paga o quê e em que quantidades” e “o que é crucial e acessório”. Ou seja, o relatório inclui a parte feita pelas equipas técnicas – que apenas fazem o que se encontra no domínio da sua especialidade - mas revela falta de visão de conjunto e insuficiente coordenação. Este pequeno pormenor é sinal de que o mesmo pode ter como destino uma qualquer prateleira poeirenta do Ministério do Ambiente como tantos outros relatórios que foram produzidos neste País.

Enfim, aconselham-se os ambionautas a ler o relatório e a dizerem de sua justiça utilizando, se assim o desejarem, a função de comentários fornecido pelo blog.

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