Quando decidi escrever este post não tinha ainda visto o anterior do Pedro Vieira.
Como sou dos mais críticos do que escreve o Pedro Vieira, nomeadamente neste blog, entendo que pelo menos em parte sou responsável pela amargura de que dá mostras.
E não a entendo. Saber ouvir críticas, feitas de forma clarae aberta, parecer-me-ia uma condição base de quem faz da crítica grande parte da sua profissão. Escreve lá o que quiseres por aqui, que não se ganha nada em dispersarmo-nos por diferentes capelinhas, a perorar cada um de nós para convertidos. E venham de lá as discussões que daí resultarem, que não me parece que elas sejam irrelevantes ou excessivas. Mas por mim aceito a auto-regulação da crítica e limitá-la-ei.
Posto esta introdução, a verdade é que a motivação deste post é uma frase do Pedro Vieria num comentário anterior. Não para a criticar, mas para concordar, discordando.
Disse o Pedro: "eu não considero que a catástrofe dos fogos seja um fado lusitano". E eu concordo. Eu também não considero a catástrofe dos fogos um fado lusitano.
Talvez seja útil explicar as razões que me foram conduzindo para a discussão dos fogos. Eu não sou investigador, eu não sou especialista na matéria, eu não trabalho com essa área no ICN.
Comecei a interessar-me pela matéria quando verifiquei que não havendo geralmente grandes recursos para a conservação da natureza nas áreas protegidas, nunca faltavam para os fogos. E comecei a tentar entender por que razão o ICN gastava tanto dinheiro com o assunto.
A minha primeira pergunta foi: "justifica-se este investimento por razões de conservação". O que via, e vejo, é uma recuperação notável da vegetação natural. Mas podia estar enganado. Fui ler. Dalila Espírito Santo, Mário Lousã, Francisco Rego, Francisco Moreira, Hermínio Botelho, Paulo Fernandes, com certeza faltam muitos outros, mas as conclusões eram sempre as mesmas: a recuperação da vegetação após fogo (e se quisermos, a recuperação dos sistemas) era muitíssimo boa e não levantava questões de conservação, excepto na hipótese dos fogos serem muito frequentes.
Disseram-me então que os fogos eram frequentes. Fui ver. Estudei a cartografia dos fogos e cheguei à conclusão de que raramente havia zonas de fogos frequentes. Pois bem, na semana passada, naquele seminário com base no qual o público de ontem fala nas cabras, lá estavam os números do José Miguel Cardoso Pereira sobre as áreas que ardem mais de uma vez a demonstrar que a ideia de que ardem muitas vezes as mesmas áreas é um mito sem grande suporte.
E veio a história das perdas de solo, sem que até hoje um único trabalho de campo o demonstre (com os fogos no parque de S. Mamede em 2003 e da serra da Estrela em 2005 estão a fazer-se uns ensaios: não confirmam a ideia de perdas monumentais de solo).
Depois veio a comparação com outros países para demonstrar como somos nós que somos incompetentes. Lá está mais uma vez a cartografia de José Miguel Cardoso Pereira, com a produtividade primária potencial, a explicar que não somos bem iguais, há de facto diferenças. E mais a citação de um doutoramento na equipa de Xavier Viegas a demonstrar a correlação entre as condições meteorológicas de cerca de 12 dias no ano e dois terços da área ardida.
Significa isto que me rendo ao que existe? Não, três vezes não. Quer apenas dizer que não acredito em boas soluções a partir de problemas mal equacionados. É preciso que percebamos bem o que nos torna diferentes nesta matéria (e uma parte será incúria, incompetência, desonestidade, etc.) para então encontrar as soluções certas.
O verdadeiro inimigo que temos pela frente não é o fogo. O fogo é apenas um elemento que temos gerido mal. O verdadeiro inimigo é a falta de avaliação de resultados, é a manutenção das mesmas ideias ano após ano, falhanço após falhanço, é a falta de aderência de grande parte da nossa investigação aos problemas reais do país, é a produção incessante de notícias dramáticas, sistematicamente desmentidas nas suas fundamentações sem que os seus responsáveis achem isso anormal, é a corrida do país mediático a qualquer fogo mais espetacular associado à quase ausência de reportagem sobre as áreas ardidas ao fim de três ou quatro anos, é a pressão incessante para que os políticos resolvam já e de imediato os fogos do país, que demoram anos a resolver.
O fogo não é o inimigo, o inimigo somos nós. O fogo é só um oportunista que explora as condições naturais que teimamos em negar que existam gerindo o nosso território sem o compreender.
henrique pereira dos santos
terça-feira, julho 11, 2006
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