sábado, novembro 04, 2006

O fogo não morreu, invernou

Artigo de opinião publicado no jornal Público (4/11/2006)

Uma euforia triunfalista inundou Portugal ao longo deste Verão por, pela primeira vez na presente década, um ano ter ficado abaixo dos 100 mil hectares ardidos. "Habituados" que ficámos aos anos catastróficos - entre 2003 e 2005, cerca de 27 por cento da área de potencial florestal do país foi literalmente devorada pelas chamas -, o Governo e vários sectores da sociedade "insistem" que, a partir de agora, tudo será diferente. Acenam com estatísticas simples - ardeu 72 mil hectares (valores provisórios, embora seja expectável que as actualizações façam subir a área para a casa dos 80 mil) - e fazem comparações de pacotilha. Comportam-se como uma equipa de futebol acostumada a levar cabazadas de 15 a zero e que, após isso, ficam felizes por perderem um jogo por apenas 3 a zero. Pouco se importam em saber se essa última "pequena" derrota se deveu a factores conjunturais ou se foi fruto de alguma melhoria estrutural. Enfim, olham para um ano com uma redução e quase anunciam a morte dos fogos. Têm fraca memória; fatal para se poder aprender.

Relatar situações, quer a nível nacional quer regional, de anos muito amenos a que sucederam anos dantescos seria fastidioso. O ciclo do fogo é a imagem de marca deste país de chamas. Mas há um recente caso regional que é paradigmático dos riscos de festejar um ano para chorar no próximo: no distrito de Coimbra, o ano de 2004 tinha sido o mais ameno da última década, com apenas 524 hectares ardidos; em 2005 arderia 50.803 hectares - ou seja, 97 vezes mais.

Por isso, para uma discussão séria sobre se os resultados deste ano foram bons ou maus, não se pode apenas fazer comparações com os anos imediatamente anteriores. Ainda mais porque, por triste ironia, no caso dos incêndios, catástrofes passadas são "benéficas" para os anos seguintes. De facto, a floresta não é uma fénix renascida - aspecto que deveria ser do senso comum, mas que os políticos parecem querer ignorar. As áreas dizimadas nos últimos três ou quatro anos - cerca de um milhão de hectares, maioritariamente em zonas florestais em contínuo e de elevado risco - estiveram agora em pousio. Mais: elas serviram agora de zona-tampão à progressão de novos incêndios, pelo que este ano dificilmente poderíamos sofrer fogos com mais de 10 mil hectares em contínuo.

Acresce a tudo isto um outro factor sempre conjuntural, mas decisivo: este Verão (meses de Junho a Setembro) foi o segundo mais chuvoso da última década (atrás de 2002), mas com o aspecto benéfico de estar distribuída pelos quatro meses em quantidades apreciáveis. Para se ter uma ideia mais precisa deste Verão húmido, diga-se que choveu quatro vezes mais do que, por exemplo, no período homólogo do ano passado, e mais do dobro em relação aos anos de 2003 e 2004. Aliás, nos últimos 75 Verões, apenas se encontram 10 mais húmidos do que o deste ano! Ou, por outras palavras, um Verão com a precipitação deste ano ou superior apenas ocorre, em média, uma vez por década.

Apesar de tudo isto, o ano de 2006 não se livrou de apresentar alguns resultados decepcionantes a nível regional e de mostrar medíocres níveis globais de eficácia no combate. Com efeito, embora este tenha sido o terceiro ano com menor área ardida na última década à escala nacional, o Minho foi mais uma vez dilacerado. E não foi pouco: em termos territoriais ardeu mesmo mais do que na Galiza. O distrito de Viana do Castelo é, aliás, cada vez mais um caso clínico: nos últimos seis anos foi afectado em 48 por cento da sua área total, e este ano - o segundo pior de sempre - somaram-se mais 7 por cento. Nesta região, o grau de destruição desde o início desta década chega a ser 15 vezes superior à taxa deflorestação da Amazónia! Medíocre este ano foram também as prestações no combate nos distritos de Braga (3.º pior ano da última década), Aveiro (4.º), Leiria (3.º) e Évora (2.º). Na verdade, foram os desempenhos sobretudo nos distritos de Castelo Branco e Guarda que evitaram que se ultrapassasse a psicológica fasquia dos 100 mil hectares. Em todo o caso, a área ardida este ano a norte do distrito de Beja é idêntica à registada em 2004, quando ainda não tínhamos sofrido os incêndios devastadores de 2005 nas regiões norte e centro...

Por outro lado, globalmente, as deficiências estruturais no combate mantiveram-se. Se até se concorda que a primeira intervenção melhorou - embora a contabilidade dos fogachos em Portugal seja muito "criativa" -, no combate estendido continuou-se com índices desastrosos, dado o excessivo número de fogos a superarem os 100 hectares. Incêndios que ultrapassam esta dimensão são já de elevada complexidade de combate e o grau final de destruição já passa a depender sobretudo da orografia e do tipo e continuidade da vegetação. Ora, este ano, de acordo com dados oficiais, de entre todos os incêndios (área acima de um hectare), 3,5 por cento superaram os 100 hectares - um valor que, ao longo da última década, apenas foi ultrapassado em 2003 e 2005 (4,7 e 4,0 por cento. respectivamente), sendo muito superior ao melhor ano (1997, com um rácio de 0,7 por cento), em que ardeu apenas 30 mil hectares. Estes grandes incêndios não atingiram as dimensões dos últimos três anos por uma razão: fisicamente, em muitos casos era impossível.

Por fim, nesta "guerra" das estatísticas, o mais importante é saber se mesmo com valores semelhantes aos deste ano a nossa floresta poderá ser sustentável. O actual Governo dirá que sim, tanto assim que na Estratégia Nacional para a Defesa da Floresta contra Incêndios, publicada este ano, estabeleceu-se como meta, até 2010, não superar os 100 mil hectares por ano. Nem de propósito, logo no primeiro ano o Governo "conseguiu" encaixar-se na meta. Mas, não sejamos tão ingénuos. Há cerca de uma década, o Relatório Porter indicava que para o sector florestal ser sustentável económica e ambientalmente não poderia arder mais do que 40 mil hectares, dos quais metade de floresta. Esta referência até seria reconhecida pelo segundo Governo de António Guterres que em 1999 aprovou - com a presença de muitos dos ministros do actual Governo de José Sócrates, incluindo o próprio - um plano de desenvolvimento sustentável da floresta portuguesa que estabelecia, como objectivo, atingir no período 2003-2008 uma área ardida inferior a metade do que se verificara no período 1993-97, ou seja, um pouco menos de 40 mil hectares. Se ainda estivesse em vigor essa promessa - incluída em 50 páginas do Diário da República, integrada num plano entretanto engavetado -, concluiríamos então que afinal no período 2003-2006 já teria ardido uma média anual de 240 mil hectares - o que, contas feitas, daria seis vezes mais do que o objectivo traçado pelo Governo de Guterres. Ou, noutra perspectiva, seis vezes mais do que o limite aceitável de área queimada susceptível de permitir a sustentabilidade da floresta em Portugal.

Mas, claro, mudando-se a "fasquia" por decreto, esquecendo as promessas passadas, consegue-se sempre "transformar" algo de mau em algo de bom. No entanto, a floresta portuguesa não se torna sustentável por decreto. E as loas ao Governo, devido ao alegado bom ano, são uma ilusão. Mas quem quiser continuar a gozar este "sucesso" esteja porém convicto de que o fogo em Portugal nunca morre; apenas descansa. E costuma acordar de mau humor.

Nota: Já depois de ter escrito este texto, a DGRF actualizou os dados da área ardida, que subiram (para já) para os 75 mil hectares. E fez também com que, afinal, a área queimada este ano no distrito de Braga tenha sido a segunda pior da última década (aliás, de sempre...).

11 comentários:

Henrique Pereira dos Santos disse...

Não percebi a comparação do distrito de Viana de Castelo com a Galiza.
Para além disso continuo sem perceber o que defende o Pedro Vieira. Percebo que no jornal o espaço seja limitado, mas talvez fosse útil aqui, em que sobra espaço, o Pedro explicar o que acha ser a saída para o problema.
henrique pereira dos santos

Pedro Almeida Vieira disse...

«(no Minho)em termos territoriais ardeu mesmo mais do que na Galiza», significa - explicando em português - que a percentagem de território dos distritos de Viana do Castelo e de Braga que ardeu este ano é superior à percentagem de território da Galiza que ardeu em igual período (não actualizei os dados de Agosto, mas andava na ordem dos 5% para o Minho contra 3% para a Galiza; se formos ver à última década, então a coisa piora muito, mas mesmo muito...).

É descabida essa comparação? Não, e se é será a desfavor da Galiza, pois a comunidade espanhola tem 2/3 do seu território arborizado, enquanto que no Minho rondava 1/3 em 1995 (agora será muito menos).

Quanto à questão de que continuas «sem perceber o que defende o Pedro Vieira» e achares que «talvez fosse útil aqui, em que sobra espaço, o Pedro explicar o que acha ser a saída para o problema». Bom, eu compreendo que não queiras ler o meu livro (é grande, é certo...), mas pedia-te encarecidamente que essa tua preguiça não fosse usada para lançares a ideia de que eu apenas critico sem apontar soluções. Elas estão lá no livro - explícitas e implícitas. E já as transmiti várias vezes...

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Pedro,
Claro que li o livro.
E continuo sem perceber o que defendes.
Ou melhor dizendo, tanto quanto percebo defendes o modelo de intervenção usado na Andaluzia, que é basicamente o mesmo que na Galiza, de cujos resultados a prazo tivemos este ano uma pálida ideia.
Os nove dias de vento Leste do princípio de Agosto na Galiza foram sempre de vento fraco, não foram de ventos fortes como 2003 no centro interior de Portugal, que não tem correspondente geográfico em Espanha, ou no Algarve e Andaluzia em 2004, cujo maior fogo em trinta anos desvalorizas considerando fortuito.
Aliás nunca percebi muito bem porque tendo tu tantas dúvidas, e muitas fundadas, sobre os dados em Portugal admites sempre os dados espanhóis como sendo fiáveis.
Tenho pena que consideres uma mera discussão de pontos de vista como uma questão pessoal e imediatamente comeces a chamar-me preguiçoso.
Se não falo do teu livro é apenas porque não querer obscurecer os méritos que tem falando das coisas que me me chocam demasiado como a tua tentativa de descartares a ligação entre condições meteorológicas e os fogos comparando anos recentes com os anos 40, sem entrar em linha de conta com as alterações das condições estruturais do território, o que do meu ponto de vista é absolutamente inconcebível.
Temos pontos de vista diferentes sobre este assunto, acho que isso é bom e permite discussões úteis, mas não da forma como imediatamente reages a uma mero comentário.
Claro que fico satisfeito com a tua aproximação ao que penso quando em vez de negares terminantemente a ligação entre as condições meteorológicas e o fogo (gastando imensas páginas do teu livro a tentar demonstrar essa tese) este ano já admites que condições meteorológicas conjuntarais explicam grande parte dos resultados.
Já agora continuo sem perceber a questão da galiza e do Minho. Como sabes contesto fortemente as tuas comparações entre Espanha e Portugal, defendendo em alternativa a comparação das regiões com condições semelhantes, portanto estou de acordo que a Galiza deva ser comparada com o Minho. O que não percebo é a relação que fizeste. Será possível que quando dizes que não actualizaste os dados a Agosto estejas a deixar de fora os incêndios dos terriveis nove dias?
Quero só perceber que relação é essa que este ano não bate certo com o que vejo nos mapas.
É só isso.
henrique

Pedro Almeida Vieira disse...

Caro Henrique,

Vou tentar ir por pontos.

1 - Os dados da Galiza que referi já tem em conta obviamente a área queimada pelos grandes incêndios de Agosto.

2 - Os fogos deste ano na Galiza foram graves - tal como os da Andaluzia em 2004. Nunca disse o contrário. Mas a questão essencial é que essas situações são mesmo fortuitas (e dizer isso não significa uma desvalorização), pois afectam mas não retiram viabilidade económica e ambiental às suas florestas, porque a longo prazo (por os outros anos terem pouca área ardida) esses valores mais elevados se «diluem».

3 - Ao invés, em Portugal a situação é sempre má. Mesmo este ano (com 75 mil ha, provisórios) são valores que estão acima da viabilidade da floresta. Nota que na Andaluzia (tamanho de Portugal) no pior ano da última década (40 mil ha, o tal que teve o fogo de 27 mil ha) esteve pouco acima do nosso melhor ano (1997) e é metade do deste ano. Eu sei que não gostas de comparações, mas como toda a gente acha que o que acontece em Portugal é um mal universal, eu tenho que as fazer...

4 - Os dados de Portugal não são fiáveis, porque salta à vista que não o são. Nem sou eu apenas que o digo; até a LBP. Olha, por exemplo, para os dados do último relatório da DGRF e repara na quantidade de reacendimentos em Viseu e diz-me se aquilo faz sentido... Ou melhor, se a pequena quantidade de reacendimentos dos outros distritos faz sentido. Ou olha para o registo de ocorrências ao longo dos anos (e que eu escalpelizo no livro) e a trapalhada das correcções que por exemplo este ano a própria DGRF fez (num relatório de finais de Agosto, retiraram cerca de 20% de ocorrências que tinham indevidamente registado duas semanas antes...).

5 - As condições de tempo quente e seco são importantes - e eu digo isso no livro, referindo que a questão é tão óbvia que nem merece grandes discussões. O que procuro demonstrar é que isso está a servir de desculpa para o falhanço em Portugal, por isso lhe dedico espaço de análise no livro.

6 - Para mim, o factor meteorológico mais importante no Verão em relação aos incêndios acaba por ser a precipitação. E porquê? Porque chovendo muito é o único factor que se pode considerar anormal. Chover muito no Verão é algo conjuntural (no sentido de não frequente), enquanto fazer tempo quente e seco (incluindo ventos de leste) é algo que é frequente (e portanto «estrutural» do nosso clima). E o sistema de gestão e de combate deve estar preparado e ser bem-sucedido para as situações normais (ou seja, para o tempo quente e seco).

6 - Dizes que eu não entro em linha de conta com as alterações das condições estruturais do território? Será que lestes os capítulos do meu livro que vão da página 293 até à 334???

7 - Reagi da forma energética no primeiro comentário, porque aquilo que escreveste em meia-dúzia de linhas não foi nada elegante. Olha bem para as expressões que utilizaste...

8 - Gosto de um bom debate de ideias, mas feito com base em dados concretos. Repara que em tudo aquilo que opinas não há (salvo raríssimas excepções... e na verdade nem me estou a recordar de nenhum caso)um único número, um único dado suportado por outra coisa que não seja apenas o senso comum. E o senso comum tem coisas que são verdadeiras, mas também tem muitas coisas que são absolutamente falsas... E nos fogos há muitos mitos. E tu segues muitos deles...

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Pedro,
O que escrevo sobre os fogos tem muito pouco de senso comum: como sabes tenho sobre o assunto um ponto de vista ultra-minoritário.
Independentemente disso penso que este ano fiz uma demonstração muito sólida de que o meu modelo do fenómeno o prevê muito bem, pelo que deve estar certo em alguns pontos.
Para além disso tens números bastantes na análise que faço sobre o assunto nos relatórios do Plano de Ordenamento do Parque das Serras de Aire Candeeiros, mas os meus números são essencialmente amarrados a uma realidade geográfica porque essencialmente as minhas análises baseiam-se em SIGs e não em estatísticas arrumadas por limites administrativos.
Já agora não contestei que os números portugueses sejam pouco fiáveis, o que perguntei é o que te faz supor que os números espanhóis o sejam. Ouvi dizer que também em Espanha não houve vacas loucas, mas não confirmei.
henrique pereira dos santos

Pedro Almeida Vieira disse...

Caro Henrique,

Não me parece que a tua teoria dos ventos de leste seja assim tão inovadora e ultra-minoritária. O adágio «de Espanha nem bons ventos nem bons casamentos» tem séculos. No caso dos casamentos, tem a ver com as questões relacionadas com os casamentos régios entre Portugal e Espanha, mais precisamente Castela). No caso dos ventos, tem a ver com os ventos de leste, que são e sempre foram secos. Aliás, os ventos de leste, para além de estarem associados a temperaturas que podem ser mais altas do que o habitual, estão sobretudos associados ao outro fenómeno mais determinante: enquanto ocorrem durante o Verão é raríssimo haver chuva; se é que alguma vez ocorreu. Já aqui te indiquei que em muitas situações de fogos intensos ao longo dos anos, estes coincidiram com ventos de norte ou mesmo de noroeste.
Aliás, em Espanha, por exemplo, os ventos de leste para justificar os fogos é uma questão de senso comum (vd. ainda há pouco tempo, o filme Volver do Almodôvar, que aborda, de forma engraçada, esta temática).

Em relação à credibilidade dos dados espanhóis, não pondo as mãos no fogo por eles, parece-me contudo que não inventam de forma tão despudorada como em Portugal. Exemplos há muitos: os mais evidentes são os tempos de primeira intervenção e da eficácia na primeira intervenção (questões que abordo no livro).

Quanto a usares SIG e eu usar estatísticas com base administrativa, não entendo se pretendes desvalorizar as minhas análises. Chego a apresentar análises ao nível de concelho e até de freguesia, usando informação oficial que, supostamente, usa SIG. E também usei dados fornecidos pelo ISA... que usa SIG.

Admito que as análises que tenhas usado para o PN Serra de Aire e Candeeiros tenha substrato numérico (e ainda bem). Mas aquilo que critico em ti é que nestas discussões aqui na Ambio apenas uses argumentos de senso comum. É isso que está em causa...

Miguel B. Araujo disse...

Esta conversa é interessante mas seria ainda mais se houvesse abertura para entender as razões do outro.

Do lado do Henrique está:

1. As estatísticas valem o que valem e só com extremo cuidado podem ser usadas para inferir "causalidade".

2. Se os dados estatísticos fossem usados de "input" para um modelo preditivo de comportamento do fogo, é óbvio que as condições metereológicas teriam de ser tidas em conta tendo, provavelmente, um factor "explicativo" muito importante.


Do lado do Pedro está:

1. Ele não apresenta as estatísticas como se estas constituissem a base de um modelo preditivo. São séries de factos que, como todos os factos, podem ser interpretados de forma diversa (ele, como é natural, apresenta a sua própria interpretação).

2. As estatísticas que apresenta são úteis pois obrigam, ou deveriam obrigar, os "decision makers" a dar explicação. Se é verdade que as condições metereológicas são importantes também é verdade que não explicam tudo. Não explicam, por exemplo, os reacendimentos constantes, as ignições às duas da manhã, os inquéritos que ficam por fazer; nem explicam a desproporção dos incêndios entre Portugal e Espanha (ou Portugal e Marrocos de onde o vento de leste provém e onde, no norte, também existem matas com muita biomassa), mesmo que essa comparação seja feita entre a Galiza e o Minho.

Para sair deste diz que disse e progredir na conversa seria necessário abandonar algumas teimosias e reconhecer que a raiz no problema não é apenas climática (como se de uma fatalidade se tratasse) nem apenas conjuntural (inoperância dos nossos bombeiros e má fé ou incompetência dos políticos).

Pedro Almeida Vieira disse...

Miguel,

obrigado pela tua moderação. A questão essencial - e para a qual me insurjo - é que muita gente deseja relevar em demasia as questões do tempo quente e seco para justificar o drama dos incêndios. Incêndios sempre existiram em clima mediterrânico - e a História de Portugal mostra bem isso (como explano no livro, com casos concretos).
Que haja um agravamento das condições climatéricas, territoriais e sociais propícias para aumentar os incêndios é também verdade, mas - e aqui está «o busílis da questão» - não estará o país a ser incompetente para se adaptar a essas novas circunstâncias?
A minha resposta é afirmativa. Nas actuais circunstâncias de ocupação territorial e de gestão da floresta, Portugal continuará ciclicamente a sofrer catástrofes com os incêndios. No actual modelo de combate - com a sua fraca eficácia -, idem. E isto é independente das condições climáticas serem, num ano ou nos outros, mais ou menos «agreste». Anos como o de 2003 e 2005 teriam sido sempre complicados por via climatérica, mas nada justifica que ardessem 425 mil e 336 mil ha, como aconteceu. E num ano como o actual, arder 75 mil ha (valores provisórios) é sempre excessivo, porque as condições climatéricas foram excepcionalmente favoráveis. É tudo uma questão de dimensão. Em suma, arder mais ou menos está dependente das condições climatéricas, sem dúvida; mas deve-se questionar a dimensão desse «mais ou menos». E na minha opinião; arde demasiado mesmo quando arde pouco e arde demasiado quando arde muito (penso que me fiz entender).

Anónimo disse...

“Se aproveitarem bem os estudos, se estudarem muito, se fizerem os trabalhos de casa e um esforço para serem espertos, serão capazes de se desenrascar e de se darem bem, senão, dão convosco enterrados na Assembleia da República”. – Quitéria Barbuda.

www.riapa.pt.to

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Miguel,

Coloquei um post sem comentários que reproduz imagens produzidas pelo EFFIS porque não sei fazer isso aqui nos comentários.

Quanto ao que dizes, agradecendo o teu esforço de moderação, tem um problema: há um enorme equívoco sobre o que eu estou a tentar dizer.

Vejamos.

Eu não contesto a tese do Pedro Vieira sobre a ineficiência do combate aos fogos em Portugal pela simples razão de que não falo desse assunto. E não falo em primeiro lugar porque não percebo nada da matéria, em segundo lugar porque acho uma questão marginal na discussão dos fogos em Portugal.

E acho uma questão marginal porque, nas nossas condições, um sistema muito eficiente de combate que pretenda reduzir significativamente a área ardida ou está associado a um programa extenso de redução de combustíveis ou aumentará a vulnerabilidade ao fogo na proporção directa da sua eficácia (ler a este respeito Paulo Fernandes).

O que tem motivado as minhas discussões com o Pedro é a utilização que o Pedro faz das estatísticas para tentar suportar as suas teses mas que, do meu ponto de vista, revelam um enorme desfasamento da realidade (um conjunto de factos não é uma realidade, é só um conjunto de factos).

Para não alongar o comentário, centro-me apenas na sistemática comparação com Espanha, que subscreves e a que acrescentaste agora Marrocos.

Olhando para as imagens que publiquei no post (em que cada ano aparece com uma cor diferente, sendo muito interessante verificar como há correspondência dos dois lados da fronteira no que arde em cada ano) parece-me óbvio que comparar as realidades administrativas conhecidas como Espanha e Portugal não faz qualquer sentido porque elas não são geograficamente homogéneas.

Concordando todos nós que as condições meteorológicas conjunturais são fundamentais na interpretação da questão dos fogos (posição recente do Pedro que saúdo, corrigindo assim um dos principais problemas do seu livro em que há uma negação explícita deste facto) rapidamente nos damos conta de que comparações anuais ou em outros períodos curtos não fazem qualquer sentido pela mesma razão que comparar condições climáticas em séries temporais curtas não faz qualquer sentido.

Verificando nós que 80% da área ardida se concretiza em períodos muito curtos de tempo, em que dominam condições meteorológicas muito específicas, rapidamente teremos de admitir que a especificidade dessas condições não permite utilizar as grandes caracterizações climáticas para medir a susceptibilidade ao fogo.

Ora o que tenho feito é utilizar outro paradigma: a vegetação autóctone para tentar compreender a especificidade portuguesa, razão pela qual eu digo que a susceptibilidade de Portugal ao fogo tem a mesma raiz que suporta a nossa posição de campeão mundial na produção de cortiça.

Ora as imagens que publiquei no blog suportam inteiramente esta tese, explicando por que razão a fachada atlântico - mediterrânica da península ibérica não pode ser comparada com o resto de Espanha e com Marrocos. E não há resto de Portugal para comparar, estamos inteiramente nessa fachada.

Como comentário final penso que a imagem de publico sobre 2006 explica a minha estranheza sobre quaisquer afirmações que digam que o Minho foi mais afectado que a Galiza.

Se as estatísticas indicarem um melhor desempenho da Galiza há uma de três possibilidades: ou o limite administrativo da Galiza inclui territórios que não têm nada a ver com as condições da sua fachada mais atlântica; ou a forma como se trataram os dados pode estar matematicamente certa mas é errada como explicação da realidade; ou então, por último, a informação estatística do Estado Espanhol sobre fogos não é fiável, o que é natural por não ter, como tem Portugal, um sistema independente centrado na equipa de investigação de José Miguel Cardoso Pereira.

Quer sito dizer que considero a problema dos fogos uma fatalidade em Portugal? Não, quer simplesmente dizer que a gestão de combustíveis é a questão central e que isso deveria ser um problema de primeira grandeza no Plano de Desenvolvimento Rural em discussão, o que não acontece.

Se quisermos, o que defendo é que deveríamos estar a questionar o governo pela sua opção exclusiva pela competitividade como trave mestra da sua política de desenvolvimento rural em vez de nos questionarmos sobre o desempenho das corporações de bombeiros (que até pode ser mau, não faço a mínima ideia nem em interessa muito porque é uma questão marginal: o que arder a mais este ano arde a menos nos anos seguintes num prazo de três a cinco anos. Nada de essencial se altera pelo lado da eficiência ao combate, com a eventual excepção qas questões de protecção civil)

henrique pereira dos santos

Pedro Almeida Vieira disse...

Henrique:

Sinceramente gostava de um debate são sobre esta temática, mas tu não resistes a dar alfinetadas que acabam apenas por demonstrar que não leste, por certo, o meu livro (o que até desculpo por ter 450 pg).

Escreves no último comentário o seguinte: «Concordando todos nós que as condições meteorológicas conjunturais são fundamentais na interpretação da questão dos fogos (posição recente do Pedro que saúdo, corrigindo assim um dos principais problemas do seu livro em que há uma negação explícita deste facto)...».

Negação explícita das condições meteorológicas relacionadas com os fogos???? Por amor de Deus???!!! Eu digo logo que «será um truísmo afirmar que quanto mais quente e seco for um Verão (...) maior será o risco de incêndio» (pg. 99). A tese que defendo em relação à meteorologia está bem explícita pg. 101: «À tese que defende que arde mais no Verão porque há mais calor e seca, pode-se contrapor, em sentido inverso, dizendo que arde menos no Verão quando há chuva e temperaturas amenas. Acaba por se estar perante a velha discussão copo meio cheio ou meio vazio, mas a segunda proposição até tem mais sentido meteorológico, uma vez que a probabilidade de Portugal sofrer, no Verão, períodos mais intensos de estio é sempre mais elevada do que ter um Verão chuvoso».

Outra questão: quem te ler a criticar aquilo que defendo (e eu acho que não sabes bem o que eu defendo; apetece-te apenas lançar a confusão...), pensará que eu nego o clima, nego as questões sociais e de ordenamento e apenas me centro a atacar o combate. Lamento profundamente que escolhas esta via para depreciar as análises que faço no livro. Lá terás as tuas razões para tal...

Por fim, o sistema português é tudo menos independente. Confio inteiramente na equipa do prof. José Miguel Cardoso Pereira - que muito prezo e do qual sou amigo -, mas o seu trabalho consiste numa primeira fase em avaliar as áreas ardidas superiores a 50 ha, tal como também é feito em Espanha - o que apresenta sempre um erro por defeito (por circunstancialismo técnicos, frise-se) . A estatística oficial não lhe está entregue. Aquilo que ele posteriormente faz é a avaliação cartográfica das áreas queimadas, mas isso demora muitíssimo mais tempo. Aliás, eu tenho a convicção de que este ano, muitas áreas ardidas de uso agrícola (abandonado ou não) não entraram nas estatísticas. Isso por exemplo foi evidente num fogo que atingiu o Parque Natural do Guadiana.